Capítulo 5: Os Lionheart (2/5)
Como Gordon havia dito, a carruagem só parou depois de muito tempo. Após abrir a porta do próprio lado e descer, Gordon caminhou até a porta de Eugene e a abriu.
— Bem-vindo à propriedade principal da família Lionheart — disse Gordon com uma reverência educada.
A mansão era visível pelos portões escancarados. E, como esperado, ninguém apareceu para recebê-lo.
“Os Lionheart.”
Eugene ergueu os olhos devagar. Bandeiras brancas se alinhavam ao longo do caminho que levava da entrada ao portão principal, todas com um leão corajoso bordado no centro. Esse era o brasão pessoal da casa principal.
“O Lionheart de Vermouth.”
Eugene olhou para o próprio peito. Suas roupas não tinham nenhum enfeite. Apenas os descendentes diretos de Vermouth Lionheart podiam carregar o brasão do leão bordado no lado esquerdo do peito.
“Se ao menos eu também tivesse deixado descendentes…”
Na vida passada, Hamel nunca havia se casado, nem tido filhos.
“Não. Ainda bem que não tive. Se tivesse, só ficaria com mais arrependimentos inúteis.”
Ainda assim, vendo as bandeiras alinhadas daquele jeito, não conseguiu evitar sentir um certo pesar pela vida anterior.
— Algum dos meus parentes já chegou?
— Mestre Eugene foi o primeiro a chegar.
“Viva!”, pensou Eugene, assentindo com a cabeça.
O lugar para onde Eugene foi levado era um anexo construído junto ao salão principal.
No caminho até lá, não viu nenhum parente sequer com o leão bordado no peito, o símbolo dos membros da família principal. Por que estavam sendo tão distantes? Será que não tinham nem um pingo de curiosidade de ver a chegada de um parente de treze anos?
Mas pelo menos não estavam sendo completamente rudes. Ao chegar ao anexo, Eugene descobriu que haviam designado uma única assistente pessoal para ele.
A criada se apresentou com uma reverência:
— Pode me chamar de Nina.
Pelo que parecia, era uma garota jovem, provavelmente só um pouco mais velha que Eugene. Ainda assim, ele não sentiu vontade de reclamar.
— Se precisar de qualquer coisa, por favor, toque este sino — disse Nina, inclinando a cabeça enquanto entregava a ele um pequeno sino.
Devia estar nos seus últimos anos da adolescência, no máximo.
— Se importa se eu falar de forma mais informal?
— Claro, fique à vontade.
— Eu sou o único usando esse anexo inteiro? — perguntou Eugene, olhando ao redor do espaçoso edifício.
Estava perguntando só por confirmação. Eugene já sabia que não poderia ser bem assim. Para começar, Nina era jovem demais pra tomar conta de um anexo inteiro sozinha.
— Receio que não, mas sua estadia não deverá ter nenhum desconforto.
— Então quer dizer que vou dividir o lugar com outros parentes — concluiu Eugene.
— Sim.
— Sabe quando eles vão chegar?
— Todos devem chegar no máximo em quatro dias.
Eugene bufou com essa resposta. Isso só significava que ficaria preso ali por quatro dias.
— Tem um ginásio nos fundos?
— …Hã? Ah, sim…
— Preciso de permissão da casa principal pra treinar uns golpes com uma espada de madeira?
— Isso… hum…
— Porque é exatamente isso que eu vou fazer — declarou Eugene com um sorriso, indo direto em direção ao ginásio.
Com um olhar resignado, Nina o seguiu de perto.
— Quem era mesmo esse tal de Gerhard?
— Aquele cara que vive num canto da província de Gidol.
— E onde fica essa tal de província de Gidol?
— Na parte mais a oeste do império… ah, qual é a diferença? Não é como se a gente fosse algum dia para um fim de mundo desses.
Duas crianças riram com desprezo enquanto fofocavam sobre o novo integrante que havia chegado. Eram Cyan e Ciel, irmãos gêmeos fraternos, filhos da segunda esposa da casa principal.
Apesar de a mãe deles ser a segunda esposa, não era segredo que o Patriarca a favorecia muito mais do que a esposa legítima. Essa situação fazia com que os dois, mesmo com apenas treze anos, carregassem um orgulho tão inflado que andavam com o nariz apontado direto pro céu.
— O nome daquele bastardo é…? — Cyan deixou a frase no ar.
— Ouvi dizer que é Eugene, e que tem a mesma idade que a gente — respondeu Ciel.
— E daí? Não é como se fôssemos virar amigos só porque temos a mesma idade — declarou Cyan, rindo com arrogância.
Olhando na direção do anexo ao longe, continuou:
— Disseram que essa é a primeira vez dele na capital. Gordon comentou mais cedo que ele não conseguiu desgrudar os olhos da janela durante toda a viagem de carruagem. Bom, até que faz sentido. Vindo de um lugar esquecido como a província de Gidol… Será que tem algo pra ver por lá além de floresta e pasto? — perguntou à irmã.
— Como é que eu vou saber? Também nunca fui lá. Mas deve ser isso mesmo, né, já que é interior. Você ouviu se ele passou mal com o portal? — devolveu Ciel.
— Disseram que ele ficou com cara de enjoo.
— Então quer dizer que ele não chegou a vomitar. Poxa, que decepção. Se ele tivesse vomitado, eu ia mandar ele limpar a carruagem — disse Ciel com um sorriso travesso.
Diante da resposta brincalhona da irmã, que era alguns segundos mais nova que ele, Cyan estalou a língua e balançou o dedo pra ela.
— Idiota. Para mandar ele limpar a carruagem, nem precisa ter vomitado.
— Como assim? — Ciel franziu o cenho.
— Aquele caipira veio do campo, né? Então o corpo dele deve feder a esterco de vaca. Na minha opinião, ele deve ter passado mais tempo com um forcado na mão do que com uma espada de madeira — falou Cyan com escárnio.
— Aha! — Ciel exclamou, como se tivesse entendido tudo.
— E como ele ficou vários dias na carruagem, o cheiro de esterco que grudou nele também deve ter passado pra carruagem — completou Cyan.
— Eca, que nojo — disse Ciel, fazendo uma careta e mostrando a língua.
Mas o nojo dela estava só na expressão; seus olhos brilhavam de malícia.
— A carruagem que ele usou é propriedade da nossa família. Não importa o grau de parentesco, se ele sujou o veículo, deve se responsabilizar por isso, né? — disse Cyan.
— É claro que sim — concordou Ciel.
— E eu ouvi que assim que aquele caipira chegou ao anexo, foi direto pro ginásio treinar com uma espada de madeira — disse Cyan.
— Mas que exibido — Ciel caiu na risada.
Os gêmeos, nascidos no mesmo dia, sempre se deram muito bem.
— Bom, é a primeira vez dele na capital, e agora tá na sede da família. É por isso que tá querendo bancar o importante — zombou Cyan.
— Bancar o importante? Fala logo como é, irmão. Ele só quer se mostrar.
Ciel continuou rindo enquanto dava tapas no braço do irmão, se divertindo. Mas, em contraste, Cyan assumiu uma expressão séria e endireitou as costas.
— Falando desse parente idiota, parece que ele veio pra Cerimônia de Continuação da Linhagem cheio de expectativa. Dá pra ver que o pai não educou ele direito.
— Isso mesmo, isso mesmo — Ciel concordou, animada.
— Primeiro suja a carruagem com o cheiro, depois tenta se exibir pros adultos fingindo que tá treinando. Que atrevido.
— Acho que ele precisa ser punido — disse Ciel.
— Ei, punição já é exagero. Por que a gente não só relembra ele do que pode e do que não pode fazer? É pro bem dele. Assim evita ser repreendido pelos adultos mais tarde.
— Você é bonzinho demais, irmão. — Ciel concordou com um sorriso, mesmo sabendo bem as reais intenções dele. Os dois já tinham aprendido fazia tempo que esse tipo de provocação disfarçada era muito mais divertido do que bullying direto.
— Vamos lá! — gritou Cyan, liderando com entusiasmo.
Ciel o acompanhou saltitando, mas parou por um instante ao sentir um olhar vindo de longe. Os gêmeos treinavam mana desde pequenos e eram sensíveis até a esse tipo de presença.
Dentro da mansão grandiosa, um jovem estava de pé junto à janela do terceiro andar. Depois de trocar olhares com Ciel, ele se afastou e fechou as cortinas. Ciel sorriu timidamente ao ver aquilo e mostrou a língua, brincalhona.
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