Capítulo 53: Aroth (2/7)
— Isso é mesmo possível? — Cyan perguntou, incrédulo.
Ele estava tão envergonhado que sentia que seria melhor morrer. Havia iniciado sua mana sete anos antes de Eugene e treinava na Fórmula da Chama Branca quase desde então. Graças a isso, alcançara a Segunda Estrela da Fórmula três anos antes.
Mas, desde então, o progresso de Cyan estagnara na Segunda Estrela. As estrelas ao redor do coração pareciam prestes a se dividir, mas nunca se separavam de fato. Em vez disso… aquele maldito desgraçado, Eugene, que iniciara sua mana sete anos depois, já tinha alcançado a Terceira Estrela da Fórmula da Chama Branca.
— É claro que é possível — Eugene disse com um sorriso tranquilo ao dissipar a mana. — Porque eu sou um gênio.
Eugene achava que declarar algo assim com a própria boca era um pouco vergonhoso. Ou pelo menos, costumava achar. Mas agora, tinha que admitir que seria ridículo bancar o humilde à toa. Nascera com o corpo de um gênio e, além disso, tinha as memórias de sua vida passada.
Embora Hamel não fosse um gênio, Eugene definitivamente era.
— Vai se ferrar e morre logo — xingou Cyan.
Eugene o repreendeu:
— Irmãos não deveriam dizer esse tipo de coisa um para o outro.
— E você é a última pessoa que pode falar sobre o que irmãos devem ou não fazer. Toda manhã você me espanca tanto que parece que vou morrer.
— Não é você quem vive pedindo duelo todo dia de manhã? Se não quer mais apanhar, é só parar. Por mim, tanto faz.
Cyan rangia os dentes enquanto encarava Eugene com raiva. Desafiá-lo para duelos matinais era sua forma de lidar com a frustração daquela rivalidade.
Sinceramente, Eugene até apreciava essa mudança na atitude de Cyan. No começo, achava que ele era só um pirralho idiota, mas talvez por tê-lo aceitado após a adoção, Cyan havia demonstrado muita melhora nesse lado tolo.
— …Mas por que, de todas as coisas, magia? — Cyan voltou ao assunto principal.
— Porque eu nunca estudei magia — Eugene explicou.
— E por isso você quer aprender magia? Não me faz rir… E como exatamente pretende aprender? Vai chamar um professor da capital?
— Preciso ver isso com o Patriarca.
— Você tá falando sério? Não, pera… por que diabos você quer aprender magia do nada?
Cyan simplesmente não conseguia entender Eugene. Com tanto talento nas artes marciais, por que se meter com magia em vez de se concentrar no que já fazia bem?
Cyan tentou convencê-lo:
— Você não já tá velho demais pra aprender magia?
— Dezessete ainda é bem jovem — Eugene negou.
— Isso é um absurdo. Esqueceu o que aconteceu com o Eward? — Cyan retrucou com um resmungo, sacudindo a calça para tirar a poeira. — Ele foi aprender magia com quinze anos, dois a menos que você, e agora é tratado como um idiota em Aroth.
Eugene lançou um olhar furioso para Cyan e rosnou:
— Desgraçado, como se atreve a falar assim do seu irmão mais velho?
— Eu falei alguma mentira? — Cyan se defendeu, ignorando o olhar de Eugene. — …Em vez de bancar o sabichão e ir pra Aroth aprender magia à toa, é melhor ficar aqui no domínio principal, onde é confortável. …Se você realmente disser que quer estudar magia, o pai pode até chorar lágrimas de sangue.
E isso realmente era uma possibilidade.
Quatro anos atrás, Eward Lionheart, o filho mais velho da família principal, acompanhara Lovellian, o Mestre da Torre Vermelha, até Aroth assim que a Cerimônia de Continuação da Linhagem terminou.
…Mas no fim, não conseguiu se tornar discípulo de Lovellian. Parecia que seu potencial não era ruim, já que o permitiram permanecer em Aroth, mas ele não alcançou o sucesso que seus pais esperavam. Agora, quatro anos depois, Eward ainda continuava em Aroth.
Pelo que Eugene ouvira por aí, ele atualmente estudava magia com um mago afiliado à Torre Vermelha, mas… não parecia estar fazendo muito progresso. Por causa disso, não foi só a autoridade de Lovellian como Mestre da Torre que sofreu, mas também o prestígio da família principal ficou manchado.
Embora o Patriarca só tivesse feito o melhor para o filho mais velho, usando seus contatos para colocá-lo na Torre Vermelha, para os outros parecia que ele estava apenas se livrando de um herdeiro medíocre ao exilá-lo para a Torre.
— Mesmo que o Patriarca chore lágrimas de sangue, a senhora Ancilla provavelmente vai me apoiar — comentou Eugene.
— …Consigo imaginar a mamãe fazendo isso — Cyan murmurou, lançando um olhar desnecessariamente cauteloso em direção à mansão da família principal. — M-mas não é que minha mãe não goste de você.
— Mas às vezes, quando nos cruzamos, ela lança um olhar bem feroz.
— Isso é porque ela já viu como você me espanca como um cachorro — respondeu Cyan.
— Mesmo se viu, o que posso fazer? Como vou parar de te bater se você continua pedindo por isso?
— Filho da puta.
Foi o próprio Cyan quem insistira para que Eugene levasse os duelos a sério. Isso porque Cyan achava que suas habilidades não cresceriam se Eugene continuasse pegando leve com ele, mas… já fazia tempo que Cyan se arrependia amargamente de ter dito algo assim.
Eugene não mostrava a menor misericórdia nos duelos. Se enxergasse uma brecha, ele a explorava na mesma hora e continuava atacando impiedosamente. E enquanto fazia isso, Eugene ainda apontava todos os defeitos de Cyan, um por um. Ainda assim, como suas críticas eram sempre bem explicadas e fáceis de entender, Cyan acabava ouvindo em silêncio, mesmo quando sentia que o coração ia parar de tanta raiva.
Eventualmente, Cyan perguntou:
— …Você vai mesmo pra Aroth?
— Se for pra aprender alguma coisa, que seja direito — foi tudo o que Eugene disse como explicação.
E se quisesse aprender magia de verdade, o melhor lugar para isso era Aroth.
“E também tem algo que quero investigar”, pensou Eugene.
Ele queria ver como havia sido a vida de Sienna em Aroth depois da jornada que fizeram. Esse desejo já o consumia fazia muito tempo. E não era só Sienna… também queria saber sobre Anise e Molon. Queria entender como seus antigos companheiros haviam vivido depois que retornaram do Reino Demoníaco trezentos anos atrás e, no fim… queria descobrir a verdade do que realmente acontecera naquela época.
“Mesmo aqui, no domínio principal, quase não há registros deles.”
A própria história do ancestral fundador, Vermouth, também era deixada muito vaga. Apesar de ter procurado aqui e ali durante esses quatro anos, havia pouquíssimas pistas sobre o que o herói e seus companheiros fizeram depois de voltarem do Reino Demoníaco.
“E também tem esse colar…”
Eugene encarou o colar pendurado em seu pescoço. Ele o usava desde que o retirou do cofre de tesouros, quatro anos atrás. Nem mesmo o Mestre da Torre Vermelha, que examinou pessoalmente as memórias deixadas na mana do colar, conseguiu identificar qualquer traço que o ligasse a Hamel.
Isso significava que alguém havia inserido uma camada falsa e indetectável nas memórias do colar.
Pelo que Eugene imaginava, só Sienna ou Vermouth teriam capacidade para fazer algo assim. Mas por que fariam isso? Ele não conseguia imaginar os motivos.
No entanto… se tivesse que apostar, diria que aquilo parecia mais com uma pegadinha de Sienna do que de Vermouth. O Vermouth que Eugene conheceu não era o tipo de pessoa que faria esse tipo de coisa.
— …Se você for mesmo pra Aroth… — Cyan tossiu antes de continuar, com uma expressão hesitante: — …a Ciel vai ficar triste.
— Sério? — Eugene riu, achando aquilo absurdo. — Estamos falando da mesma Ciel? Aquela que faz cara de nojo toda vez que me vê?
— Isso não é o que ela sente de verdade — disse Cyan, embora nem ele mesmo parecesse acreditar nas próprias palavras.
Ciel Lionheart, aquela pirralha esperta, parecia ter entrado na puberdade no começo daquele ano. Já não grudava em Eugene como antes, nem sequer puxava assunto com ele. Talvez por estar passando por uma puberdade bem intensa, raramente saía do quarto. Embora não descuidasse dos treinos, já não treinava mais com Eugene e Cyan como costumava fazer.
‘Eu odeio cheiro de suor’, foi o motivo que ela deu.
Por causa disso, Gion e Gilead passaram a ficar bastante ocupados. De manhã, cuidavam da Ciel e passavam metade do dia ensinando-a, enquanto a outra metade era dedicada a Cyan e Eugene.
— …De qualquer forma, se você for pra Aroth, a Ciel vai ficar triste — insistiu Cyan.
— E você acha mesmo que vou mudar de ideia só porque a Ciel vai ficar triste? — Eugene retrucou.
— Seu desalmado — Cyan rosnou, com os punhos tremendo de raiva diante da indiferença de Eugene. — Você ao menos pensou em como o Sr. Gerhard vai se sentir?
— Meu pai vai ficar perfeitamente bem sem mim.
Até Cyan teve que concordar com isso. Gerhard, que no começo se sentia deslocado vivendo no domínio principal, já estava completamente adaptado à vida ali. Hoje em dia, saía para caçar com os chefes das famílias colaterais e, às vezes, passava noites inteiras bebendo cerveja com Gion e Gilead. Até Ancilla se dava bem com Gerhard.
Claro, Eugene sabia exatamente o motivo disso. Ancilla não queria demonstrar muita hostilidade em relação a Eugene. Embora ainda fosse bastante cautelosa, sabia que era melhor manterem uma aparência de cordialidade do que se mostrarem abertamente hostis.
No entanto, Tanis, mãe de Eward e primeira esposa oficial, deixava sua desconfiança bem clara. Desde que Eward falhou em se tornar discípulo de Lovellian, a personalidade sensível de Tanis só havia piorado.
“Vou ter que tomar cuidado com a Tanis”, Eugene lembrou a si mesmo.
Se ela descobrisse que Eugene iria para Aroth, certamente se tornaria ainda mais sensível à ameaça que ele representava para a sucessão de seu filho. E esse não era um problema que Eugene pudesse resolver apenas sendo mais atencioso. Era algo que teria de deixar secretamente nas mãos do Patriarca, Gilead.
— …Aonde você vai? — perguntou Cyan, ao notar que Eugene começava a se afastar.
— Falar com o Patriarca — respondeu Eugene por cima do ombro.
— Vai falar com ele agora?
— Preciso da permissão dele o quanto antes — foi a resposta final de Eugene, antes de sair do ginásio.
Cyan ficou olhando para as costas de Eugene, absorto, e soltou um longo suspiro.
— …Mas que merda é essa história de querer aprender magia? — murmurou Cyan, começando a seguir atrás dele.
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