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    Era apenas uma lança de treino, um bastão de madeira que nem sequer tinha uma ponta verdadeira. No entanto, sua extremidade ainda tinha sido afiada, então, se fosse usada corretamente… Mesmo sem perfurar a carne, com certeza doeria pra caramba.

    E se fosse cravada direto em um abdômen desprotegido?

    — Uwaagh!

    Era isso que acontecia. Enquanto rolava pelo chão, Cyan vomitou por todos os lados. Ciel, atônita, soltou um grito e correu até ele, enquanto Nina apenas cobria a boca em choque.

    — Eu venci — disse Eugene num tom entediado, baixando a lança.

    Se fosse uma lança de verdade, Cyan teria morrido com aquele golpe. Claro, não era uma arma real; mas mesmo assim, como Cyan foi atingido em um ponto vital e saiu rolando pelo chão, a vitória de Eugene era evidente.

    — Nina, vá chamar alguém pra arrastar esse idiota daqui.

    — S-Sim…!

    Mesmo com lágrimas e ranho escorrendo pelo rosto, Cyan não conseguia parar de vomitar. Ciel havia se aproximado preocupada, mas ao ver o estado repulsivo do irmão, não conseguiu se aproximar. Em vez disso, virou-se e levantou a cabeça para encarar Eugene.

    — Covarde! — acusou Ciel.

    — Quem é covarde? A partir do momento em que o lenço foi jogado, o duelo já havia começado — disse Eugene.

    — Isso… Está certo, mas…! Ainda assim, foi um ato covarde.

    — Será que tudo parece um campo florido de paz e beleza quando passa por essa cabeça sua? Se o duelo já tinha começado, não há nada de covarde no que eu fiz. E seu irmão idiota acabou assim porque ficou parado tentando parecer legal depois de jogar o lenço.

    Ciel ficou sem palavras diante da resposta afiada. Parte disso era por não saber o que dizer, mas também porque estava confusa com as palavras de Eugene e pensou que ele poderia tê-la comparado a um campo florido de paz e beleza.

    — …Você acabou de me chamar de bonita? — perguntou Ciel.

    — Será que o sol fritou o cérebro dela? — murmurou Eugene para si mesmo.

    — De qualquer forma, foi obviamente um golpe covarde. Você não lutou de forma honrada nesse duelo — disse Ciel, recuperando a indignação.

    — Hah, deve ser coisa de gêmeos, mas vocês realmente se parecem nesse talento incrível pra distorcer a lógica a favor próprio — debochou Eugene.

    — Eu não me pareço com meu irmão.

    — Jura? Porque eu acho que os cérebros são bem parecidos. Então me diz: como seria um duelo honrado pra você? Jogar o lenço, contar até três e aí sim a gente começa?

    Um…

    Mordendo o lábio inferior, Ciel lançou um olhar a Cyan enquanto tentava pensar numa resposta. Tendo conseguido se cobrir com o próprio vômito ao rolar pelo chão, Cyan continuava ocupado chorando. Embora sentisse pena da aparência lastimável do irmão, coisa suja ainda era suja, então ela se recusava a se aproximar.

    — …Você podia ter pegado mais leve — murmurou Ciel.

    — Desculpa, mas esse já foi o mais leve que eu consigo dar — respondeu Eugene.

    — Você realmente não treinou sua mana? — perguntou Ciel de repente, com os olhos brilhando.

    Eugene, que tinha começado a juntar os sacos de areia espalhados pelo chão, olhou de volta para ela com uma expressão irritada.

    — Por que você ainda não foi embora?

    — Eu perguntei se você realmente não treinou sua mana.

    — E eu já disse que não!

    — Mentiroso. Como você conseguiria se mover com todo aquele peso se não tivesse treinado mana? E tem também o seu ataque. Mesmo que meu irmão estivesse desprevenido, foi tão rápido que ele nem conseguiu reagir direito — disse ela, com os olhos antes brilhantes agora se estreitando em suspeita.

    Com essas palavras, Eugene congelou por um momento no meio da tarefa de recolher os sacos.

    — Você conseguiu ver?

    — Só um pouquinho.

    — Ainda assim, parece que seus olhos não são só enfeite.

    — Você tem uma boca horrível.

    — Já ouvi isso antes muitas vezes.

    Todo mundo, menos Vermouth, já tinha dito algo parecido pra ele em algum momento.

    Enquanto Eugene empilhava os sacos num canto, Ciel observava distraída as costas dele. Embora não conseguisse ver claramente os movimentos dos músculos por baixo das roupas, parecia mesmo que ele não estava usando mana, apenas força física.

    Por isso, Ciel achava cada vez mais difícil compreendê-lo. Tanto ela quanto Cyan também vinham treinando fisicamente desde pequenos.

    “Mas ele não disse que só treina desde os sete?” Ciel pensava, relembrando o que Eugene dissera antes.

    Enquanto isso, Eugene pensava: “Ele é bem forte pra um garoto de treze anos.”

    Sentiu alguma resistência na ponta da lança no momento do impacto. Isso era prova de que o corpo de Cyan tinha sido treinado num nível impressionante pra alguém da idade dele. Além disso, pelo modo como Cyan foi lançado pra trás, sua mana já estava treinada o suficiente pra reagir instintivamente numa situação de crise, redirecionando parte da força do golpe.

    Cyan não tinha simplesmente ficado parado e recebido o golpe. No instante em que o ataque o atingiu, ele instintivamente tentou saltar para trás. Isso significava que ele, um garoto sem nenhuma experiência real em combate, reagira por puro instinto diante do perigo iminente.

    “Ótimo pra um moleque, mas como descendente de Vermouth, continua sendo um lixo”, Eugene criticou duramente.

    Claro, Eugene não sabia o quão forte Vermouth era aos treze anos. Hamel e Vermouth já estavam na casa dos vinte quando se conheceram. Ainda assim, ele conseguia ter uma noção.

    Cyan Lionheart, um pirralho que havia recebido os ensinamentos da casa principal desde a infância, era tão fraco em tantos aspectos que era difícil acreditar que realmente era descendente de Vermouth.

    “Mesmo assim, tem algum potencial.”

    Isso devia ser por causa do padrão estabelecido pelo sangue de Vermouth. Se olhasse para o que poderia se tornar no futuro, Cyan até mostrava um certo potencial. E Ciel também. Embora não tivessem se enfrentado diretamente, ela parecia ter olhos bem atentos.

    — Você… Você ousa… comigo…! — Cyan finalmente tinha se recuperado o suficiente para falar.

    Respirando com dificuldade, ergueu a cabeça e olhou para Eugene. Seus olhos ainda giravam, e cada movimento doía como se o abdômen tivesse sido perfurado. E havia também um gosto metálico e podre em sua boca.

    — Que… covardia…! — arfou Cyan.

    — Deve ser coisa de gêmeos mesmo, vocês dois vivem repetindo as mesmas coisas — Eugene zombou, olhando de cima. — Não quero me repetir. Pergunte à sua irmã o que eu disse quando ela tentou me acusar da mesma coisa.

    — Seu… filho da…

    — Ou então tente se lembrar. Você pode até ter se sujado inteiro rolando no vômito, mas seus ouvidos ainda deviam estar funcionando, né?

    Cyan não conseguiu rebater. Eugene estava certo. Mesmo no meio da dor intensa e à beira de desmaiar de enjoo, ele ouvira aquelas palavras.

    Porém, mesmo tendo que admitir que não havia nada de covarde no que Eugene fez, o Cyan de treze anos se recusava completamente a aceitar a derrota. Diante da irmã e de todos os empregados, ter sido reduzido a aquele estado deplorável!

    — Bom, agora é você quem vai ter que limpar isso tudo — disse Eugene, provocando ainda mais ao ver o rosto de Cyan se contorcendo de humilhação. — Foi você quem vomitou pra todo lado. Se prometer limpar essa sujeira, eu também limpo a carruagem. Aí fica tudo justo, certo?

    — Você ousa… Você ousa…!

    — E além disso, como perdeu o duelo, o mais honrado e educado seria reconhecer a derrota e dizer humildemente: ‘Eu perdi’. Você não tava falando de honra isso e honra aquilo até agora… Vai mesmo fazer algo tão vergonhoso quanto recusar admitir a derrota?

    Ugh…!

    Não conseguia responder. Não tinha como expressar sua raiva, o corpo todo doía, e havia um gosto horrível na boca, tudo tinha dado errado para Cyan. Se a dor fosse um pouco menor, ele poderia se levantar e pedir outra luta, mas naquele momento, estava fisicamente incapaz disso.

    A raiva e tristeza acumuladas explodiram em forma de lágrimas. Fungando sem parar, Cyan enterrou o rosto nos braços. Naturalmente, Eugene não sentiu pena nenhuma daquela cena. Afinal, quem tinha se aproximado dele com aquele comportamento ridículo desde o começo era o próprio pirralho.

    No entanto… começava a pensar que talvez mexer com aquele moleque de treze anos não tivesse sido a melhor ideia.

    “Eu devia ter me segurado. Será que isso vai virar alguma besteira desnecessária?”

    Eugene começava a se preocupar com as consequências daquilo. Desde o início, havia sido provocado abertamente, mas agora que havia humilhado o filho da casa principal daquela forma… Na verdade, o que mais o preocupava era que alguém pudesse usar esse incidente como desculpa pra se voltar contra seu pai lá no interior.

    “Deixa eles tentar pra ver…”

    Enquanto pensava em várias possibilidades, Cyan lutava desesperadamente para conter as lágrimas. Não queria parecer ainda mais patético… mas também não queria admitir a derrota. Estava completamente tomado por uma teimosia infantil.

    — Jovem mestre!

    O grito veio de longe, mas quem o soltou logo encurtou a distância. O homem que entrou no ginásio era alto e usava um uniforme. Mais atrás, Nina podia ser vista correndo, ofegante, segurando a saia com as duas mãos.

    — O que… o que está acontecendo aqui?

    Pelo fato de não ter o brasão dos Lionheart no peito e de chamar Cyan de ‘jovem mestre’, tudo indicava que o homem era um cavaleiro a serviço da casa principal.

    “Uau”, pensou Eugene, com os olhos brilhando enquanto observava os movimentos do homem.

    Eugene não sabia a idade dele, mas parecia muito mais habilidoso que Gordon, o cavaleiro que o escoltara até ali.

    — H-Hazard — Cyan caiu no choro ao pronunciar o nome do homem.

    — E-eu perdi. Desafiei aquele desgraçado… pra um duelo… mas perdi… — explicou aos soluços.

    — Um duelo…

    Hazard olhou para Eugene com uma expressão tensa. Depois, abaixou o corpo e pegou Cyan nos braços, sujando as mãos e o uniforme com o vômito dele. Ciel pareceu enojada com a cena e deu alguns passos para trás.

    — …Perdoe-me pela apresentação tardia. Meu nome é Hazard, e sou o responsável pelo treinamento do jovem mestre Cyan.

    Ajustando Cyan numa posição mais segura, Hazard fez um leve aceno com a cabeça.

    — Ouvi parte da história pela criada, mas estava com tanta pressa que não escutei até o fim. Então… o que exatamente aconteceu aqui?

    — Sou Eugene Lionheart, da província de Gidol — apresentou-se Eugene, sem inclinar a cabeça.

    — Gidol, é… Acredito que ali fica a propriedade do Lorde Gerhard.

    — Sim, ele é meu pai. Quanto a essa situação, bem… foi Cyan quem arranjou confusão comigo. Eu tentei não discutir, mas… — Eugene continuou falando enquanto encarava diretamente o rosto de Cyan. — Cyan insultou meu pai.

    — Quando foi que eu fiz isso?! — protestou Cyan.

    Eugene explicou com calma:

    — Ele disse que meu pai falhou em me ensinar o que é honra e me chamou de covarde, bem na minha cara.

    Ao ouvir isso, o rosto de Cyan ficou vermelho.

    — E também disse que meu corpo fede a esterco de vaca — acrescentou Eugene.

    — …É verdade. Seu corpo realmente fede a esterco de vaca…!

    — E sua boca fede a vômito, então por que não cala a boca de uma vez?

    Eugene estreitou os olhos e lançou um olhar afiado para Cyan, que estremeceu instintivamente diante daquele olhar feroz. O local onde havia sido atingido, o plexo solar, ainda latejava de dor.

    — …Então foi por isso que vocês duelaram? — perguntou Hazard.

    — Cyan não insultou só a mim; insultou meu pai também. Senhor Hazard, havia alguma razão para eu não aceitar o duelo? — Eugene devolveu a pergunta.

    Hazard sentiu uma estranheza imediata diante daquilo. Diante dele estava um garoto da mesma idade de Cyan e Ciel, mas Eugene falava sem deixar as emoções transparecerem, com um tom totalmente calmo. Tendo aguentado anos de reclamações dos gêmeos, Hazard não sabia dizer se o anormal era o menino à sua frente ou se eram os próprios gêmeos.

    — …Você tinha um bom motivo, mas… parece que pegou um pouco pesado demais — advertiu Hazard.

    — Mostrar misericórdia num duelo não é um insulto ao adversário? — defendeu-se Eugene.

    — …

    — Senhor Hazard, se minha técnica fosse desleixada, eu aceitaria seus conselhos com gratidão. Mas não estou interessado em ouvir lições sobre como pegar mais leve com meus inimigos.

    — …Peço desculpas pela minha presunção — Hazard curvou a cabeça mais uma vez.

    Cyan, que ainda estava sendo carregado por Hazard, gritou com o rosto retorcido numa careta:

    — Hazard! Esse desgraçado treinou a mana dele. Mesmo sendo um descendente colateral! Ele treinou sem sequer passar pela Cerimônia de Continuação da Linhagem!

    — Eu não te disse pra calar a boca? — Eugene o encarou com a cabeça inclinada num ângulo perigoso.

    Mais uma vez, Cyan se calou e abaixou o olhar.

    — …Jovem mestre — Hazard suspirou fundo e balançou a cabeça. — O Mestre Eugene não treinou sua mana.

    — Hazard! Até você tá mentindo pra mim?!

    — Que motivo eu teria pra mentir pro Mestre Cyan…?

    — Mas isso não faz sentido…! Como ele poderia me vencer sem ter treinado mana?! E… e aqueles! Aqueles sacos de areia! Ele se moveu com tudo aquilo pendurado no corpo…

    — Não sinto nenhuma presença de mana vinda do Mestre Eugene — disse Hazard, lançando um olhar aos sacos de areia empilhados atrás.

    Só de olhar, já pareciam definitivamente pesados. E ainda assim Eugene conseguia se mover com tudo aquilo preso ao corpo? Hazard achava difícil imaginar essa cena.

    Mas, por mais que o examinasse, Eugene não emitia o menor traço de mana.

    — Mentira… Só pode ser mentira — murmurou Cyan.

    — Mestre Cyan. Por hora… vamos verificar seus ferimentos — disse Hazard num tom apaziguador, lançando um olhar para Eugene.

    — Acertei o plexo solar dele com uma lança — explicou Eugene.

    — …E mais onde?

    — Foi só um único golpe.

    Um único golpe…? Hazard deixou escapar um murmúrio baixo enquanto Cyan mordia os lábios de vergonha.

    — …Sendo assim… Mestre Eugene, espero que possamos nos encontrar novamente.

    Sem dizer mais nada, Hazard curvou-se com cortesia. Nina, que ainda tentava alcançar o grupo, chegou ao ginásio exatamente nesse momento. Ela hesitou, sem saber o que fazer, e por fim apenas baixou a cabeça.

    — M-Me desculpe… — gaguejou Nina.

    — Você não tem nada pelo que se desculpar — respondeu Eugene, observando Hazard partir.

    Havia um sorriso em seu rosto enquanto observava Cyan, ainda sendo carregado, desabar nos ombros de Hazard. Embora ainda sentisse certa incerteza sobre o que tinha feito, fora divertido ajudar a corrigir os maus hábitos daquele pirralho mimado.

    — Até mais — disse Ciel, que vinha pulando atrás de Hazard, virando-se para olhar para Eugene com um sorriso.

    — Tchauzinho — respondeu Eugene com um aceno.

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