Capítulo 9: Ciel (1/4)
— …Então… — Ancilla fez uma pausa enquanto tentava acalmar sua agitação.
No entanto, toda vez que via o filho, com os olhos inchados de tanto chorar, ela quase perdia o controle das emoções. Ancilla bateu no próprio peito para sufocar a frustração e pegou um leque para esfriar o rosto.
— …Meu filho, Cyan, desafiou um descendente colateral para um duelo… e perdeu?
— Sim — respondeu Hazard.
Hazard manteve a cabeça abaixada. Não queria aumentar o número de reprimendas que receberia dessa tigresa mal-humorada levantando a cabeça à toa.
— E você disse que aquele garoto nem treinou a mana?
— Sim…
— Isso não faz o menor sentido — declarou Ancilla, sua reação inconscientemente espelhando a de Cyan.
Ela olhou para o filho, incrédula. Cyan apenas ficou ali, fungando com os olhos baixos.
— Venha aqui.
— …Mãe…
— Eu disse pra vir aqui! — Ancilla gritou, incapaz de conter-se por mais tempo.
Os ombros de Cyan tremeram, junto com o resto do corpo. Ainda assim, mesmo a passos hesitantes, ele se aproximou até ficar diante de Ancilla.
Respirando fundo, Ancilla lançou a mão com firmeza.
— Ugh! — gritou Cyan.
A mão dela pressionava firmemente seu plexo solar, mesmo com a dor anterior ainda pulsando… Hazard lançou um olhar pesaroso para Cyan antes de baixar a cabeça mais uma vez.
— E foi com um único golpe? — Ancilla sibilou.
— M-Mãe, t-tá doendo…!
— Fique parado!
Quando tentou recuar um passo, o corpo de Cyan se enrijeceu na hora ao ouvir a ordem. Ancilla usou toda sua força e pressionou o plexo solar dele repetidamente, sem qualquer hesitação. A cada pressão, Cyan era forçado a cerrar os dentes para conter o grito.
Ciel assistia à cena com uma expressão carregada, sentada no fundo da sala. Estava quase explodindo de vontade de dizer algo, mas, mesmo tão jovem, Ciel sabia muito bem que não ganharia nada ao abrir a boca naquele momento.
— Hazard, está disposto a jurar que viu certo? — Ancilla se virou para Hazard.
— … — Hazard hesitou.
— Eu perguntei se está disposto a jurar — Ancilla repetiu. — Aquele pirralho, ele realmente não treinou a mana?
— Sim, estou disposto a jurar por isso — Hazard finalmente respondeu.
Sob nenhuma circunstância se deveria fazer um juramento levianamente. No entanto, se ficasse calado agora, algo terrível certamente aconteceria com ele. Hazard tinha certeza disso.
— O filho do Lorde Gerhard, o Mestre Eugene, não treinou sua mana. Nem mesmo um traço de mana pode ser sentido em seu corpo.
— É mesmo?
Ancilla vasculhou a memória em busca do nome Gerhard. Não conseguiu se lembrar de imediato, o que indicava que já o havia classificado como um nome indigno de lembrança. Isso significava que… ele era mesmo aquele do território de Gidol. Parecia se lembrar de que Gerhard era o nome de certo inseto que nem sequer possuía título oficial e estava enterrado no interior do país. Era de uma linha colateral que havia se separado da família principal há centenas de anos e, até agora, nenhum membro daquela casa jamais havia causado impacto algum.
— Meu filho… — Ancilla disse, erguendo a camisa de Cyan.
Cyan fechou os olhos enquanto o corpo estremecia de medo.
Ancilla continuou — …foi derrotado com um único golpe… por alguém que nem sequer treinou a mana.
A superfície de seu estômago estava marcada por hematomas em tons de preto e azul. Ancilla soltou um bufar ao ver aqueles machucados profundos. Ela também era descendente de uma família marcial. Seu pai, o Conde Caines, ocupava uma posição importante no exército do império.
— Sim, isso foi feito com um único golpe. Ciel, como foi que seu irmão perdeu? — Ancilla perguntou.
— M-Mãe. Isso… — Cyan tentou responder.
— Não estou perguntando a você — Ancilla lançou um olhar afiado ao filho. Seus olhos eram tão intimidantes que era difícil acreditar que ela olhava para o próprio filho de apenas treze anos.
— …No momento em que o duelo começou, Eugene estocou com a lança — disse Ciel com os lábios apertados. — Meu irmão se assustou e tentou recuar, mas a lança de Eugene era rápida demais para que ele conseguisse desviar.
— A distância entre os dois? — questionou Ancilla.
— Era um pouco grande.
— E o que seu irmão estava fazendo naquele momento?
— Estava tentando erguer a espada.
Tudo aquilo havia acontecido apenas uma hora atrás, não fazia tempo suficiente para que fosse difícil lembrar. A cada resposta de Ciel, o corpo de Cyan tremia de ansiedade.
— E… — Cyan ia tentar se defender.
Mas Ancilla, que já havia processado toda a história, cuspiu — Seu idiota!
Slap!
A cabeça de Cyan virou para o lado. Ele cerrou os dentes e conteve um gemido, já prevendo o que viria.
— Alguém que nem sequer treinou a mana! Um pirralho da sua idade…! Você deixou que ele acertasse o primeiro golpe?! Nem conseguiu desviar direito! Deixou que ele se aproximasse! E quando foi atingido, desabou no chão, vomitando pra todo lado?!
Ancilla pontuava cada grito agudo com um tapa no rosto de Cyan. A cada golpe, a cabeça dele era lançada para um lado. Os tapas não tinham a intenção de machucar, pois nenhum deles usava mana. No entanto, ainda assim, era um exagero aplicar tal punição corporal a uma criança tão jovem.
— Bem à vista de todos… onde qualquer um, até a ralé, podia ver claramente! Você ousou perder depois de ter sido quem pediu o duelo?! Quer ver sua mãe se enforcando de vergonha?!
— M-me desculpa… Me desculpa, mãe…
Ele conseguia abafar os gritos de dor, mas não conseguia conter os soluços. As lágrimas escorriam dos olhos de Cyan enquanto ele fungava. No entanto, Ancilla sentia raiva, não pena, ao ver as lágrimas do filho.
— Você acha que merece chorar? — Ancilla perguntou.
— Hic… — soluçou Cyan.
— Por que você fez uma coisa tão inútil, que só vai dificultar ainda mais a vida da sua mãe?! Seu pai deve voltar em breve para a Cerimônia de Continuação da Linhagem, mas não sei nem se vou conseguir olhar nos olhos dele…! E aquela vadia da Tanis, como vou encarar ela depois disso?!
Para fins de treinamento, Gilead Lionheart, o patriarca da linhagem principal dos Lionheart, estava ausente da mansão havia três anos.
Nessas circunstâncias, o poder da chefia normalmente deveria estar nas mãos de Tanis, a primeira esposa oficial. No entanto, durante a atual ausência do chefe da família, a autoridade não havia caído nas mãos da primeira esposa, mas sim de Ancilla.
O motivo era simples. Após dar à luz seu filho Eward, o corpo de Tanis tornara-se estéril, incapaz de ter mais filhos. Gilead, que queria se preparar bem para a continuação de sua linhagem, não ficou satisfeito com apenas um filho.
Por isso, ele tomou uma segunda esposa, Ancilla, que lhe deu filhos gêmeos.
— Se houver três, é o suficiente.
Era o que Gilead dizia sempre que o assunto vinha à tona, mas Ancilla jamais concordou com isso. O motivo pelo qual ela, filha do Conde Caines, recusou tantos bons casamentos e entrou para a família Lionheart pelo caminho vergonhoso de se tornar uma concubina, era porque Ancilla era obcecada com o prestígio do nome Lionheart.
— Todos eles… todos eles vão rir de mim. Com certeza — murmurou Ancilla enquanto roía as unhas, já imaginando o rosto de Tanis ao saber disso.
Cyan, dominado pelo terror diante da aparência frenética da mãe, gaguejou ao tentar falar — E-Eu vou desafiá-lo de novo. Pra que a mãe não passe vergonha, eu vou…
— De novo? — Ancilla perguntou, a voz subindo de tom. — Por que está pensando em desafiá-lo outra vez se já foi derrotado uma vez?! Não faça nada inútil e apenas fique fora de problemas até a Cerimônia de Continuação da Linhagem começar!
— Mas… — Cyan tentou protestar.
Sem deixar que ele terminasse de falar, Ancilla gritou — Hazard!
A cabeça de Hazard continuava abaixada, e seus ombros tremeram ao responder — Sim, minha senhora.
— Eu queria poder simplesmente me livrar de você — disse Ancilla, com os punhos tremendo de raiva. — Mas… não posso fazer isso, mesmo com você tendo deixado isso acontecer…! Porque você… é o cavaleiro favorito do meu marido. Isso deveria significar que não há problemas com o que tem ensinado ao meu filho, certo?
— … — Hazard permaneceu em silêncio.
— Se o problema não é no ensino, então… meu filho é…! Como ele não aprendeu direito, foi derrotado por aquele pirralho camponês.
— …Minhas desculpas.
Diante de uma situação em que não podia confirmar nem negar a acusação, e em que ficar calado não era uma opção, pedir desculpas era o melhor que Hazard podia fazer.
— …Leve Cyan e saia — ordenou Ancilla.
— Mãe… — murmurou Cyan.
Ancilla ignorou o lamento — Vá e torne-o mais forte, forte o suficiente para que nunca mais manche minha reputação.
Hazard assentiu com a cabeça e recuou. Mesmo em prantos, Cyan obedeceu às ordens da mãe sem questionar e deixou o cômodo junto de Hazard.
— Ciel, você fica — chamou Ancilla.
Pega no flagra justo quando tentava sair junto com os outros, o rosto de Ciel se contorceu ao responder — …Sim.
Ela voltou silenciosamente ao seu assento e esperou com paciência, enquanto lançava olhares discretos para a expressão de Ancilla.
Ancilla finalmente começou a falar — …Aquele pirralho, você disse que o nome dele era Eugene, certo?
— Sim.
— Você também desafiou aquele pirralho para um duelo?
— Não, eu não desafiei ele.
— Por que não?
— O irmão perdeu com um único golpe. Se eu lutasse com ele, também não conseguiria vencer — respondeu Ciel num murmúrio baixo.
Embora tivesse decidido ser honesta desde o início, ainda tinha medo de que a mãe ficasse ainda mais furiosa com aquela resposta.
No entanto, Ancilla não explodiu de raiva como antes, e em vez disso disse — Você fez bem.
Como se fosse outra pessoa, ela agora encarava a filha com olhos calmos.
— Se até você tivesse aparecido aqui depois de ser derrotada… aí sim eu teria me enforcado de vergonha — confessou Ancilla.
— Por favor, não diga algo assim, mãe — exclamou Ciel.
Claro, Ciel sabia que a mãe não era o tipo de pessoa que se mataria sob qualquer circunstância. Mas havia aprendido desde pequena que podia melhorar o humor da mãe agindo de forma fofa.
— …E como é esse garoto, Eugene? — perguntou Ancilla.
— Não sei se entendi o que a senhora quer dizer, mãe — admitiu Ciel.
— Estou falando da aparência e da impressão que ele passa.
— A aparência… hm… acho que ele é mais bonito que meu irmão. Quanto à impressão, ele é meio estranho…
— Estranho? Em que sentido?
— Quando estava discutindo com meu irmão, ele parecia bem infantil e maldoso, mas ao falar com o Hazard, parecia muito mais velho.
Ao ouvir essas palavras, Ancilla ficou pensativa por alguns instantes. O garoto só tinha treze anos, então era compreensível que fosse infantil e maldoso… mas agir como um adulto ao falar com Hazard?
Ciel continuou — Ele… ele ficou falando algo sobre honra. E também disse que demonstrar misericórdia num duelo era um insulto ao oponente. Como o Eugene disse isso, o Hazard até pediu desculpas.
— …Ele pediu desculpas?
— Aham. Disse que tinha feito uma ‘observação presunçosa’.
Ao relembrar o momento, Ciel começou a sorrir sem nem perceber. Logo se lembrou de que não era hora para se divertir e desfez a expressão, mas Ancilla estava distraída demais para notar sua perda de compostura.
“…uma ‘observação presunçosa’…?” ponderou Ancilla.
Parecia que mais tarde ela teria de chamar Hazard novamente e ouvir dele a história completa.
Com um leve aceno de cabeça, Ancilla perguntou — Você está com raiva porque o Eugene bateu no seu irmão?
— …Sim — respondeu Ciel após um momento.
Era mentira. Embora não odiasse o irmão, tinha achado bem divertido vê-lo chorando enquanto ainda tentava manter a pose de arrogante.
— Você não pode tentar se vingar do seu irmão de forma ingênua — alertou Ancilla, embora soubesse muito bem os verdadeiros sentimentos da filha.
Como eram gêmeos, Cyan e Ciel estavam juntos desde que nasceram. Ciel havia revelado seu caráter desde cedo, sempre fazendo travessuras e pregando peças, mesmo acompanhando o irmão para todos os lados. Ancilla sabia que Ciel era uma criança que priorizava a própria diversão mais do que o afeto pelo irmão.
— …Por ora, seu irmão estará ocupado recebendo os ensinamentos do Hazard.
— Vou treinar com eles — se prontificou Ciel.
— É claro que vai. Mas não foque apenas nisso. Faça amizade com aquele garoto… Eugene.
— Por quê?
— É bom ter muitos amigos — esquivou-se Ancilla, com o olhar esfriando.
Aquele pirralho havia derrotado seu filho e manchado sua reputação. No entanto, saber que Eugene tinha vencido seu filho sem nem sequer treinar a mana a havia surpreendido.
— …Por enquanto, aquele garoto, Eugene, ainda é forte o suficiente para vencer seu irmão. Sendo assim, é melhor ficar do lado dele — explicou Ancilla.
— É mesmo? — perguntou Ciel, confusa.
— É sim.
Ancilla conteve as emoções fervilhantes. Para ser honesta, queria apenas seguir seus impulsos e aleijar Eugene de forma que ele nunca mais pudesse se mover. Mas não podia fazer isso.
Centenas de anos atrás, houve uma disputa intensa pela herança da linhagem direta dos Lionheart. De alguma forma, a paz foi negociada, mas desde então, matar um parente era considerado um grave tabu dentro da família Lionheart. O motivo pelo qual Gilead, o atual chefe da família, dizia ‘Se houver três, é o suficiente’ desde o início, era justamente o medo de aumentar inutilmente o número de herdeiros da família principal, o que levaria irmãos a se matarem movidos por ambição.
A própria Ancilla não queria correr o risco de violar esse tabu centenário por causa de algo assim.
“E se ele for ferido, eu serei a principal suspeita”, raciocinou Ancilla.
Embora fosse tradição que membros da linha direta pudessem oprimir abertamente os membros das linhas colaterais antes da Cerimônia de Continuação da Linhagem, ainda havia um ‘limite’ a ser respeitado. Por exemplo, atribuir a eles um servo desastrado como assistente pessoal, designar um anexo inutilizado como residência e incomodá-los com picuinhas, por mais escândalo que isso gerasse, ainda não ultrapassava esse ‘limite’.
No entanto, se esse limite fosse cruzado, os Guardiões dos Mandamentos da Família interviriam.
Só de imaginar isso, o corpo de Ancilla tremia de horror. Ancilla não queria ter de lidar com os Guardiões, muito menos por algo tão vergonhoso.
— Entendido, mãe — disse Ciel, após alguns segundos de reflexão, com um aceno e um sorriso suave. — Vou me aproximar do Eugene. É só isso que preciso fazer, né?
Ela não sentia a menor hesitação em cumprir essa tarefa. Ciel, na verdade, sentia uma curiosidade intensa por esse parente tão enigmático.
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