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    — Mesmo tendo vindo até aqui, parece que acabarei partindo sem conseguir conversar direito com você — desculpou-se Gilead, depois de ter ido pessoalmente ao quarto de Eugene nas primeiras horas da manhã.

    Antecipando esse desfecho, Eugene já havia acordado cedo e esperava a chegada de Gilead.

    — Está tudo bem — respondeu Eugene. — Afinal, nem faz tanto tempo assim desde que saí.

    Gilead discordou:

    — Já se passaram dois meses, então pode-se dizer que faz bastante tempo.

    Gilead parecia cansado. Talvez fosse apenas por causa de seu estado de espírito, mas parecia ter envelhecido alguns anos desde a última vez que Eugene o vira.

    Com hesitação, Gilead revelou:

    — …Eward vai… foi decidido que ele acompanhará Tanis até a propriedade da família dela.

    — Então ele não vai retornar à propriedade principal? — confirmou Eugene.

    — Ele voltará por um breve período, mas partirá logo em seguida para a casa dos parentes por parte de mãe. É… compreensível o motivo dela fazer isso. Se ele permanecer na propriedade principal, será difícil para ele em muitos sentidos — murmurou Gilead enquanto olhava pela janela. — E, claro, não tenho a menor intenção de culpá-lo por nada, já que você não fez nada de errado.

    — Acho que posso ser considerado culpado por ter espancado meu irmão mais velho — confessou Eugene.

    — Se tudo o que você fez foi bater nele, então ele saiu no lucro — embora Gilead dissesse isso como se fosse uma piada, seu tom não parecia tão bem-humorado quanto o esperado. — …A família de Tanis reside no Feudo Bossar, do Império de Kiehl. O governante desse feudo, o Conde Bossar, é meu sogro. Já que é um lugar calmo e pacífico… será um bom lugar para que Tanis e Eward se recuperem.

    — Está preocupado que eles guardem rancor? — Eugene perguntou.

    — No fim das contas, ainda sou humano, então é claro que estou — admitiu Gilead com uma risada amarga. — Quando trouxe Ancilla para a família principal pelo bem do clã, já estava preparado para suportar muito ressentimento por isso. Não… não me arrependo de ter feito isso. O nome Lionheart é pesado demais para ser carregado por uma única criança. Embora eu não quisesse que meus filhos se tornassem inimigos, acreditava que uma certa rivalidade fraternal era necessária.

    Eugene permaneceu em silêncio.

    — É por isso que não me arrependo — continuou Gilead. — Embora Eward seja meu filho mais velho… suas habilidades estavam se mostrando insuficientes para um futuro Patriarca. Por isso ele precisava de irmãos. Precisava ser estimulado por uma rivalidade competitiva que o impulsionasse a superar suas fraquezas e se tornar alguém digno de suceder como Patriarca… Mas, no fim das contas, parece que falhei… tanto como Patriarca quanto como pai.

    — Senhor Patriarca, o senhor é um bom homem — disse Eugene, estalando a língua com simpatia.

    Gilead não era alguém que merecia se culpar dessa forma. Ao menos do ponto de vista de Eugene, Gilead era um grande Patriarca.

    — Obrigado por dizer isso — Gilead pousou a mão no ombro de Eugene com um sorriso melancólico. — Vim ao seu quarto tão cedo porque estava preocupado que você pudesse estar se sentindo culpado por causa desse incidente.

    — Não me sinto culpado, nem um pouco — negou Eugene.

    — É assim que deve ser. Porque você fez a coisa certa. Quanto a Eward e Tanis… não se preocupe com eles. Também não precisa se preocupar com Gerhard enquanto ele estiver na propriedade principal.

    — Sim, senhor.

    Eugene se sentiu grato por aquelas palavras. Embora não tivesse motivos para temer o ressentimento de Tanis, ainda sentia certa preocupação de que ela usasse o escândalo como desculpa para oprimir Gerhard. Mas agora que Gilead lhe dera essa garantia, não havia mais motivo para preocupação.

    “Por outro lado, Ancilla deve estar transbordando de alegria agora, então é bom que cuide bem do meu pai.”

    Isso era inegável, já que Ancilla conseguira se livrar dos dois maiores obstáculos, Tanis e Eward, sem precisar mover um dedo. Embora não fosse possível saber por quanto tempo os dois permaneceriam na casa dos parentes maternos, durante esse período, Ancilla certamente consolidaria sua posição como Senhora da propriedade principal.

    — Ouvi de Lovellian o quanto você tem se saído bem — disse Gilead, com a expressão suavizada ao encarar Eugene. — Acontece que você possui um talento incrível não só para as artes marciais, mas também para a magia. E não negligenciou seus treinos nem por um único dia desde que chegou a Aroth. Estou realmente muito orgulhoso da sua dedicação.

    — É só porque estou empolgado em aprender algo novo — Eugene tentou minimizar os próprios feitos.

    — E isso é ótimo — “Se ao menos você não fosse adotado”, Gilead engoliu essas palavras antes que escapassem de sua boca, em vez disso, disse: — …Cyan e Ciel sentem muito sua falta.

    Eugene aceitou a mudança de assunto:

    — Eles ainda estão se esforçando?

    — Estão se esforçando tanto que chega a ser exagerado. Cyan treina comigo e com Gion dizendo que vai ficar mais forte que você, e Ciel também sai regularmente do quarto para treinar com Cyan.

    — Mesmo ela, que não saía do quarto quando eu estava lá porque dizia que odiava o cheiro de suor?

    — Bem, ela está em uma idade sensível, não está? Mesmo que sempre sorrisse para mim e mostrasse o lado fofo quando era pequena… Falar disso me faz sentir que o tempo passou rápido demais.

    Gilead sorriu ao se lembrar da jovem Ciel. Embora entendesse que Ciel apenas estava crescendo, ainda sentia falta das demonstrações de fofura da filha.

    — Hm, Patriarca… tem mais uma coisa — Eugene começou a falar, com certa relutância. — É sobre como eu andei precisando gastar bastante dinheiro ultimamente.

    — Bastante dinheiro? — Gilead repetiu, curioso.

    Embora ainda não soubesse com certeza se Gargith havia conseguido arrematar os testículos de gigante, isso podia acabar vindo à tona como uma surpresa mais tarde, então Eugene decidiu mencionar com antecedência. Tossindo, começou a explicar sobre Gargith e suas bolas de gigante.

    — Está dizendo que ele comprou os testículos de um gigante? — os olhos de Gilead se arregalaram, surpresos.

    Assim como Eugene, ele não conseguia entender como alguém podia querer comprar as bolas de um gigante por um preço tão alto.

    “Será que isso é mesmo tão bom para o corpo?” Gilead pensou, incrédulo.

    Bom, mesmo que realmente fosse benéfico para o corpo, ele não gostaria de comer algo assim. Já que os gigantes são tão enormes, os testículos deles deviam ser incrivelmente grandes, como alguém comeria aquilo sem enlouquecer?

    — Parece que sim — Eugene confirmou.

    Ainda um tanto perturbado, Gilead falou com hesitação:

    — …Não há… nenhum problema quanto a isso. Se ele realmente precisa disso, então… hã… além disso, tenho um conhecido na família do Visconde Stellord…

    O Visconde Stellord era o pai de Gargith.

    Ao se lembrar daquele parente musculoso e cheio de veias saltadas, Gilead assentiu e disse:

    — …Não se preocupe com gastar dinheiro. Não importa o quão caro seja, se precisar de algo, sinta-se à vontade para comprar. Só… por favor, não compre nada relacionado à magia negra.

    — Está tudo bem se eu tiver algo como aquilo? — Eugene perguntou, apontando para uma mesa no canto do quarto.

    Sobre a mesa estava o coração de unicórnio que ele havia trazido do covil de drogas.

    — O Mestre Lovellian já o examinou — garantiu Eugene. — Embora fosse destinado a ser usado como sacrifício, não chegaram a oferecê-lo de fato, então o Mestre disse que não há nenhum traço de magia negra nele.

    — Se for esse o caso, não tenho problema com isso — respondeu Gilead.

    — É mesmo certo eu ficar com isso?

    — Você conquistou em batalha, então não vejo por que não poderia.

    — Mas quem realmente o comprou foi o Eward…

    — Não se preocupe com isso. Já que você passou por tantos problemas por causa do Eward, não deveria ao menos ficar com algo assim como compensação? — dizendo isso, Gilead se levantou e continuou: — E claro, tirando isso, se houver qualquer outra coisa que precise, compre sem se preocupar com o preço. Não precisa da minha permissão toda vez.

    — Muito obrigado — respondeu Eugene com gratidão.

    Embora tivesse recebido essa garantia, Eugene não tinha nada que realmente quisesse comprar. Se perambulasse pelas casas de leilão da Rua Bolero, talvez encontrasse vários itens raros, mas, tirando o valor em si, não seriam tão úteis.

    Claro, massas de mana como o coração de unicórnio ou pedras de mana ajudavam bastante a aumentar os níveis de mana. No entanto, não era necessariamente bom fazer uso excessivo delas apenas por isso. Em vez de aumentar forçadamente a capacidade de mana, era melhor expandir a quantidade de mana gradualmente.

    “Mas talvez eu ficasse tentado se fosse um Coração de Dragão.”

    Por mais útil que fosse o coração de um monstro, no fim das contas, ainda era um coração de monstro. Havia muitas impurezas e, ao ser absorvido, diminuía a pureza da mana. O mesmo servia para as pedras de mana. A mana obtida por esse método não se ajustava tão bem ao corpo, e muito se perdia no processo de refinamento.

    Mas o coração de um dragão era diferente. Um puro aglomerado de mana que, se absorvido corretamente, poderia fazer o núcleo crescer sem nenhuma perda. Só que o problema era sua raridade extrema. Não era uma questão de ser possível ou não caçar um dragão, o problema é que era estritamente proibido.

    Em sua vida passada, ele e seus companheiros haviam tido a sorte de absorver um Coração de Dragão. Enquanto exploravam Helmuth, encontraram um dragão agonizante… e, atendendo ao último desejo da criatura, o grupo pegou o coração e o dividiu entre si.

    — Acho que preciso ir agora — disse Gilead, olhando para o céu da alvorada. — Não precisa me acompanhar até a saída. Além disso, receio que Tanis não vá ter nada de agradável a dizer se te encontrar.

    Eugene assentiu e disse:

    — Por favor, mande lembranças ao meu pai, ao Cyan e à Ciel. Ah, e à Ancilla também.

    — Está bem — respondeu Gilead com um sorriso.

    “Continue se esforçando a partir de agora.”

    Gilead não sentiu necessidade de dizer algo assim. Mesmo que não dissesse nada, tinha certeza de que Eugene continuaria dando o seu melhor. Além disso, não queria impor nenhuma palavra desnecessária.

    “Embora eu nem ache que ele se sentiria pressionado com algo assim”, pensou Gilead.

    Mas Eward não havia sido capaz de suportar a pressão imposta ao seu redor. Isso tornara Gilead mais cauteloso do que antes. Após olhar Eugene mais uma vez com carinho, deixou o quarto.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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