Desceu as escadas com passos pesados, provocando o eco de suas botas de borracha contra a madeira gasta. Jax Bennett havia notado que o ar, antes ameno, tornou-se áspero e denso. Ao passar pela recepcionista, ele a lançou um olhar de escárnio pelo canto dos olhos, o que a deixou ainda mais tensa. 

    E a porta foi aberta à força pelo seu punho impaciente.

    O vento das nuvens negras e espessas havia dissipado a última brisa suave de Ironstorwill. Foi algo súbito. Os jornais esquecidos voaram para longe antes de serem rasgados pelas gotas pesadas de água. As ruas e vielas se tornaram rios violentos. 

    A atmosfera se tornou cinzenta e pesada. O ar úmido sufocava toda a cidade, impossibilitando caminhar pelas ruas sem sentir um aperto nos pulmões e pressão nas vias respiratórias, entretanto, não para Jax. Ele marchava contra o vento e as águas sem esforço, como se toda essa tempestade fosse um mero chuvisco, e sequer se importou com essa mudança abrupta de clima.

    Os postes de querosene foram desafixados do chão pelo vento e força da correnteza. O meio-dia foi deformado e tornou-se uma noite, uma noite que trouxe consigo uma tempestade tão violenta que os homens abandonaram seus cavalos, ainda presos nas carroças, e invadiram as casas mais próximas. E, inevitavelmente, os cavalos morreram afogados.

    As fábricas de Theodore também se tornaram abrigos — mas não havia mais luz, não havia um resquício de claridade em toda cidade. Portanto, Jax seguia em meio à escuridão chuvosa e cadáveres, caminhando contra a correnteza cinzenta.

    Mudou o curso de seus passos e subiu quatro degraus para entrar em uma viela. Suas vestes encharcadas deram impressão de que ele lutou para mudar de direção. Depois que parou diante de uma porta desbotada, levou sua mão até a maçaneta e a abriu lentamente.

    A luz das velas sobre a mesa, cômoda e armário foi ameaçada pela rajada de ar repentina, mas logo cortada quando Jax fechou a porta. O uivo aguado e abafado da tempestade foi o que restou, além das roupas encharcadas de Jax, que gotejavam na tábua velha e solta. Ele permaneceu encarando sua própria mão, segurando a maçaneta por alguns segundos. 

    As tábuas rangeram ligeiramente quando ele se virou. Seus olhos fitaram o casal de meia-idade acomodado no sofá largo e aquecido pelas cobertas de pele.

    Eles permaneceram em silêncio por longos segundos, e Jax parecia estar esperando que dissessem alguma coisa.

    — Nunca pensei que voltaria aqui — disse o homem, com o seu braço por cima dos ombros da mulher. Claramente, um gesto de proteção e acolhimento.

    — Fico feliz por ter me reconhecido. E eu também nunca me imaginei pisando neste nojo de cidade novamente.

    — Por que voltou? — Ele levantou o braço de cima dos ombros da mulher e se inclinou para frente, encarando Jax como se guardasse rancor. 

    — Eu não queria voltar para esse continente, porque sabia que teria que fazer o que estou prestes a fazer agora. Dizer o que sempre quis dizer antes de sumir.

    — O que isso quer dizer? — indagou a mulher, seu tom desesperado era notável, e seu semblante era de alguém doente. 

    — Outras terras, como vocês chamam — respondeu Jax, consciente de que essa não era a resposta que ela queria ouvir. — E admito que me esforcei para esquecer muitas coisas dessa cidade.

    As sobrancelhas do homem franziram ao ouvir as últimas palavras de Jax. E ele disse, como se guardasse rancor: — E provavelmente, com esse esforço, conseguiu realizar o seu tão aclamado sonho, não é?

    — Ah, sim… Eu realizei. Conheci tantos lugares, tantas anomalias incríveis que agora existem poucas coisas que me despertam interesse. — Abriu um sorriso. — Enquanto vocês, estavam aqui, mofando. Deveriam sair por aí, viver, explorar, arriscar o que têm, mas preferem viver como ratos. É por isso que tenho nojo de vocês dois, de todos desta cidade, menos é claro, de um tal de Theodore, ele provou ser ousado, mas é lamentável. Ninguém navega pelos oceanos com navios normais.

    — Henry…

    — É Jax agora, Jax Bennett — ele interrompeu a mulher. — Vocês dois serão responsáveis por isso agora. Quando ouvirem algo sobre Henry, digam que Henry não existe mais.

    Ela abaixou seu semblante abatido, pois o que acabou de ouvir machucou seu coração de tamanha forma, que lágrimas silenciosas desceram por suas bochechas.

    — Patético. — O homem se levantou abruptamente, cerrando os punhos.

    — O que vai fazer, velho? — Jax exclamou e retirou seu gorro em um gesto de desafio, erguendo levemente o queixo. — Eu nunca precisei de vocês. Dentre todas as pessoas dessa cidade, vocês foram os mais insuportáveis! E eu também nunca precisei do maldito Alfred. Eu fui embora dessa cidade, desse continente, sozinho. Agora tenho o emprego dos sonhos e não preciso ser obrigado a trabalhar numa porcaria de impressa de jornal.

    Ouvir esse desabafo forçou o homem a refletir por um instante. Ele soltou um suspiro derrotado e se sentou novamente com relutância.

    — Você é bom demais, não é? Admiro a sua vontade — admitiu ele, mas de certa forma, deprimido, pois não teve coragem para manter contato visual.

    Após as palavras dele, a mulher inclinou seu torso para frente, como se estivesse prestes a se levantar. Ela levou seus braços trêmulos em direção a Jax, como um convite desesperado para abraçá-lo. Sua voz trepidou devido às lágrimas torcendo sua garganta, e implorou: — Eu te amo tanto… tanto… Por favor, volte para mim… Eu te amo, Henry querido…

    Jax bufou com a súplica dela. Franziu as sobrancelhas como se fosse juntar elas para formar uma só, e disse em um tom desdenhoso: — Não se preocupem, eu não tenho rancor de vocês. Afinal… não passam de um homem e uma mulher. São apenas duas pessoas, e nada mais. — O canto de seus lábios foram curvados por um alívio e escárnio.

    Seus olhos alegres observavam a mulher ansiosa e triste escondendo parte de seu rosto caído com uma mecha de cabelo, e o homem olhando fixamente para os pés do armário, como se estivesse perdido em pensamentos.

    — Mais algo a dizerem? — Jax pôs o seu gorro encharcado sobre a cabeça e o ajustou com puxões e torções.

    Um silêncio foi dado como resposta, nada mais que isso. O que restou, foi apenas a luz tênue das velas, a penumbra onde a claridade mal alcançava, e o som abafado e desastroso da tempestade.

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