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    Assim que voltou para a Torre Vermelha da Magia, Eugene recebeu uma convocação de Lovellian. Como já pretendia perguntar sobre Eward, isso acabou sendo perfeito para ele.

    “Agora que pensei nisso, essa vai ser a primeira vez que visito a sala do Mestre da Torre.”

    Como era de se esperar de sua posição, Lovellian ocupava todo o último andar da torre. Sem um convite do Mestre da Torre, não importava quanta mana você despejasse no elevador, seria impossível chegar ao topo.

    “Provavelmente sei por que ele me chamou”, pensou Eugene.

    Deveria ser por causa do feitiço que ele conjurou na frente da Hera. Naquele momento, ela quase desmaiou de espanto ao ver o golem, do qual tanto se orgulhava, cair de costas.

    Embora não tanto quanto ela, Eugene também havia ficado surpreso. Mesmo nunca tendo ouvido falar de um metal como carbium em sua vida anterior, ele sabia que havia derrubado um golem feito de um material extremamente resistente com o primeiro feitiço que conjurou.

    Isso significava que o poder do feitiço foi maior do que Eugene esperava. Para falar a verdade, ele não tinha grandes expectativas, já que era sua primeira tentativa, mas com um poder daqueles, parecia que seus feitiços já estavam prontos para serem usados em combate real. Se conseguisse se acostumar mais com a magia e aumentar o número de feitiços que podia lançar, Eugene sentia que conseguiria fazer muitas coisas interessantes.

    “Mas ele não me chamaria aqui só pra me elogiar”, continuou Eugene em seu raciocínio.

    Parecia que ele estava prestes a receber algum tipo de presente. Eugene confiava no próprio instinto, e esse pressentimento o fez abrir um largo sorriso.

    Eugene saiu do elevador e deu alguns passos pelo corredor. Pela porta escancarada no fim do corredor, pôde ver Lovellian se levantando da mesa. O homem o recebeu com um sorriso amigável.

    — Teve alguma dificuldade para chegar aqui? — perguntou Lovellian com cortesia.

    — Se soubesse que estava me procurando, nem teria saído. Me desculpe — respondeu Eugene, retribuindo a formalidade.

    — Não precisa dizer isso. Afinal, fui eu quem te chamou de forma repentina. Primeiro, por favor, sinta-se à vontade para se sentar.

    Agora não era só um pressentimento, Eugene tinha certeza de que estava certo. A voz de Lovellian transbordava gratidão.

    “Melhor perguntar sobre o Eward depois de receber seja lá o que for esse presente”, decidiu Eugene.

    Embora não fosse sua intenção, Lovellian poderia se sentir interrogado com perguntas desse tipo. Mesmo sendo um membro da família principal dos Lionheart, ainda seria desrespeitoso que Eugene, muito mais jovem, começasse a questionar o homem assim.

    “…Quantos anos ele tem mesmo?” Eugene tentou se lembrar. “Acho que ouvi dizer que está perto dos cem…”

    Mesmo somando os anos de sua vida anterior com os da atual, Eugene ainda era mais novo que Lovellian. Pensar dessa forma lhe causava uma sensação estranha. De todas as pessoas que havia conhecido até agora, Lovellian era o único que era verdadeiramente mais velho que ele.

    — Hm… Posso perguntar por que fui convocado? — Eugene decidiu se ater a essa pergunta por ora.

    Achava que não havia necessidade de relatar como estava se adaptando à vida na torre. Afinal, tudo que acontecia ali já era reportado a Lovellian de qualquer forma.

    — Primeiro, dê uma olhada nisto — com um gesto dos dedos, Lovellian fez uma carta de recomendação sair da gaveta e flutuar até Eugene.

    — …Uma carta de recomendação? — os olhos de Eugene se arregalaram ao ver a carta.

    “É pra Akron? Não pode ser”, Eugene tentou conter o espanto.

    Até ele conhecia aquele nome. A prestigiada Biblioteca Real já era famosa trezentos anos atrás. Era o lugar onde se armazenava a essência da magia que Aroth tanto se orgulhava. Não importava quão vasto fosse o acervo das Torres de Magia, em qualidade, nenhuma se comparava à coleção de Akron.

    — …Acho que é uma honra grande demais pra mim nesse momento — embora Eugene estivesse querendo pular de alegria, decidiu se segurar e observar a situação.

    E essas palavras não eram totalmente fingidas. Mesmo trezentos anos atrás, Akron já tinha um status elevado — não era um lugar onde qualquer um podia entrar.

    — Não compartilho desse seu pensamento. — Lovellian balançou a cabeça e continuou: — Na verdade, acredito que este é exatamente o momento certo para você entrar em Akron, Eugene.

    — E por que o senhor acha isso? — perguntou Eugene.

    — Porque você ainda não mergulhou fundo no aprendizado da magia, jovem Eugene — explicou Lovellian.

    — Isso não é motivo pra tornar minha entrada em Akron ainda mais fora de alcance?

    — De forma alguma. Justamente por ainda não ter se aprofundado, você tem diante de si inúmeras possibilidades. Substituir um Círculo por um Núcleo, embora soe simples quando colocado em palavras, ainda assim deveria ser impossível para alguém da sua idade. No entanto, você, Eugene, conseguiu fazer isso.

    Eugene estava em dúvida sobre que tipo de expressão deveria mostrar. Deveria sorrir e demonstrar confiança? Ou seria melhor ser humilde?

    — …Muito obrigado — disse Eugene, decidindo, no fim, fazer as duas coisas.

    Ele abaixou a cabeça com respeito, mas deixou transparecer sua empolgação pelos dedos inquietos e fez questão de esconder um sorriso orgulhoso.

    — Há muitos livros mágicos excepcionais em Akron. Embora talvez não consiga tirar proveito deles imediatamente, enquanto continuar lendo e armazenando esse conteúdo em sua mente, será capaz de ampliar sua base de conhecimento. E esse conhecimento um dia será o alicerce para que sua magia brilhe de verdade, Eugene — aconselhou Lovellian.

    Chamar a coleção de livros mágicos de Akron de ‘excepcional’ era até pouco. Nos salões de Akron, estavam armazenadas magias antigas herdadas da era mítica, junto com os escritos dos sábios cujos nomes haviam sido exaltados ao longo da longa história de Aroth.

    — …Tem algo que eu gostaria de saber. — Após hesitar um pouco, Eugene continuou: — Existem livros da Dama Sienna em Akron?

    — Claro que existem — confirmou Lovellian com um sorriso orgulhoso. — Embora também existam livros escritos por Sienna na Torre Vermelha e na Torre Verde da Magia, um dos três volumes originais de ‘Feitiçaria’, que Sienna escreveu nos seus últimos anos, está guardado em Akron.

    ‘Feitiçaria’ era considerada uma das séries de livros mais importantes de toda a história de Aroth. A sábia Sienna havia reunido todo o seu conhecimento mágico e dividido a essência de sua sabedoria nesses três volumes. Por isso, ‘Feitiçaria’ era considerada um tesouro nacional de Aroth, e nenhuma outra cópia era permitida.

    — Embora apenas o primeiro volume da trilogia esteja disponível para consulta pública, só esse volume já transmite um conhecimento que você não encontrará em nenhum outro texto mágico. No meu caso… haha. Quando li o primeiro volume de Feitiçaria pela primeira vez, percebi que toda a magia que aprendi na vida até aquele momento não passava de brincadeira de criança — Lovellian refletiu sobre os livros.

    — …Ah…! — Eugene soltou um suspiro surpreso.

    — Embora eu não possa garantir que essa carta de recomendação será aceita como passe de entrada em Akron, antes de enviá-la, queria ouvir sua opinião, Eugene. Está tudo bem para você se eu apresentar essa carta em seu nome?

    — Claro, por mim está ótimo. Mas… ainda me preocupo que minhas próprias limitações acabem causando problemas para o Mestre da Torre.

    “Claro que tá tudo bem, seu desgraçado. Por que pergunta algo tão óbvio?” Eugene continuou curvando a cabeça profundamente, sem deixar escapar seus pensamentos verdadeiros.

    — ‘Causar problemas’, é? …Haha! Não se preocupe com isso. Algo assim não vai me trazer problema algum — respondeu Lovellian com um sorriso meio resignado.

    Havia certa emoção não identificada na voz dele, como se estivesse segurando um suspiro. Eugene ergueu levemente a cabeça para observar sua expressão.

    — …Mestre Lovellian — chamou Eugene, hesitante.

    — Sim, o que é? — Lovellian respondeu.

    — É que… hum… tem algo que preciso conversar com o senhor sobre meu irmão mais velho, Eward.

    Eugene já havia verificado a carta de recomendação e recebido a promessa de Lovellian de que ela seria enviada. Nesse ponto, não parecia que Lovellian voltaria atrás só por se sentir um pouco ofendido. Um homem sentado na cadeira de Mestre da Torre não seria tão mesquinho.

    — Desde o primeiro dia em que cheguei a Aroth… acabei ouvindo certas histórias. Dizem que Eward não tem se dedicado à prática da magia e, em vez disso, anda frequentando uma rua duvidosa durante a noite. — continuou Eugene.

    — Ah… — Lovellian soltou um suspiro.

    Como esperado, Lovellian já estava ciente das más condutas de Eward.

    — Embora eu não seja um irmão de sangue do Eward, como parente que compartilha o mesmo sobrenome, fico preocupado com ele. Mesmo lá na propriedade principal… o Patriarca e sua esposa também estão extremamente preocupados com Eward — argumentou Eugene.

    — Isso é… não sei bem como colocar em palavras — Lovellian não conseguiu continuar falando de imediato e coçou a cabeça com frustração. — Eugene. O quanto você sabe sobre a situação do Eward?

    — …Ouvi dizer que ele se envolveu com súcubos que trabalham na Rua Bolero.

    — Para começo de conversa, isso é verdade — admitiu Lovellian com um suspiro curto. — Eu também já sabia disso, e inclusive o adverti algumas vezes. Mas não consegui impedir o Eward de se entregar a essa devassidão.

    — … — Eugene aguardou por uma explicação.

    — As súcubos… são uma raça famosa de Demônios da Noite. No passado, antes da abertura de Helmuth, muita gente morreu ao ter toda sua força vital drenada por elas.

    Eugene já conhecia muito bem esses fatos.

    — No entanto, com a abertura de Helmuth, a postura dos Reis Demônios e de seus súditos demoníacos mudou bastante. O mesmo vale para as súcubos. Embora ainda absorvam força vital, elas não matam mais como antes. Isso foi proibido expressamente pela Rainha dos Demônios da Noite, que reside em Helmuth.

    — Isso ainda não torna apropriado o comportamento lascivo do meu irmão — argumentou Eugene.

    — Sim, você está certo, claro — Lovellian interrompeu por um momento. Fitou Eugene com uma expressão amarga antes de continuar: — Mas, por favor, tente ter um pouco de empatia pelo Eward.

    Surpreso, Eugene reagiu:

    — …Hã?

    Lovellian relembrou:

    — Quatro anos atrás, Eward saiu da propriedade principal para vir a Aroth. Ele chegou aqui com grandes expectativas, mas… infelizmente, seu talento não correspondeu às próprias esperanças.

    — … — Eugene escutava em silêncio.

    — Eward enfrentou muitos fracassos. Samuel e eu… ah, Samuel é o mago que o ensinou. Enfim, nós dois fizemos o possível para ajudá-lo a superar as frustrações, mas… infelizmente, não deu muito certo.

    Mesmo sem ter talento suficiente, permitiram que Eward permanecesse na torre. Além disso, não pouparam conselhos sobre magia, e ele ainda recebeu orientação direta deles, além de indicações para diversos textos mágicos úteis.

    — Disciplina é algo que precisa ser cultivado por conta própria. Contar com os incentivos dos outros não basta para manter o foco no que se deve fazer. E, com o status que tem, Eward acabou oprimido por uma série de expectativas.

    — … — Eugene continuava em silêncio.

    — ‘Não seria melhor dar algum tempo para ele respirar um pouco…?’ Foi o que pensamos na época. Estávamos tentando ter cuidado para não sobrecarregá-lo. Sem esse cuidado, Eward talvez já tivesse desmoronado.

    Não era como se Eugene não entendesse o que Lovellian dizia. Ele também morou na propriedade principal nos últimos quatro anos. Sabia o quanto Tanis era tensa e também como Ancilla podia ser ardilosa.

    Cyan e Ciel nasceram com talento e ambição. Ambos desejavam se tornar o próximo Patriarca ou Matriarca, buscando corresponder às expectativas ao redor e satisfazer os próprios desejos.

    Mas e Eward? Eugene ouvira que ele nunca teve muita iniciativa desde pequeno e se interessava mais por magia do que por treinamento marcial. Desde o nascimento de Cyan e Ciel, Tanis vinha lembrando constantemente o filho da posição de primogênito. Após ter suas esperanças em Aroth frustradas, Eward provavelmente decidiu não voltar para a propriedade principal porque, ainda assim, viver em Aroth parecia melhor do que retornar àquele ambiente sufocante.

    Mesmo assim, Eugene não conseguia aceitar as atitudes de Eward. “Não importa o motivo, se envolver com uma súcubo é demais.”

    Embora entendesse que a situação de Eward fosse lamentável, envolver-se com uma súcubo era ir longe demais. Os demonídeos que mudaram de postura e passaram a sorrir ainda eram demonídeos. Nunca poderiam coexistir pacificamente com humanos. Eugene, ou melhor, Hamel, sabia disso melhor do que ninguém.

    — Entendo — disse Eugene, assentindo. “Por ora, preciso ver isso com meus próprios olhos.”

    Apesar de compreender que a situação de Eward era triste, Eugene ainda assim não conseguia fechar os olhos para os métodos que ele escolheu para aliviar sua tensão.

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