Capítulo 92: Salão de Sienna (1/8)
Enquanto Eugene ficava sem palavras, com a boca ligeiramente aberta, a jovem à sua frente tirou o grande chapéu e fez uma reverência profunda.
— Prazer em conhecê-lo? — a garota cumprimentou hesitante.
— …Ah… u-uhm — Eugene balbuciou.
— Eu sou o familiar encarregado da administração do Salão da Sienna — disse a garota com um sorriso radiante.
O sorriso dela sacudiu as memórias de Eugene.
Em sua vida passada, como todos eles haviam se conhecido já na juventude, Eugene nunca tinha visto como Sienna era na infância. No entanto, ele podia ver a forma infantil de Sienna naquele familiar à sua frente. Com o cabelo lilás claro e um sorriso indescritivelmente travesso, embora fosse muito mais jovem, o familiar era a cara da Sienna.
— …Um familiar? — Eugene perguntou por fim.
— Sim! — a garota confirmou alegremente.
— …Isso é… uh…
Você realmente não é a Sienna?
Eugene se forçou a não fazer essa pergunta. Lembrando-se da ilusão de Sienna que tinha visto na praça em frente ao banco, não havia como aquele familiar diante dele ser a própria Sienna.
— …Como devo te chamar? — Eugene perguntou com hesitação, examinando o familiar.
A pequena familiar tinha a altura na altura da cintura de Eugene. Por isso, ele precisou inclinar levemente a cabeça para encará-la.
— Dama Sienna me chamou de ‘Mer’ — declarou o familiar.
— Não é possível. Ela te deu esse nome por causa do ‘Mer’ de Merdein? — perguntou Eugene.
— Sim! É um nome glorioso, não acha? — enquanto Mer respondia com um sorriso envergonhado, Eugene apenas bufou em descrença.
Merdein era o sobrenome de Sienna. Ela havia criado um familiar com a própria imagem e simplesmente arrancado a primeira metade de seu sobrenome para dar nome ao familiar.
“O que ela tinha na cabeça?”, Eugene se perguntou.
Hesitante, Eugene perguntou — …Uh, é que eu não entendo muito bem sobre vocês, mas familiares costumam ser… uh… tão parecidos com humanos quanto você?
— Eu sou especial, é claro — respondeu Mer, erguendo o queixo com orgulho. — Quem me criou foi a Sábia Sienna, companheira do Grande Vermouth. Os familiares dos outros andares não são tão especiais quanto eu.
— …É mesmo?
— Sim! Você ainda não foi nos outros andares, certo, Sir Eugene?
— Como sabe meu nome? Você é mesmo um familiar?
— O que está tentando insinuar?
Que absurdo era aquele? Eugene a encarou com os olhos semicerrados de desconfiança, e Mer só conseguiu devolver uma expressão confusa.
— Sir Eugene Lionheart, você não acabou de registrar seu nome em Akron, no primeiro andar? — Mer o relembrou.
— …É verdade — Eugene recordou.
— Não sou só eu. Todos os familiares desse lugar estão ligados ao sistema de Akron. Sabemos exatamente quem entra e sai de Akron a todo momento — explicou Mer de forma um tanto sinistra.
Eugene mudou de assunto — Então você estava dizendo que é um caso especial entre os familiares?
— Sim! — Mer voltou a erguer o queixo e assumiu uma expressão orgulhosa enquanto explicava: — Você pode ver com seus próprios olhos quando for a outro andar; os familiares de lá não são tão bons de conversa quanto eu. Eles só conseguem executar o que foi programado neles quando foram criados e responder a comandos externos.
— …E quanto a você?
— Eu fui criada com a personalidade da minha mestra, a Dama Sienna, como base.
— Não é tabu na magia criar um ser vivo? — Eugene perguntou, lembrando-se das palavras que ouvira na Cerimônia de Continuação da Linhagem, anos atrás.
— Por que não se pode criar nada vivo?
Naquela época, Eward não havia demonstrado interesse na cerimônia em si, mas seus olhos brilharam ao ver a magia de Lovellian. Infelizmente, mesmo tendo tanto interesse por magia, quatro anos depois, Eward tinha se tornado um completo lixo.
— Mas eu não sou um ser vivo — disse Mer com um tom que não carregava nem um traço de incerteza. — Embora pareça que estou viva, eu não tenho uma alma como os seres vivos têm. Meu corpo foi criado através da magia da Dama Sienna, e quanto à minha consciência…
Mer recolocou o chapéu na cabeça e se virou para olhar atrás de si. Só então Eugene também desviou o olhar dela e olhou para frente. À sua frente, viu uma grande esfera de luz flutuando no centro da sala, com vários anéis orbitais girando lentamente ao redor dela.
— Está ali dentro — declarou Mer com um sorriso brilhante.
Eugene encarou a esfera sem expressão. Era a primeira vez que via uma obra de arte tridimensional daquele tipo. À primeira vista, já transmitia uma impressão misteriosa, mas os sentidos de Eugene detectaram uma disposição de mana absurdamente grande e elaborada dentro da escultura.
— …O que diabos é isso? — Eugene perguntou por fim.
Mer sorriu — Excelente pergunta!
Ela estufou o peito e jogou os ombros para trás, inclinando também a cabeça para trás no processo, fazendo com que seu grande chapéu, muito maior do que sua cabeça, também se inclinasse. Pelo modo como o chapéu permanecia firme na cabeça apesar de parecer prestes a cair, era evidente que ela estava acostumada com aquele tipo de movimento.
— Essa é a essência destilada de toda a magia que a Dama Sienna desenvolveu ao longo da vida. Isso é a ‘Feitiçaria’! — revelou Mer com um grito orgulhoso.
A mandíbula de Eugene caiu mais uma vez. Aquilo era a Feitiçaria? O grimório que Sienna teria terminado de escrever pouco antes de desaparecer e que supostamente havia sido dividido em três volumes?!
— Como é que isso tem cara de livro? — Eugene protestou.
Mer fungou — É um preconceito ultrapassado dizer que um livro precisa ter aparência de livro.
— Isso só soa como bobagem…
— É natural que o Sir Eugene não entenda. Afinal, não tem como Sir Eugene compreender a magia da Dama Sienna se nem mesmo os Mestres das Torres conseguem, certo?
As palavras de Mer transbordavam orgulho, e seu sorriso travesso estava cheio de confiança. Ao mesmo tempo, sua atitude demonstrava uma certa condescendência para com seu interlocutor. Ela havia dito que fora baseada na personalidade de Sienna… De fato, Mer era bem parecida com Sienna no quesito ser irritante e completamente desprovida de charme.
— …Você disse que foi criada com base… na personalidade da Dama Sienna, certo? — Eugene sentiu necessidade de confirmar.
— Sim! — respondeu Mer, cheia de orgulho.
— Nesse caso… uh… até o momento em que ela desapareceu, o caráter da Dama Sienna era parecido com o seu?
Eugene se lembrou da aparência de Sienna que havia visto em seu retrato. Tinha um sorriso caloroso e benevolente que não combinava em nada com ela. A Sienna que Eugene conhecia nunca tinha mostrado aquele tipo de sorriso.
— Claro que era diferente — respondeu Mer com um sorriso. — A Dama Sienna era muito mais nobre e transbordava dignidade. Raramente sorria e vivia totalmente focada em pesquisar e desenvolver magia.
Depois de uma breve pausa, Eugene perguntou — …Nesse caso, por que sua personalidade é assim?
— O que tem minha personalidade?
— Mesmo sendo baseada na Dama Sienna, você parece completamente diferente da Sienna que acabou de descrever.
— É claro que pareço. Isso porque a personalidade em que fui baseada é a da infância da Dama Sienna.
Aquela pirralha irritante. Pelo jeito, ela era ainda mais insuportável quando criança.
Eventualmente, Eugene mudou de assunto — …Então o que você quis dizer quando falou que sua consciência está ali dentro?
Mer hesitou — Hmmm… que pergunta complicada. Como posso explicar de um jeito que o Sir Eugene, que não teve muita educação, consiga entender…?
— Só diga de forma simples.
— Eu sou algo como uma inteligência artificial que a Dama Sienna criou para a Feitiçaria.
Aquilo era, de fato, um conceito fácil de entender.
Mer explicou — Minha consciência é mantida pela magia da Feitiçaria, e o propósito da minha existência é proteger e preservar essa feitiçaria. Eu supervisiono este salão seguindo as ordens que a Dama Sienna me deu há duzentos anos.
Eugene passou por Mer sem dizer nada. Ele sentiu Mer começando a acompanhá-lo, trotando logo atrás.
— …Por que a Dama Sienna usou a personalidade da infância como base para você? — Eugene perguntou.
— Apenas para relembrar — disse Mer.
— Relembrar?
— Talvez ainda seja difícil para o Sir Eugene entender, mas a maioria dos adultos tem dificuldade para recordar a própria infância. Mesmo que as lembranças estejam claras, muitas vezes não conseguem se lembrar com exatidão de qual era sua ‘personalidade’ só com base nessas memórias reconstruídas.
— …Suponho que sim.
— Então, para relembrar a própria infância, a Dama Sienna decidiu restringir minha personalidade a uma baseada em suas memórias infantis. Sua magia era tão incrível que foi fácil para ela evocar lembranças tão distantes.
Eugene parou diante da Feitiçaria. Agora que estava tão perto, sua imponência era realmente impressionante. A esfera luminosa envolta em vários anéis giratórios era a essência destilada da compreensão mágica de uma Arquimaga preservada por centenas de anos.
Eugene pensou em algo de repente — …Nesse caso, você tem todas as memórias da Dama Sienna?
— Nem pensar — respondeu Mer, caindo na risada. — Embora a Dama Sienna tenha usado sua personalidade como base para mim, ela não chegou ao ponto de compartilhar todas as memórias. Se tivesse feito isso, havia uma boa chance de que minha existência pudesse ser abusada.
— Faz sentido.
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