Capítulo 99: Salão de Sienna (8/8)
Na história do clã Lionheart, Vermouth foi o único a ter alcançado a Décima Estrela da Fórmula da Chama Branca. Ele já era incomparavelmente forte mesmo nos tempos em que estavam em Helmuth, mas Eugene não sabia o que havia dado em Vermouth para que ele ficasse tão obcecado com a ideia de ter filhos… Pelas memórias de Eugene, Vermouth não era esse tipo de pessoa ociosa.
— Se você se esforçasse só um pouco mais… poderia ser muito melhor do que é agora.
Essas haviam sido as palavras que ouvira de Vermouth há muito, muito tempo. E foram também as que mais o haviam ferido em toda a sua vida passada. Vermouth, aquele desgraçado, mesmo sendo um gênio, ainda assim se esforçava muito.
No entanto, comparado ao esforço que colocava, os resultados que alcançava eram simplesmente absurdos.
“Anise e Molon também devem ter ficado mais fortes.”
Embora não tivesse confirmado isso com os próprios olhos, como havia feito com Sienna, Eugene tinha certeza. Seus companheiros da vida passada eram todos assim. Eram pessoas tão talentosas que poderiam ser chamadas de gênios em qualquer era, e todos possuíam objetivos e convicções bem definidos.
E todos eles haviam jurado juntos que iriam exterminar os Reis Demônios deste mundo.
— Mas é exatamente isso que me preocupa ainda mais — Eugene murmurou para si mesmo, em voz baixa, ao se levantar. “Sienna Merdein. Se você era tão forte assim, então… A Sienna que eu conhecia com certeza teria encontrado alguma forma de desafiar os Reis Demônios novamente.”
O Rei Demônio do Encarceramento e o Rei Demônio da Destruição, esses dois eram tão poderosos que os outros Reis Demônios de menor escalão nem sequer podiam ser comparados a eles.
Mas mesmo se fossem derrotados por esses dois, os companheiros que Eugene conhecia não eram do tipo que caíam em desespero. Ao contrário, depois de se fortalecerem e recuperarem a confiança, mesmo que a vitória não fosse certa, eles com certeza arriscariam a vida mais uma vez por suas convicções antes de morrerem.
Então, o fato de que eles não tenham voltado a desafiar os Reis Demônios até o fim…
E de que Sienna e Anise tenham desaparecido quase ao mesmo tempo…
…E que não tenham tido qualquer contato com o clã Lionheart antes do funeral de Vermouth…
“Vermouth”, Eugene soltou um longo suspiro enquanto balançava a cabeça. “O que diabos você estava planejando?”
Embora Akron, como Biblioteca Real, tivesse nominalmente um Diretor de Biblioteca, ela não tinha horário de fechamento, já que grande parte de sua operação era deixada por conta dos familiares.
Em outras palavras, desde que abrisse mão do tempo de comer e dormir, era possível permanecer em Akron o quanto quisesse.
“Se for assim, seria bom se tivesse um local separado, como uma sala de descanso”, Eugene desejou.
A biblioteca da Torre Vermelha da Magia era muito mais conveniente nesse aspecto. Ela tinha tanto refeitório quanto dormitórios por perto. Mas, infelizmente, não havia espaço para esse tipo de coisa em Akron. Eugene não sabia se era por não quererem que o cheiro de comida se espalhasse ou se era para manter a dignidade condizente com seu título de Biblioteca Real, mas era terminantemente proibido comer e beber dentro de Akron.
Felizmente, havia alas de pesquisa separadas anexadas às salas de cada andar, onde era possível estudar e realizar experimentos com magia. Se esse era o caso, não deveria ser permitido comer e dormir lá também? Embora Eugene tenha perguntado isso a Mer…
— Mesmo que eu não possa comer ou beber nada, você vai realmente fazer esse tipo de coisa na minha frente? — Mer protestou. — De jeito nenhum. Se estiver com fome, vá comer lá fora.
Foi uma recusa bem mesquinha que Mer ofereceu.
— Está dizendo que esse tipo de proibição existe por um motivo frívolo como esse? — Eugene perguntou, incrédulo.
— Claro que não. Existem motivos legítimos por trás dessas restrições. Como Sir Eugene não é um mago puro, talvez não esteja ciente disso, mas magos comuns… não, até mesmo magos que podem ser chamados de Arquimagos são, basicamente, viciados em magia — Mer respondeu, balançando a cabeça vigorosamente. — Se não traçarmos uma linha clara, os magos que entram aqui podem se deixar consumir pela magia a ponto de colocarem suas vidas em risco. Não são famosas essas histórias? De magos que viraram lichs só para continuar pesquisando magia depois da morte. E de magos que morreram de exaustão presos em seus laboratórios….
— Achei que esse tipo de história tinha um pouco de exagero — Eugene comentou, desconfiado.
— Se não houvesse precedentes, não haveria razão para criar essa regra, não é? — Mer abaixou a voz. Com intenção de criar uma atmosfera sombria, sussurrou silenciosamente: — Akron tem uma longa história, com cerca de oitocentos anos. Há muito, muito tempo… um certo mago conseguiu o passe de entrada que almejou por toda a vida. Ele amava a magia de verdade, e ficou fascinado com as verdades encontradas nas pesquisas de seus grandes e respeitados predecessores. E assim… entregou-se à magia, esquecendo de comer, beber e dormir, até que eventualmente…
— Então o quê? Ele aparece à noite como fantasma? — Eugene perguntou, com um tom cético.
— Ele pode aparecer — Mer insistiu. — Embora eu mesma nunca tenha visto.
— Nossa, que medo.
Diante da reação seca de Eugene, Mer fez bico.
— Vou voltar amanhã — Eugene disse, virando-se para sair.
Mer inclinou a cabeça, curiosa:
— Por que quer voltar aqui? Os textos mágicos dessa sala não são difíceis demais para você, Sir Eugene?
— Se forem difíceis, então só preciso continuar estudando — Eugene declarou com confiança.
— Eu não vou te ensinar nada — Mer advertiu.
— Tudo bem, porque além de você, tem alguém que pode me ensinar.
— Se for isso mesmo, tudo bem. Mas se fizer muito barulho, eu vou te expulsar.
Mer disse isso com o tom de quem estabelecia um ultimato. Eugene sorriu de lado e assentiu.
— Vou fazer o possível para ficar em silêncio — prometeu.
Falando honestamente, Eugene estava enfrentando um conflito interno. Ele queria continuar conhecendo Mer e até se tornar amigo dela, já que ela se parecia demais com Sienna. No entanto, não achava certo transferir esse tipo de sentimento para Mer.
Não seria correto, e também não seria justo com Mer.
Afinal, Mer era uma familiar. Ela não era a própria Sienna. A existência de Mer também fazia Eugene ficar mais consciente da sua vida passada do que gostaria. Por isso, ele não queria se aproximar mais de Mer do que o necessário.
Mas as coisas não estavam indo conforme planejado. Só nesse dia, por exemplo, Eugene já tinha visto vários traços de Sienna nas atitudes de Mer.
“Mas também não posso fingir que não a conheço.”
Se realmente quisesse manter distância, o melhor e mais simples seria parar de visitar o Salão de Sienna. Mas Eugene não queria ir tão longe. Porque, além da existência de Mer, ele também queria se aprofundar no Feitiçaria e nos outros textos mágicos armazenados ali.
Antes de descer para o primeiro andar, seguindo o conselho de Mer, Eugene deu uma olhada nos andares inferiores.
Embora também houvesse familiares nesses andares, eles não tinham personalidade nem inteligência artificial guiando-os. Eles só conseguiam responder a algumas perguntas simples e manter as salas que lhes haviam sido atribuídas.
Não havia nenhum familiar tão parecido com um humano quanto Mer.
“Embora a dificuldade seja a mesma.”
Seguindo a orientação mecânica dos familiares, Eugene examinou os livros de magia em exibição. Mesmo que não fossem tão incompreensíveis quanto o Feitiçaria, que estava completamente além de sua compreensão no momento, a dificuldade desses livros era equivalente à dos outros textos mágicos que viu no Salão de Sienna.
Quando chegou ao primeiro andar de Akron, uma voz chamou por Eugene:
— Você demorou pra descer.
Era Melkith, que ainda não havia voltado aos seus afazeres e estava apenas esperando por ele ali.
— E então, como foi? — perguntou outra voz.
Lovellian também estava lá. Até pouco tempo atrás, ele estivera com a expressão carregada, mas assim que viu Eugene, caminhou até ele com um sorriso aberto ao fazer a pergunta.
— Pra ser sincero, eu não tenho certeza do que vi — Eugene respondeu, balançando a cabeça. — Com base na teoria mágica que aprendi até agora, acho que levaria anos pra conseguir entender de verdade até mesmo um só daqueles livros mágicos.
— Claro que sim. Os livros armazenados aqui são a essência de centenas de anos de magia de Aroth — respondeu Melkith com um sorriso. E, lançando um olhar para Wynnyd, pendurada na cintura de Eugene, continuou: — Garoto, por mais inteligente que você seja, há um limite para a magia que se pode aprender sem um professor de verdade.
Lovellian interveio do lado:
— Mestra da Torre Branca.
— Ah, como eu disse, não precisa se preocupar — Melkith assegurou. — Não tenho intenção nenhuma de aceitar esse garoto como discípulo. Só… quero propor um negócio simples e direto.
— Por causa da Wynnyd? — Eugene perguntou, embora a resposta fosse óbvia.
A essa pergunta, como se já estivesse esperando por ela, Melkith imediatamente assentiu com vigor.
— Se você me emprestar a Wynnyd por um tempo, eu explico dez volumes de textos mágicos de um jeito fácil de entender. Isso não soa como um bom negócio? — tentou persuadi-lo.
— Parece bom, mas… — Eugene desviou o olhar de Melkith e encarou Lovellian. — Senhor Lovellian, posso perguntar se o senhor teria alguma intenção de me aceitar como discípulo?
Com essas palavras, os rostos dos dois Mestres das Torres mudaram drasticamente. O rosto de Lovellian se iluminou com um sorriso, enquanto o de Melkith se retorceu numa careta.
— Se isso é o que você deseja, Eugene, não tem como eu te recusar, certo? — Lovellian o recebeu alegremente.
— Mas você não está muito ocupado? — Melkith objetou.
— Se for por Eugene, não importa quanto tempo leve, eu consigo arranjar tempo — Lovellian insistiu.
— E quanto a você, garoto, por mais desesperado que esteja, não devia se rebaixar tão fácil — Melkith se virou para Eugene. — Além disso, você não é um Lionheart? É mesmo certo entrar voluntariamente numa relação mestre-discípulo?
— Mais alguma objeção? — Eugene apenas suspirou.
— Ainda tem eu — Melkith acrescentou rápido. — Já que estou aqui, não precisa sair aceitando esse tipo de relação tão levianamente. Pode acabar se envolvendo em problemas desnecessários depois. O que você vai fazer se o Mestre da Torre Vermelha te prejudicar depois de já ter aceitado ele como mestre?
— Não diga besteira — Lovellian resmungou.
— O Mestre de Torre Lovellian que eu conheço não é esse tipo de pessoa — Eugene expressou confiança no homem.
Melkith estreitou os olhos, frustrada: — Seu pirralho irritante, você só tem dezessete anos. Acha mesmo que conhece o Mestre da Torre Vermelha melhor do que eu?
— Por que você continua falando essas bobagens? — Lovellian retrucou com o olhar apertado.
Sem conseguir pensar em outra resposta, Melkith mordeu os lábios por um momento antes de finalmente soltar um suspiro profundo.
— Tudo bem. Se acabar virando discípulo do Mestre da Torre Vermelha, então não vai precisar mais de mim explicando os textos mágicos em troca de me emprestar a Wynnyd. Embora admitir isso machuque meu orgulho, as habilidades mágicas do Mestre da Torre Vermelha são melhores que as minhas, tá bom? — Melkith admitiu a contragosto.
— A gente não precisa necessariamente trocar por explicações sobre aqueles livros mágicos — Eugene disse com um leve sorriso. — Você não tem mais nada que valha a pena negociar? Itens também servem.
O queixo de Melkith caiu pela metade com essa declaração ousada. Depois de encarar Eugene por alguns instantes, ela caiu na risada e balançou a cabeça.
— Esse garoto sabe mesmo fazer negócio — Melkith comentou, sarcástica.
— Se não quiser, por mim tudo bem — Eugene respondeu com naturalidade.
— Quem disse que eu não quero? — Melkith respondeu na hora, coçando o queixo. — Só me dê um momento pra pensar.
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