Capítulo 95: Salão de Sienna (4/8)
Eugene ficou ali por alguns instantes, lendo o diário de pesquisa de Sienna. Quando sentiu que sua cabeça começaria a girar, fechou o livro e olhou ao redor. Parecia haver cerca de uma centena de volumes guardados ali.
Após lançar um olhar por todos eles, Eugene abriu a boca e perguntou:
— Não há nenhum caderno pessoal da Sienna? Algo que não fale sobre magia?
— Não há — afirmou Mer. — Pouco antes de se recolher, a Dama Sienna apagou todas as anotações pessoais que havia deixado em sua mansão.
— Parece que ela foi mesmo cuidadosa em apagar seus rastros.
— Isso só mostra o quanto ela não queria que ninguém soubesse para onde estava indo.
— E o que você acha disso? — Eugene perguntou, devolvendo o diário à estante de onde o tirara. — Há muita especulação sobre onde a Dama Sienna pode ter ido. Alguns dizem que foi para Helmuth, outros dizem que foi para a Floresta Samar… e alguns até afirmam que foi assassinada pelos magos negros.
— Eu acredito que ela foi para a Floresta Samar — respondeu Mer com um leve encolher de ombros. — Embora muita gente ache que ela possa ter ido para Helmuth, pelo que me lembro, a Dama Sienna não era o tipo de pessoa que faria algo tão imprudente e impossível. Claro… até o momento em que se recolheu, a Dama Sienna era a pessoa mais linda e poderosa que conheço. Mas enfrentar sozinha os Reis Demônios de Helmuth… não era algo que ela faria.
— Também concordo com isso — Eugene assentiu.
— E pensar que magos negros poderiam ter assassinado Sienna também é impensável. Embora hoje existam magos negros poderosos como Balzac Ludbeth em Aroth, duzentos anos atrás, os magos negros que viviam aqui eram todos insignificantes e fracos — disse Mer com desdém.
— Mas magos negros de Helmuth poderiam ter se infiltrado para assassiná-la — Eugene contrapôs, apenas por provocação.
— Ha! Isso é ainda mais absurdo. Sir Eugene, pense bem. A barreira mágica da Dama Sienna foi capaz até de bloquear a magia negra do Rei Demônio da Fúria — gritou Mer, agitada.
“Embora não tenha conseguido bloquear a magia negra do Belial”, Eugene anotou em silêncio.
Em termos de nível mágico, o lich Belial superava o Rei Demônio da Fúria. Isso, no entanto, não significava que Belial fosse mais forte.
Mer prosseguiu seu desabafo:
— Se, e somente se, os magos negros de Helmuth realmente tivessem se infiltrado para assassinar a Dama Sienna, não haveria como derrotá-la de maneira silenciosa. Haveria uma onda de mana forte o bastante para abalar os alicerces da capital Pentágono. Mas nenhum desastre aconteceu quando a Dama Sienna se recolheu! Isso significa que ela fez isso por vontade própria e não foi assassinada por ninguém.
Sem se acalmar nem um pouco, Mer continuava a encarar Eugene. Ela se recusava a aceitar qualquer possibilidade, por mínima que fosse, de que sua criadora, a quem tanto amava e respeitava, pudesse ter sido assassinada por um mago negro.
— A Dama Sienna com certeza ainda está na Floresta Samar — insistiu Mer. — Embora eu não saiba onde exatamente fica o bosque sagrado dos elfos naquela floresta imensa, a Dama Sienna está com certeza… com certeza…
Sem conseguir terminar a frase, Mer começou a murmurar. Duzentos anos era tempo demais. Se fosse uma humana comum, certamente teria morrido nesse período. Nem mesmo Vermouth conseguiu escapar dos limites naturais de sua vida.
— …Ela só deve estar… descansando os olhos em algum lugar. Mas… eu não sei se ainda está viva — admitiu Mer com relutância.
— Eu acredito que ela esteja viva — declarou Eugene, de repente.
Os ombros caídos de Mer o incomodavam. Embora quisesse dar um tapinha em suas costas, lembrou-se do aviso severo dela e se conteve.
Sem saber como continuar, Eugene hesitou:
— É que… o bravo Sir Molon ainda estava por aí, cheio de energia, só cem anos atrás. Então a Dama Sienna deve estar viva também. Provavelmente apenas parou o envelhecimento com magia ou algo assim.
— …Parece que o Sir Eugene realmente gosta muito da Dama Sienna, né? — acusou Mer.
— Não dá pra dizer que é exatamente gostar dela.
— Mentira. Você não faz ideia da expressão que estava fazendo, faz, Sir Eugene?
Mer ergueu os ombros caídos e olhou para cima, encarando Eugene.
— Toda vez que eu conto uma história sobre a Dama Sienna, seus olhos brilham. E sempre que vê algo que pertenceu a ela, você se imerge completamente na história do objeto — listou Mer, convicta.
— Sempre gostei de histórias antigas — Eugene rebateu.
— É mesmo? Então vai gostar deste livro também.
Com um sorriso, Mer foi até um canto da estante. Ela pegou um livro cuja capa já estava desbotada com o passar do tempo.
— As Grandes Aventuras do Herói Vermouth — ela leu o título.
As bochechas de Eugene começaram a se contrair no momento em que viu aquilo.
— É um conto de fadas famoso, não é? — Mer disse, orgulhosa, levantando o livro. — Como a Dama Sienna e os outros companheiros dela sempre evitaram falar sobre o que aconteceu em Helmuth, esse conto foi, na verdade, o primeiro livro a contar ao mundo as lendas do Grande Vermouth.
— …É um livro maldito, isso sim — Eugene resmungou.
— Hã? Por que chamaria de livro maldito? — Mer perguntou, confusa.
— É que, na verdade… eu gosto mais é do Sir Hamel. Respeito e admiro ele — Eugene tentava disfarçar o constrangimento. — Mas nesse conto de fadas, o Sir Hamel é retratado como um idiota completo.
— Mas a Dama Sienna também chamava o Hamel de estúpido, filho da puta, imbecil e desgraçado?
— Não, ele não era nada disso. O Sir Hamel não era estúpido, nem filho da puta, nem imbecil, nem desgraçado. Na verdade, ele era bem legal, corajoso e, uh… bem… era uma grande pessoa.
Por que ele mesmo tinha que dizer isso? Tomado por vergonha, Eugene soltou um longo suspiro.
— Acho que o Sir Eugene tem uma personalidade bem estranha. Normalmente, ninguém gosta do Hamel depois de ler esse conto de fadas, certo? — Mer expressou sua preocupação.
— Desculpa, mas além de mim, o nosso Patriarca também disse que o Hamel era seu favorito — Eugene se defendeu.
— Isso só quer dizer que o Patriarca de vocês também é meio estranho — Mer retrucou.
— Você tá insultando meu pai adotivo agora? — Eugene reagiu, começando a se exaltar.
— Só disse que ele é um pouco estranho, como isso é um insulto? De qualquer forma, Sir Eugene, se você realmente gosta de histórias antigas, então com certeza leu esse livro também.
— Não seria mentira dizer que li esse livro mais de cem vezes quando era pequeno.
— Pode ser, mas esta aqui é a primeira edição. Ela é diferente da versão revisada que se espalhou pelo mundo. Talvez o Sir Eugene não saiba, mas esse conto foi publicado pela primeira vez aqui em Aroth, trezentos anos atrás.
— E quem foi o desgraçado que publicou isso?
— Como eu vou saber? O autor é anônimo… provavelmente algum bardo de antigamente, não?
Como o autor podia ser um bardo? Eugene bufou e balançou a cabeça. Em sua vida passada, enquanto vagava pelo continente, conheceu vários bardos, mas jamais encontrou um que tivesse passado por Helmuth.
— Ou então, sei lá, talvez fosse só um romancista que reuniu e conectou todos os boatos sobre Helmuth. Mas não sei por que ele não colocou o nome. — Enquanto balançava o livro, Mer continuou — A Dama Sienna também gostava desse conto. Apesar de quase nunca sorrir, às vezes à noite, quando não conseguia dormir… ela sorria de leve enquanto lia esse livro sozinha no quarto. Sei disso porque ela também lia para mim.
— …Você disse que o conteúdo da primeira edição é um pouco diferente das versões atuais? — Eugene perguntou.
— Ummm… faz um tempo que não leio a versão mais recente, então não posso garantir que seja a mesma que você leu… Mas como essa é a primeira, ela é um pouco mais… como posso dizer… meio grosseira.
— …Grosseira?
— Tem bastante palavrão. As histórias sobre Vermouth e seus companheiros também são um pouco diferentes… talvez mais pessimistas?
— Deixa eu dar uma olhada.
Eugene caminhou rapidamente até o livro de contos de fadas e o pegou em mãos. Talvez por ter trezentos anos, as páginas estavam bastante desgastadas. Provavelmente um sinal de quantas vezes havia sido lido, repetidamente.
Hamel era um babaca. Apesar daquele idiota ter lutado todo empolgado com Vermouth logo na primeira vez em que se encontraram, ele nem conseguiu encostar na gola de Vermouth, e teve a cara enfiada no chão com tanta força que chorou.
— Esse filho da puta — o rosto de Eugene se contorceu enquanto praguejava.
Mer havia dito que era grosseiro e cheio de palavrões, e de fato era. A versão do conto de fadas que Eugene conhecia chamava Hamel de idiota, mas pelo menos não o chamava de babaca desse jeito.
“Será que a desgraçada que escreveu isso foi a Anise?”, ele pensou.
Lembrando da Anise, sempre com aquele sorriso alegre nos olhos, Eugene cerrou os dentes de raiva. Pensou até em comparar a caligrafia com a de Anise, mas o conto parecia ter sido feito por magia ou impresso, com letras ordenadas e mecânicas.
“É verdade que enfiei a cara no chão, mas pelo menos consegui encostar na gola dele. O próprio Vermouth disse que sangrou por minha causa. E chorar porque bati a cara? Quem foi o imbecil que escreveu tamanha merda?”
Tentando conter a fúria que borbulhava por dentro, Eugene devolveu o conto à estante.
Depois de recuperar a compostura, perguntou:
— …O que tem no décimo quarto andar?
— O décimo terceiro é dedicado aos diários de pesquisa, então o décimo quarto tem os grimórios que organizam e conectam todo esse material. Mesmo que ainda sejam difíceis de entender para o Sir Eugene, são mais acessíveis do que os diários. As explicações são bem mais claras — Mer recomendou animada.
— Mas ainda assim não chegam nem perto da Feitiçaria, né? — Eugene questionou por que deveria se dar ao trabalho.
— Heheh… — Mer riu de canto, as bochechas se contraindo enquanto tentava segurar o deboche. — Claro que estão muito abaixo. Mas… em vez de explicar com palavras, é melhor que tente ler a Feitiçaria por si só. Bom, pra simplificar, vou te explicar a diferença entre os dois. A Feitiçaria é mais difícil de entender do que de ler. Já os livros do décimo quarto andar… se você conseguir ler, vai conseguir entender pelo menos um pouco. Embora talvez seja pedir demais do Sir Eugene.
Virando-se, Mer foi em direção ao elevador.
— Por ora, por que não subimos ao décimo quarto andar? — sugeriu. — Acho que você vai gostar mais dele do que deste aqui.
— Por quê? — Eugene perguntou com cautela.
— Porque disse que gosta de histórias antigas, certo? E que também gosta do Hamel Estúpido.
Eugene não entendeu aquelas palavras no momento, mas assim que chegaram ao décimo quarto andar, compreendeu exatamente o que Mer queria dizer.
— Dê uma olhada — Mer riu, acenando com a mão. — Essas são as memórias pessoais que a Dama Sienna extraiu para recordação. Não são apenas retratos, mas representações reais dos companheiros da Dama Sienna, conforme ela se lembrava deles.
Nas paredes do décimo quarto andar, as figuras de quatro pessoas estavam claramente refletidas.
— Ali, o homem bonito em pé no centro é o Grande Vermouth — Mer apontou animada.
Vermouth estava exatamente como Eugene se lembrava.
— Ao lado dele, a mulher loira com os olhos sorrindo tanto que não dá nem pra ver as pupilas, é a Fiel Anise.
A santa que carregava garrafas de vinho chamando-as de água benta.
— O brutamontes que te faz pensar se é um troll ou um humano é o Valente Molon.
Mesmo com um corpo enorme, carregava um machado ainda maior, e era um idiota que sempre causava problemas nas lutas.
— E ali, o homem com cara de poucos amigos e expressão carrancuda, é o Hamel Estúpido. Esse é o único e verdadeiro registro da aparência de Hamel. Só dá pra ver o rosto dele aqui, no Salão da Dama Sienna.
Naquele momento, Eugene ficou sem palavras.
Hamel, que morrera em Helmuth, não havia deixado sequer um retrato para o mundo.
— ….Puhahaha — enquanto continuava olhando para sua aparência da vida passada, Eugene acabou caindo na risada. — Se era pra deixar algo assim, não teria sido melhor com um sorriso no rosto?
Enquanto ria, Eugene balançou a cabeça.
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