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    Até a Cerimônia de Continuação da Linhagem, as crianças dos ramos colaterais não podiam empunhar armas afiadas.

    Eugene não tinha o menor respeito por uma tradição tão ridícula, mas seu pai, Gerhard, jamais ousaria ignorar uma regra da família Lionheart. Havia olhos demais na mansão para que algo passasse despercebido pela casa principal.

    “Tá leve demais.”

    Eugene franziu o cenho ao olhar para a espada de madeira. Desde os sete anos, treinava com uma espada de madeira com núcleo de ferro, e aos doze, passou a praticar seus golpes com uma barra de ferro que mal lembrava uma espada de madeira. Podia até ter uma fina camada de madeira por fora, mas a ‘espada de madeira’ que Eugene usava há mais de um ano era pesada o bastante para esmagar ossos com um único golpe.

    Mas ainda não era uma arma afiada, então estava dentro das regras. Mesmo com a adição de mais ferro para aumentar o peso, e mesmo já tendo um tamanho que poucos conseguiriam levantar, ainda era só uma espada de madeira.

    Para controlar o próprio corpo com perfeição, Eugene treinava todos os dias, sem desperdiçar nem um só.

    Tinha recebido uma segunda chance por meio da reencarnação, e precisava tirar o máximo disso. Mas, curiosamente, esse nem era o verdadeiro motivo de tanto esforço.

    Eugene sempre foi assim desde o início. Mesmo quando viajava com Vermouth e os outros, nunca deixava passar uma chance de treinar, a não ser que fosse inevitável.

    “E ainda assim, aquele desgraçado teve a audácia de dizer que eu não me esforçava o suficiente.”

    Vermouth, aquele miserável. Eugene rangia os dentes ao lembrar do olhar apagado daquele sujeito.

    Agora, Eugene percebia que estava forçando o próprio corpo muito mais do que fazia na vida passada. Cada vez que se empurrava até o limite, sentia como se estivesse quebrando barreiras que antes achava intransponíveis.

    Ainda não podia afirmar se o corpo com que havia nascido, como descendente de Vermouth, era superior ao do próprio Vermouth. Mas era evidente que esse corpo era infinitamente superior ao do ‘Estúpido Hamel’. E ele ainda nem havia começado a treinar com mana. Então, com apenas treze anos e um corpo que ainda não tinha nem se desenvolvido por completo, fazia algum sentido conseguir manejar um pedaço de ferro tão pesado assim?

    — Não tem nenhuma espada de madeira mais pesada que essa? Seria bom se fosse maior também — perguntou Eugene.

    Parecia que já tinha balançado aquilo centenas de vezes, mas mal tinha começado a suar. Eugene fez uma careta e virou a cabeça na direção de Nina.

    — E eu mandei você ficar na sombra ali, não mandei? Por que tá aqui no sol?

    — Est- estou bem — respondeu Nina.

    — Como se estivesse bem suando desse jeito. Para de teimar e vai se sentar na sombra. Não, espera. Antes disso, tem mais espadas de madeira?

    Mesmo suando em bicas, Nina mantinha uma expressão confusa. O garoto diante dela tinha treze anos e era de um ramo colateral, mas, como serva aprendiz da casa principal, não podia simplesmente ignorá-lo. Mesmo que fosse algo temporário, ela havia sido designada como atendente pessoal, então não era possível simplesmente ir descansar na sombra enquanto o mestre treinava.

    — As espadas de madeira… o depósito do ginásio deve ter todas as que estão disponíveis. Qualquer outra provavelmente está no ginásio principal…

    — Consegue trazer algumas pra cá?

    — Isso… eu… receio que não posso decidir isso sozinha. Se quiser, posso ir perguntar, mas…

    — Nesse caso, deixa pra lá. Não precisa ir.

    Eugene balançou a cabeça sem hesitar. Ela tinha comentado mais cedo que tinha só dezesseis anos. Havia acabado de conseguir o certificado de aprendiz, então ele não queria colocar a garota numa situação difícil com exigências absurdas.

    “Isso aqui tá na cara demais.”

    Eugene conteve um sorriso ao pousar a espada de madeira. Por que deram a ele uma criada recém-formada como aprendiz? Era óbvio. Se descarregasse frustração nela, caso cometesse algum erro ou demonstrasse desrespeito, ele é que acabaria punido.

    “Seja lá quem pensou nisso, é um belo desgraçado.”

    Se continuasse balançando aquela espada, nem conseguiria se aquecer direito. Movendo os braços com naturalidade, Eugene foi em direção ao depósito. Nina imediatamente tentou acompanhá-lo.

    — Mestre Eugene, se precisar de algo, por favor, me diga. Deixe que eu providencio.

    — Se fosse qualquer outra coisa, até pediria. Mas se é pra treinar, tenho que escolher eu mesmo. Qual o sentido de mandar você buscar algo que pode não servir? Vamos desperdiçar tempo com você indo e voltando até encontrar o certo? Se eu for direto, resolvo na hora.

    Dava pra ver que o depósito estava há tempos sem uso, com tudo coberto de poeira. Nina sentiu um suor frio escorrer pelas costas ao ver a poeira subindo com o vento. Na verdade, já queria ter limpado aquele lugar fazia dias, mas a empregada responsável pelo anexo a tinha repreendido, dizendo que não era necessário, então ficou como estava.

    — M-Me perdoe — disse Nina.

    — Pelo quê? — Eugene nem deu atenção ao pedido de desculpas enquanto ela baixava a cabeça atrás dele. Caminhou pela poeira até encontrar o que procurava: sacos de areia para prender no corpo. Também achou algo útil numa das prateleiras.

    Era um colete de malha de ferro, mal conservado e coberto de poeira. Embora fosse muito maior que seu torso, Eugene gostou do peso que sentiu ao vesti-lo. Depois disso, puxou uma lança maior do que ele mesmo.

    — …Hm… Tem algo em que eu possa ajudar? — perguntou Nina, hesitante.

    — Pisa aqui — respondeu Eugene, apontando para a lança que havia colocado no chão.

    Seguindo a ordem, Nina pisou na lança para impedir que ela rolasse enquanto Eugene amarrava os sacos de areia.

    Ela assistia com os olhos arregalados. Eugene estava com um colete de malha vários números acima do seu e sacos de areia pendurados nos dois braços. E ainda estava pendurando mais sacos na lança.

    “Não é possível.”

    Só a lança já devia pesar o dobro de Eugene. Mesmo assim, ele fez um gesto satisfeito e a dispensou:

    — Pode sair daí agora.

    — S-Sim.

    Eugene flexionou os joelhos e ergueu a lança com as duas mãos. Embora tenha rangido os dentes por um instante diante do peso absurdo, sentiu uma alegria imensa ao perceber os músculos se tensionando e os ossos vibrando com o esforço.

    — Fica mais longe… Não, mais ainda… Vai até a sombra! — ordenou.

    — S-Sim! — assustada, Nina recuou.

    Depois de verificar que Nina não estava no caminho, Eugene girou a lança num arco largo.

    Whoosh!

    A lança era mais pesada que ele, mas como Eugene havia carregado ainda mais peso no corpo, ela não o arrastava. Esse era o segundo propósito do colete e dos sacos: impedir que o centro de gravidade fosse deslocado.

    Com passos pesados, Eugene continuou balançando a lança com força. A cada giro, parecia que os braços seriam arrancados, e a cintura, que controlava o movimento, gritava de dor. Nina tapou a boca com um leve arquejo. Achava que aquele exercício poderia provocar um desastre irreversível num corpo tão jovem.

    Mas mesmo parecendo à beira de cair, Eugene se mantinha de pé. Quando seu corpo ameaçava ceder, ele girava a lança ainda mais rápido. Em seguida, forçava o próprio corpo a conter o impulso e emendava num golpe de estocada.

    Pop!

    Sentiu os calos das mãos rasgarem. Que dor maravilhosa! Estava grato por não estar usando luvas, senão, não teria sentido essa dor.

    Eugene continuava a girar a lança, rindo de pura alegria. Compensava o sangue escorrendo das mãos com uma pegada ainda mais firme. Os olhos estavam vermelhos e inchados, e a respiração pesada pelo esforço excessivo.

    — Ei.

    Nina, observando tudo em silêncio, se assustou com uma voz ao lado.

    — Que merda aquele bastardo tá fazendo?

    Eram Cyan e Ciel. Os gêmeos endiabrados que já tinham feito muitas criadas chorarem nos travesseiros. Haviam se aproximado sorrateiramente, e os olhos brilhavam de curiosidade.

    — S-Senhor, senhorita, o que os traz aqui…?

    — Eu perguntei o que aquele bastardo tá fazendo — repetiu Cyan, a testa franzida.

    Ficou irritado por aquela criada sem nome não ter respondido de imediato. Em outra situação, teria descontado nela até que jamais ousasse cometer o mesmo erro. Mas agora, a curiosidade sobre o que o ‘caipira’ estava fazendo era maior.

    — Não dá pra saber só de olhar?

    A resposta não veio de Nina. Respirando fundo, Eugene parou e pousou a lança no chão.

    — Sabe o que é isso? — perguntou, chutando a lança.

    O que aquele bastardo estava pensando? Cyan não respondeu de imediato, apenas estreitou os olhos. Ciel, ao lado dele, sorriu e respondeu primeiro.

    — Idiota, é uma lança. Não sabe nem isso?

    — Isso mesmo, é uma lança — disse Eugene.

    — E daí? — perguntou Ciel.

    — Já que sabe que é uma lança, sabe o que significa balançar uma?

    — Claro que sei!

    — Então por que estavam perguntando pra ela o que eu tô fazendo?

    — Eu não perguntei nada. Foi meu irmão quem perguntou.

    — Então por que você não explica pra esse seu irmão idiota? Fala pra ele: ‘Aquele bastardo tá balançando uma lança’.

    Os olhos de Ciel se arregalaram ao ouvir o insulto.

    Cyan, por outro lado, estreitou ainda mais os olhos.

    — Idiota? Eu?

    — Se você olha direto pra algo e ainda não entende o que tá vendo, esperto você não é.

    — Irmão, o caipira tá te chamando de burro.

    Ciel deu uma risadinha e cutucou Cyan na lateral. Em vez de ficar irritada como o irmão, ela instintivamente percebia que instigar a raiva dele deixaria a situação muito mais divertida.

    Esse empurrãozinho da irmã, mesmo que só alguns segundos mais nova, foi o suficiente pra fazer Cyan gritar:

    — Como você se atreve!

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