O Dom é intrínseco à alma; a alma se conecta ao corpo, o corpo à alma, e a aura e o corpo são entrelaçados, ou seja, são um só. Portanto, a aura e a alma não mantêm contato.

    O fato de Jax ter conseguido evocar uma explosão de pura luz se dá por conta de sua aura vinculada à alma. O Mugen, como o próprio nome diz, é ilimitado. Jax alterou as condições de seu Dom, transformando as propriedades elétricas em pura energia luminosa.

    — Sally… há quanto tempo — ele disse, fingindo surpresa.

    A voz familiar trouxe um desgosto imediato para Sally, que se levantou usando o joelho como apoio. Ela o perfurou com os olhos, não conseguindo conter o descontentamento que sentia ao vê-lo.

    — Parece que você foi atacada por um urso — zombou, após analisar as vestes ensanguentadas e rasgadas dela. — Quer um lenço?

    — O que você faz aqui, Jax? Essa ilha não pertence à área de atuação do Pilar do Leste. — A voz de Sally saiu quase como um rosnado, ela se conteve, pois sabia que ele apenas queria perturbá-la.

    — Não havia nenhum caçador disponível no Pilar do Sul, então fui mandado para cá. — Ajeitou seu gorro com um leve puxão. — E o que você faz aqui?

    Ela suavizou sua expressão aborrecida, mas suas sobrancelhas franziram de modo quase imperceptível. Responder às perguntas de Jax não era nada agradável; era como se cada palavra que ele soltasse daqueles lábios que apenas se curvavam em um sorriso de deboche fosse para tirar sua paz.

    — Pegamos o teletransporte para ir à Central do Pilar do Leste, mas por algum motivo ele falhou.

    — Pegamos? — repetiu, se aproximando dela, sem demonstrar interesse pelo teletransporte ter falhado.

    — Estou com o pupilo da Senhora Blanc. — Sally não recuou, apenas cerrou os punhos em um sinal de desafio, ou melhor, para avisá-lo de que não tinha medo.

    — Sério? — Ele notou o aviso; seus olhos subiram dos punhos para encarar as íris dela. Seu tom de voz, postura e sorriso denotavam uma intenção maliciosa. — E onde ele está agora?

    Passos apressados ecoaram pelo corredor, chamando imediatamente a atenção de Sally e Jax. Kenji visualizou toda a família real inconsciente, mas não demonstrou choque ou pena, somente uma surpresa sutil. Ele estava mais curioso com a explosão de luz que havia ocorrido.

    — O que foi aquele clarão?! Eu quase fiquei cego!

    Jax analisou Kenji da cabeça aos pés e, depois de fazer seu julgamento, deu dois leves tapas no ombro de Sally e sussurrou em seu ouvido: — Ele não vai durar nem um mês.

    Sally não reagiu à primeira impressão de Jax sobre Kenji. Parecia que, nisso, ela concordava com ele.

    Sem sequer olhá-lo nos olhos, Jax passou por Kenji como se ele não fosse ninguém — o que o incomodou de certa forma; suas sobrancelhas brancas se ergueram à medida que os olhos âmbar o seguiam, fitando aquela feição exalando desdém e o gorro que ele genuinamente achou que combinava com seu estilo e o acentuava.

    Jax se agachou ao lado de Elizabeth. Seu olhar predatório fitou os lábios entreabertos dela. Seus olhos exalavam uma fome lasciva enquanto vagavam pelo decote expondo as curvas dos seios, mas o pescoço pálido e delicado foi o que mais o atraiu.

    Vendo as ações dele, Sally rapidamente percebeu suas intenções. Ela grunhiu internamente e mordeu a mandíbula, gritando a si mesma para fazer algo, mas se sentiu incapaz de qualquer coisa. Essa frustração apertou o peito e acelerou sua frequência cardíaca.

    — Vamos, Kenji. — Ela agarrou o pulso dele e o puxou para seguir adiante pelo corredor. — Vamos entrar em contato com a Central do Pilar do Leste. Ele não é problema nosso.

    — Mas…

    — Apenas cale a boca.

    Kenji foi arrastado por Sally. Ele olhou por cima do ombro, preocupado com a princesa, mas logo se convenceu de que estava tudo bem, afinal, ela estava sob os cuidados de um funcionário da Fundação.

    Vagando pelo castelo colossal, ambos se encontravam em um enorme labirinto. Havia centenas de quartos, salas e corredores. Todos os cômodos eram luxuosos, espaçosos e adornados por móveis avermelhados, mas nada que os surpreendesse. Toda essa riqueza não era nada comparada às maravilhas vistas na floresta das árvores colossais.

    Eles não tiveram nenhum encontro desagradável; apenas interagiram brevemente com algumas servas e servos e trocaram olhares com alguns membros do alto clero.

    Depois de quase meia hora, uma robusta porta feita de obsidiana polida chamou a atenção de Sally. Ao entrar por ela, pôde ver, no extremo do salão negro adornado por gigantescas rachaduras expelindo um brilho violeta, um grimório flutuando alguns metros do chão, emanando mana própria. Um líquido preto, quase pastoso como graxa, escorria pelas bordas das páginas. Também havia uma névoa escura rodeando em espiral o grimório.

    “Foi o que pensei…”

    O feitiço para roubar a mana e os feitiços dos Elfos Pálidos estava ativado, mas…

    “Parece que eles não conseguiram decifrar o restante dos detalhes do feitiço. Apenas concluíram o primeiro passo.”

    Cuidadosamente, Sally passou a ponta dos dedos pela borda da capa preta do grimório, sentindo a textura úmida e viscosa. Por conta desse contato sutil, ela conseguiu reconhecer a índole e o tipo do grimório.

    “Isso não é bom…”

    Lendo atentamente o que estava escrito em uma língua estranha, semelhante à mistura do idioma alemão e hebraico, com algumas acentuações do português, sentiu um calafrio ameaçar percorrer sua espinha.

    “A primeira etapa do feitiço poderia fazer um estrago considerável aos Elfos Pálidos… Para absorver completamente a mana, seria necessário refletir a luz do meio-dia no Prisma Onírico e realizar um sacrifício de sangue consanguíneo… O Rei pretendia sacrificar seus filhos?”

    “Que nojo.”

    Com uma carranca, agarrou o grimório e o arrancou do ar para então segurá-lo sob o braço.

    — O que você pensa que está fazendo? — questionou a Kenji que afastou a orelha da parede de pedras negras assim que a ouviu.

    — Estou procurando por alguma passagem secreta — ele respondeu, ainda mantendo o foco na parede.

    — Procurando por uma passagem secreta — Sally repetiu inexpressivamente, achando banal a ideia de ter uma passagem secreta naquele salão.

    Quando sua pequena paciência se rompeu, ela revirou os olhos e se retirou apressadamente.

    “Moleque idiota.”

    Ao ficar sozinho, subitamente Kenji se lembrou dos eventos na floresta. Não foram coisas boas que aconteceram na ausência de Sally. Sentindo o desconforto de estar sendo observado, correu não tão depressa para fora do salão, sem olhar para trás ou fechar a porta.

    — Então, como vamos para a Central do Pilar do Leste? — perguntou com uma pitada de nervosismo, a acompanhando lado a lado.

    — Geralmente, o caçador tem um prazo de quarenta e duas horas para concluir a missão. Amanhã pela manhã, talvez os zeladores já estejam aqui — ela disse sem delongas.

    — Zeladores? — Colocou a mão sobre a boca e soltou um bocejo longo e preguiçoso.

    — Vou ser direta e clara. — Prosseguiu caminhando. — Os Zeladores são especializados em limpar as bagunças dos caçadores após suas missões, além de serem mestres na arte do teletransporte. Os Caçadores são funcionários aptos a realizarem missões perigosas, como conter anomalias, proteger seres míticos ou mitológicos, impedir que raças entrem em conflito e, é claro, caçar aqueles que buscam de alguma forma desequilibrar o sul, leste e oeste do Ocidente.

    — Pensei que a Fundação fosse influente em todo o mundo — disse surpreso.

    — Caso não saiba, a Fundação é quase que medíocre.

    Kenji refletiu sobre o que acabou de ouvir e tentou a todo custo processar esta informação. A ideia de que a Fundação, uma instituição que ele considerava poderosa e globalmente influente, fosse apenas medíocre não fazia sentido. Era uma ideia absurda. Se ela não era tão importante quanto ele pensava ser, então que forças maiores a tornavam pequena?

    Nos cinco minutos seguintes, o sono havia pesado sobre seus olhos e ombros gradualmente, o que obviamente interrompeu seus pensamentos. Ele não havia dormido regularmente, passou fome, frio e sede, e quase havia morrido duas vezes. Sem falar das olheiras geladas, que já eram uma característica perpétua. Logo, a única coisa que restava em sua mente era um bom lugar para dormir.

    No momento, para ele, nada seria melhor que uma cama e um cobertor.

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