Índice de Capítulo

    Mesmo em sua vida anterior, Eugene nunca se importou em aceitar coisas de graça. Por mais que odiasse alguém, se essa pessoa lhe oferecesse algo útil, ele ainda assim aceitava. Além disso, Eugene não nutria exatamente nenhum ressentimento contra Melkith.

    “De qualquer forma, não devo precisar usar Wynnyd por enquanto.”

    É claro que Eugene não podia simplesmente decidir emprestar Wynnyd por conta própria. A Espada Tempestuosa era um tesouro pertencente à linha direta dos Lionheart. Eugene estava apenas a tomando emprestada por um tempo.

    “Embora eu ache que o Patriarca não vá dizer que não pode.”

    Apesar de sentir que precisava pedir permissão primeiro, Eugene não achava que Gilead recusaria essa proposta. Apesar de ser o Patriarca da família Lionheart, que valorizava muito a tradição, Gilead Lionheart já havia demonstrado várias vezes estar mais interessado em ser realista e buscar os melhores interesses do clã do que em proteger tradições ultrapassadas.

    E não era como se estivessem simplesmente entregando Wynnyd para Melkith. Gilead não teria motivo para recusar se eles pudessem receber algo de valor em troca do empréstimo por alguns dias, especialmente se pudessem registrar essa promessa por escrito.

    “E isso também me favorece.”

    Enquanto Eugene ponderava sobre tudo isso, Melkith também estava perdida em pensamentos. Ela revia mentalmente todos os artefatos que havia coletado para si mesma, bem como quaisquer grimórios que fossem exclusivos da Torre Branca da Magia.

    “…Os grimórios não têm valor suficiente”, julgou Melkith.

    Como Eugene agora tinha acesso a Akron, os grimórios exclusivos da Torre Branca da Magia já não tinham tanto valor para ele.

    — …Que tal um cajado? — Melkith disse de repente. — Garoto, você ainda não tem um cajado, certo? Embora talvez sinta que já consegue usar magia muito bem mesmo sem um, isso é só porque toda a magia que aprendeu até agora é simples.

    — É mesmo? — Eugene respondeu educadamente.

    — Claro que é — insistiu Melkith. — Você acha que os magos andam por aí com cajados só para parecerem legais? Com a ajuda de um cajado, você consegue ajustar sua mana com mais precisão, o que simplifica todas as suas técnicas de conjuração.

    — Eugene. Eu também tenho vários cajados excelentes na minha coleção — Lovellian interveio imediatamente.

    Na verdade, ele não gostava da ideia de permitir que Melkith tomasse emprestado Wynnyd.

    Embora não fosse garantido que ela conseguiria invocar o Rei dos Espíritos do Vento apenas por usar Wynnyd como catalisador, e se Melkith realmente conseguisse firmar um contrato com ele?

    A Mestra da Torre Branca, Melkith El-Hayah, já era a maior Invocadora Espiritual da história da magia. Antes dela, nenhum outro Invocador Espiritual havia conseguido firmar contratos com dois Reis Espirituais. Se o Rei dos Espíritos do Vento fosse adicionado a isso… o poder da Torre Branca da Magia se tornaria forte demais.

    Como Mestre da Torre Vermelha, Lovellian não queria que o equilíbrio de poder entre as Torres fosse destruído. Quem saberia o que poderia acontecer se Melkith, que já era tão impulsiva e egocêntrica, passasse a deter mais poder do que os outros Mestres de Torre?

    “Com a personalidade dela, pode até não querer se envolver com os assuntos cotidianos de Aroth, mas… ainda assim não é bom deixar tanto poder nas mãos de uma só Mestra de Torre”, pensava Lovellian.

    Um exemplo atual disso era o Mestre da Torre Negra, Balzac Ludbeth. Mesmo em Aroth, ele precisava ser tratado com consideração especial. Isso se devia ao Rei Demônio do Encarceramento, que havia firmado um contrato com Balzac e lhe dava apoio. Balzac era tanto o Mestre da Torre Negra quanto, ao mesmo tempo, o embaixador de Helmuth.

    — Por que você tem que continuar tentando atrapalhar? — questionou Melkith.

    Lovellian respondeu com outra pergunta:

    — Por que você continua sendo tão gananciosa quando já tem contratos com dois Reis Espirituais?

    — Velho miserável. Acha mesmo que não sei do que você tem medo? Está com tanto receio assim de que eu cause o caos depois de firmar contrato com o Rei dos Espíritos do Vento?

    — Então está bem ciente disso.

    — Ei! Mesmo depois de tantas décadas me conhecendo, ainda não me entende? Não vê que não tenho o menor interesse na dor de cabeça que é se meter nos assuntos internos de Aroth?

    — Embora você diga isso agora, uma vez que obtenha poder demais, isso pode acabar te corrompendo.

    Lovellian não levantou a voz. Apenas continuou a encarar Melkith com um olhar calmo, e ela não conseguiu rebater, apenas cerrou os dentes em frustração.

    — …Você realmente é um patriota impressionante. Desde quando ficou tão devotado a Aroth? — perguntou Melkith, sarcástica.

    Lovellian respondeu com tranquilidade:

    — Só não quero me afastar e deixar que surjam ainda mais distúrbios. Balzac já é mais do que o suficiente para me dar dor de cabeça.

    — Hah! Do jeito que está falando, até parece que Balzac realmente está tramando alguma coisa — Melkith zombou. — Lovellian Sophis, embora eu saiba bem o quanto você detesta magos negros, às vezes você exagera demais. Não acha que deveria evitar julgar mal as pessoas por causa dos seus preconceitos?

    — Preconceitos? — Os lábios de Lovellian se curvaram num sorriso debochado. — Perdi minha família por causa da tentativa de experimentação humana de um mago negro. Bem diante dos meus olhos, fui forçado a assistir minha mãe, meu pai e minha irmã se contorcendo como partes de uma única quimera. Se meu mestre não tivesse me salvado, eu teria passado pela mesma coisa e me tornado parte daquela quimera.

    …Ugh… — Melkith fez uma careta.

    — Então, não é natural que eu deteste magos negros e tenha preconceitos contra eles? — Lovellian pressionou.

    — …Eu… falei besteira. Desculpe — Melkith se desculpou. — Você tem todo o direito de odiar magos negros. Mas… Balzac ainda é inocente, não é?

    — Não posso afirmar isso com certeza — resmungou Lovellian, balançando a cabeça. — Você consegue dizer com total convicção que Balzac não está por trás da podridão que ocorre na Rua Bolero? Ultimamente, várias pessoas somem da Rua Bolero todos os anos. E esse tipo de desaparecimento não acontece só lá, mas em várias outras partes de Aroth também.

    — …Não há provas de que os magos negros estejam por trás disso… — Melkith argumentou com fraqueza.

    — Claro que não há. Por isso não tentei interrogar o Balzac. Mas há um fato que não podemos ignorar. Pelo que sei, os únicos que gostam de sequestrar desconhecidos são os magos negros.

    — …Não me importa se você odeia magos negros ou se desconfia do Balzac — cuspiu Melkith, reunindo sua raiva. — Sei do que está tentando me proteger. No entanto, juro pela minha mana que não tenho intenção de abusar do meu poder e causar confusão. Mesmo que eu consiga firmar um contrato com o Rei dos Espíritos do Vento, não farei nada que desonre minha posição como Mestra da Torre Branca.

    — Muito bem, então — Lovellian aceitou com facilidade.

    — …O quê? — Melkith teve dificuldade em responder.

    — Se você jurou pela sua mana, então acho que só me resta confiar em você, não é? — Lovellian sorriu calorosamente, como se sua frieza anterior fosse apenas encenação.

    Vendo isso, Melkith não pôde deixar de estalar a língua.

    Tch… esse velho com cara de raposa…!1

    — Não fique tão ofendida. Se eu tivesse simplesmente pedido pra você jurar um voto, você teria aceitado? — Lovellian lhe perguntou.

    Melkith não conseguiu pensar em nenhuma resposta e só pôde erguer os punhos cerrados em raiva. Se pudesse, ela realmente teria ido até Lovellian, agarrado-o pela gola e apertado sua garganta até espremer suas amígdalas.2

    — …Ah, mas é claro — Lovellian se lembrou. — A escolha ainda é do Eugene. Me desculpem por ter me desviado do assunto.

    — Tudo bem — Eugene respondeu educadamente.

    Ele não se sentia particularmente ofendido pela atitude cautelosa de Lovellian. Na verdade, estava mais interessado nas suspeitas do Arquimago em relação a Balzac. Afinal, Eugene compartilhava o mesmo desgosto por magos negros.

    Quando se encontrou com Balzac por causa do incidente anterior com Eward, Balzac havia traçado uma linha entre si e os outros magos negros, dizendo que nunca havia cometido nenhum crime. Eugene definitivamente não conseguia acreditar nessas palavras. Todos os magos negros que conheceu até hoje se revelaram verdadeiros filhos da mãe.

    — Estive pensando, mas… não tenho muita vontade de ter um cajado — Eugene admitiu.

    — Se alguém ouvisse você dizendo isso, acharia que eu estava apenas te dando um cajado. Garoto, eu só estou te emprestando, entendeu?! — Melkith insistiu.

    — Permita-me deixar isso claro desde já, mas só poderei emprestar Wynnyd por alguns dias — Eugene esclareceu. — Mas se isso significa que só poderei pegar emprestado um dos artefatos da Mestra Melkith por no máximo alguns dias também, então nem vale a pena seguir com isso.

    — Você… Sabia! Sabia que você era um pirralho irritante — rosnou Melkith, os ombros tremendo de raiva, enquanto alternava o olhar entre Lovellian e Eugene.

    Agora que lembrava bem, parecia que os dois já haviam combinado o que dizer para se aproveitarem dela.

    — …Vamos fazer uma troca de um ano por dia — Melkith cuspiu. — E essa é a melhor oferta que você vai conseguir. Se me emprestar Wynnyd por um dia, eu vou te emprestar um dos meus artefatos por um ano inteiro.

    — Então, se eu te emprestar Wynnyd por uma semana, você vai me deixar pegar o artefato emprestado por sete anos? — Eugene confirmou.

    Melkith respondeu a contragosto:

    — Exato!

    Surpreso, Eugene perguntou:

    — Você precisa mesmo ir tão longe só pra pegar emprestado Wynnyd?

    — Não me faça repetir de novo. Eu preciso firmar um contrato com o Rei dos Espíritos do Vento a qualquer custo! — Melkith gritou, rosnando de frustração. Agora que havia confessado seu desejo, não se conteve mais e continuou: — O que estou dizendo é que, desde que me tornei uma invocadora espiritual, tudo o que sempre quis foi assinar um contrato com o Rei dos Espíritos do Vento. O Rei dos Espíritos do Relâmpago e o Rei dos Espíritos da Terra são ótimos, mas eu preciso firmar um contrato com o Rei dos Espíritos do Vento!

    — Por quê? — Eugene perguntou diretamente.

    — Ora, por que mais! Porque o Grande Vermouth foi o último a firmar um contrato com o Rei dos Espíritos do Vento! — Melkith gritou mais uma vez. — Nenhum dos grandes invocadores espirituais que firmaram contratos com Reis Espirituais antes de mim conseguiu fazer um contrato com o Rei dos Espíritos do Vento. Talvez você não saiba disso, mas entre invocadores espirituais como eu, o Rei dos Espíritos do Vento é… hum… ele é como um sonho pra nós. Pode não significar muito pra você, já que nasceu na família Lionheart, mas assim como alguns magos reverenciam a Sábia Sienna, alguns invocadores espirituais reverenciam muito o Grande Vermouth.

    1. Em vez de ‘raposa’, o original coreano usa uma espécie de cobra como comparação.[]
    2. O original coreano da expressão descreve isso como apertar até espremer o ‘tordo’ da garganta.[]
    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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