Índice de Capítulo

    “…Eu não vim aqui para ficar encarando um retrato”, Eugene lembrou a si mesmo.

    E também não tinha vindo para se emocionar. Não, Eugene estava ali para ver se Sienna havia deixado alguma pista para trás. De acordo com seus cálculos, ele acreditava firmemente que fora Sienna quem colocara seu colar no cofre do tesouro.

    “…Lovellian disse que a memória que leu era de cem anos atrás”, recordou.

    Se esse for o caso, isso não significaria que Sienna ainda estava viva cem anos atrás?

    “Não, não dá pra afirmar com certeza. Pode ter sido uma memória completamente fabricada… Ou talvez… quem deixou o colar lá tenha sido o próprio Vermouth.”

    Seus pensamentos giravam em círculos. Eugene respirou fundo e passou a mão no colar. Se não fosse por aquilo ter chamado sua atenção, não estaria tão cheio de pensamentos complicados.

    “Não pode ser só um tipo de presente-surpresa pra mim, então qual era a intenção por trás disso? Por que deixaram o colar lá?”

    Reprimindo sua agitação interna, Eugene se afastou do retrato e seguiu em frente. Embora houvesse muito o que ver naquela mansão espaçosa, o que mais se destacava era o porão, que havia sido completamente transformado no estudo pessoal de Sienna.

    Eugene lançou um olhar às estantes lotadas de textos mágicos. Cópias dos textos originais haviam sido feitas duzentos anos atrás e armazenadas ali. Embora feitiços poderosos de preservação tivessem sido lançados sobre aqueles livros, ainda assim era proibido tocá-los.

    “Ela com certeza deixou alguma coisa para trás…”

    Sua reencarnação não podia ser uma coincidência.

    Suas suspeitas vagas haviam se confirmado ao encontrar aquele colar de sua vida passada. O colar não havia sido registrado pela magia do cofre do tesouro, e até mesmo uma memória falsa havia sido projetada sobre ele.

    “Quais as chances de o colar estar lá por acaso, e eu simplesmente tropeçar nele quando entrei?”

    Tudo aquilo parecia impossível. Já era extremamente improvável que tivesse reencarnado com suas memórias intactas, e ainda por cima reencontrar por acaso um objeto de sua vida passada?

    “Tem algo acontecendo. Alguém influenciou minha reencarnação. Foi você, Vermouth? Ou foi você, Sienna? Talvez até Anise, mas não tem como ter sido aquele idiota do Molon.”

    Se alguém planejou que ele reencarnasse daquela forma, com certeza também teria feito outros preparativos.

    Sua alma não havia mudado em nada, apesar da reencarnação. Tempest havia reconhecido de imediato que Eugene era Hamel com apenas um olhar. E se a magia que explorava esse fato tivesse sido lançada no colar enquanto ele estava no cofre? Nesse caso, faria sentido o colar ter permanecido oculto por séculos, só reaparecendo em resposta à ‘alma’ de Hamel?

    Se quem planejou tudo isso foi Sienna…

    “Então ela também devia ter deixado outras pistas. Mas onde…?”

    Claro que essa conclusão estava cheia de lacunas. A mais óbvia era: por que usar um método tão rebuscado? Não seria melhor simplesmente ter explicado tudo logo que ele pegou o colar? Mas se estavam usando um método tão complicado, devia haver uma boa razão para isso.

    Mas qual, exatamente, seria essa razão?

    — Eu não faço a menor ideia do caralho… — Eugene praguejou, após perambular pelo estudo de Sienna por um bom tempo.

    Ele havia percorrido todo o labirinto de estantes, examinando os títulos nas prateleiras lotadas. No entanto, não encontrou nada.

    Então saiu do estudo e subiu as escadas. Deu uma olhada no quarto de Sienna e em diversos outros cômodos. Mas nada chamou sua atenção.

    “Eu realmente não faço ideia.”

    Coçando os cabelos em frustração, Eugene encarou o retrato.

    “Acho que vou ter que fazer tudo do meu jeito, então. Se havia algo que você queria que eu fizesse, devia ter ao menos encontrado uma forma de me contar direito. Se você não me diz nada, como diabos espera que eu saiba o que é pra fazer?”

    Era frustrante tentar colaborar com um plano desconhecido. Se realmente havia algo em andamento, então, desde que ela não tivesse morrido, com certeza se encontrariam de novo algum dia. Eugene olhou ao redor rapidamente para ver se os guardas estavam prestando atenção. Ao confirmar que não estavam, Eugene levantou os dedos do meio para o retrato de Sienna.

    — Se isso te irritar, pode vir direto pra cima de mim.

    Afinal de contas, quem tinha reencarnado era ele, não Sienna.

    — …Desde que você ainda esteja viva, é claro.

    Eugene soltou um longo suspiro e se virou.

    O sol já estava se pondo, e o céu escurecia. Ele havia ficado tão focado em sua busca que nem tinha percebido quanto tempo havia passado.

    — Fiz você esperar muito? — Eugene perguntou, culpado.

    — Tudo bem — respondeu o guia.

    Mesmo que Eugene tivesse dito que sairia em uma ou duas horas, o guia, que havia ficado esperando do lado de fora por mais do que o dobro desse tempo, forçou um sorriso.

    — Parece que aproveitou bastante o passeio — comentou o guia.

    — Bem… acabei ficando um bom tempo pensando em várias coisas. E o fato da mansão ser tão espaçosa também não ajudou — Eugene tentou se justificar.

    O guia mudou de assunto:

    — Você viu o retrato da Dama Sienna, certo?

    — Sim, era uma pintura realmente linda.

    — Aquela beleza estonteante combinada com habilidades mágicas sem precedentes, capazes de envergonhar até mesmo um Rei Demônio… Dama Sienna podia verdadeiramente ser chamada de deusa da magia.

    Eugene se sentiu desconfortável.

    — Bom, chamá-la de deusa já é um pouco demais…

    E também não achava que suas habilidades fossem realmente fortes o bastante para envergonhar um Rei Demônio.

    — Onde o senhor gostaria de ir agora? — perguntou o guia. — Este é um ponto turístico bem popular, então há muitos restaurantes excelentes por perto.

    Eugene puxou a carteira casualmente. Os olhos do guia brilharam ao ver isso.

    — Aqui está uma gorjeta — Eugene disse, entregando um dinheiro.

    — Muito obrigado! — o guia exclamou, empolgado.

    — Eu tô tranquilo sem restaurante. Vamos direto para a Torre Vermelha da Magia. Quando chegarmos lá, seu trabalho de hoje termina.

    — Ah…

    Com essas palavras de Eugene, a expressão do guia enrijeceu levemente.

    — Certo, senhor, por aqui, por favor.

    Engolindo sua inveja, o guia manteve a postura profissional. Diferente daquele filho mais velho tolo, pelo menos esse filho adotivo lhe dera mais dinheiro do que ganharia em meses de trabalho como guia.

    “…E pelo menos mostrou que tem talento de verdade”, o guia tentou se convencer.

    Ao contrário do filho mais velho, cuja única virtude era ter nascido na linha direta, Eugene havia sido reconhecido por suas habilidades e adotado pela família principal mesmo tendo nascido em um ramo colateral. O guia foi à frente, usando esses pensamentos para acalmar seu abatimento.

    — Posso te perguntar uma coisa? — Eugene perguntou de repente.

    — Claro, contanto que seja algo que eu possa responder — o guia respondeu com confiança.

    — É sobre Eward Lionheart. — Enquanto seguiam de carruagem aérea rumo à Torre Vermelha da Magia, Eugene mencionou o nome casualmente. — Ele é meu irmão mais velho, mas você já ouviu falar dele?

    — …Entre a geração mais jovem de magos do Pentágono, são poucos os que não conhecem esse nome — respondeu o guia, lançando um olhar nervoso para Eugene.

    Percebendo sua expressão, Eugene sorriu gentilmente e disse:

    — Não precisa ficar nervoso. Só mencionei porque estamos indo à Torre Vermelha, e devemos a eles por terem cuidado dele.

    — …Ah… sim.

    — Meu irmão mais velho não está hospedado lá desde que chegou há quatro anos? Não sei se você conhece a situação da nossa família, mas eu não fazia parte da família principal originalmente — fui adotado. Justamente quando eu estava sendo adotado, Eward deixou a propriedade principal e foi para Aroth.

    — Isso… Sim, estou ciente. É uma história bastante conhecida.

    Será que era mesmo tão conhecida assim? Eugene tinha vivido na propriedade principal nos últimos anos, então não sabia que tipo de rumores corriam do lado de fora.

    Eugene continuou:

    — Por conta disso, nunca consegui encontrar meu irmão mais velho, Eward, nem uma vez desde que fui adotado na família. Então gostaria de saber… por acaso você ouviu algum rumor sobre ele?

    — Ahhh… hum… — o guia hesitou.

    — Só estou pedindo que me diga qualquer boato que tenha ouvido sobre ele — Eugene insistiu, estreitando os olhos.

    O pomo-de-adão do guia subiu e desceu enquanto ele sentia a pressão sutil que vinha de Eugene.

    — Os rumores que consegui reunir sobre meu irmão não são muito sólidos — Eugene admitiu. — Mas dá pra perceber que não falam coisas boas. Então, não acha que preciso entender melhor meu irmão, só pra não cometer um erro quando o encontrar?

    — Isso… bom… — o guia ainda relutava.

    — Claro que não vou me ofender com suas palavras, nem punir você por difamação. Não revelarei a fonte da informação para a família principal, muito menos para meu irmão. Posso jurar isso em nome da minha família.

    Já que Eugene havia ido tão longe a ponto de fazer um juramento, o guia não teve escolha a não ser assentir. O olhar de Eugene era penetrante demais para ele fingir que não sabia de nada. Tinham dito que Eugene tinha apenas dezessete anos, mas como seu olhar podia ser tão intimidador? Se ele olhasse assim para qualquer mercenário experiente, até mesmo esses homens endurecidos poderiam sair correndo com o rabo entre as pernas.

    O guia finalmente começou a falar:

    — …Bom… Eu também não sei muita coisa sobre ele, mas…

    — Pode falar livremente — incentivou Eugene.

    — Sobre o Senhor Eward… ouvi dizer que ele… que ele sai da Torre da Magia todas as noites para se entregar a certas formas de entretenimento.

    — Entretenimento?

    Quantos anos Eward tinha mesmo?

    “Ele é dois anos mais velho que eu, certo?”

    Com dezenove, ele estava em uma idade em que a vitalidade juvenil podia mesmo mantê-lo acordado até tarde.

    — Por entretenimento, quer dizer que ele se entrega à bebida e às mulheres? Se for esse tipo de coisa, não é algo até comum pra idade dele? — Eugene perguntou, cético.

    O guia hesitou.

    — Hm, não. Não é esse tipo de entretenimento. Isso é só um boato, mas…

    — Se estão espalhando rumores, deve haver um motivo. Para de enrolar e fala logo. Do que se trata?

    — …Su…

    — O quê?

    — Eu disse, é uma… súcubo — o guia finalmente revelou, corando de vergonha.

    — Aquele desgraçado maluco — Eugene rosnou, as sobrancelhas se erguendo em surpresa.

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