Capítulo 23 - Parasita
Uma chuva pesada, impiedosa, havia atingido Sally Dakis ao sair da cidade. Era quase tão intensa quanto a que houve em Ironstorwill. Um jornal relatando a tempestade descomunal, que ela havia pegando antes da chuva desmanchar a mesma, comprovou uma suspeita sua, deixada de lado por ser relativamente inútil no momento.
O título do jornal dizia: “A TEMPESTADE INCLEMENTE”.
E no primeiro trecho do primeiro parágrafo estava: “A tempestade devastadora, que anteriormente arrasou as cidades localizadas a oeste e ao norte, avançou em direção ao sul, atingindo a cidade de Ironstorwill.”
A cidade fazia jus ao nome, conhecida por ter a maior mineração de ferro do sul da Nova Pangeia. Somente algumas residências e estabelecimentos escaparam da enchente por estarem em uma altitude um pouco mais elevada.
Sally tinha a absoluta certeza de que o mago era responsável por essa tempestade.
As mortes súbitas inexplicáveis começaram exatamente há sete semanas. As cidades do oeste foram as primeiras, depois as do norte, e enfim a do leste. E por mais que o surto de mortes estivesse agora concentrado na cidade do leste, não significava que cessaram nas outras.
As únicas informações que Sally Dakis, Jax Bennett e Jade Valderbilt obtiveram antes de iniciarem a missão, foram que as cidades da região sul da Nova Pangeia estavam sofrendo de mortes instantâneas.
Sally, marchando debaixo da tempestade inclemente e contra a ventania impiedosa, soprando uma baixa maré de areia, recapitulou que: o mago se encontrava próximo à catedral, ou seja, ele possuía um método inteligente para espalhar o efeito do feitiço mesmo estando distante. Portanto, Jax Bennett e Jade Valderbilt não encontrariam nada de útil, a não ser pistas de como o feitiço estava sendo executado. O que era improvável para Sally, pois ela acreditava que se podia descobrir somente através de uma autópsia. E até onde seu conhecimento alcançava, nem Jade e nem Jax sabiam realizar uma autópsia meticulosa.
Sally não tinha dúvidas de que era algo que os habitantes consumiam.
E se realmente o monge concedia bençãos, essas que talvez diminuíram os casos de mortes súbitas, ele não apenas sabia de algo, mas também estava envolvido.
Por fim, relacionar o caso de Garhata com o atual nunca foi prioridade. Porque até o momento, não houve indícios de evidências concretas, apenas a suposição do administrador ruivo.
Conforme Sally deixava a cidade, também se afastava da tempestade. A luz tênue do sol era morna e reconfortante. Ela tirou sua boina encharcada pela aba e sacudiu várias vezes ao lado da coxa, antes expelir quase toda a água com uma única torção. E o seu sobretudo não ficou de lado.
O vento ainda era palpável. Ele soprava suavemente, trazendo consigo pedaços de gramas que vieram ao longe.
A areia fria do mar de dunas rasas por onde Sally percorria, possuía um aroma semelhante ao “cheiro de chuva”, uma fragrância terrosa, úmida e orgânica. Essa areia pesada, sendo marcada pelas pegadas de suas botas, definitivamente tornaria a viagem de um humano comum uma verdadeira luta.
Sally subiu e se posicionou no cume de uma das milhares dunas, e observou um rebanho com mais de 500… búfalos? Robustos como um, os animais que Sally observou brevemente, possuíam chifres enrolados de bode, uma juba negra como a de um leão, e uma pelagem escura de cavalo. A juba extensa, quase cobrindo seus olhos, se alastrava do centro da cabeça até o meio das costas. Eles vagavam lentamente em direção ao campo de colinas.
Um deles, seguindo em direção oposta, ergueu o pescoço e encarou Sally. Mas ela estava incomodada demais com o mal-cheiro para se importar ou sequer notar isso.
“Que fedor. Odeio animais.”
E devido ao mal-cheiro, decidiu seguir longe do rebanho, mesmo que a atrasasse a chegar ao seu destino.
Foram exatos nove minutos para finalmente se afastar deles. As engrenagens de sua cabeça começaram a girar lentamente em consequência ao estresse gerado por achar que, até agora, não conseguiu prosseguir um passo na missão. Pois talvez o monge fosse apenas um charlatão, ou cego pela própria fé de que poderia abençoar. Portanto, havia grandes chances de ser uma perda de tempo — mas não importava mais, ela sabia que chegou longe demais para voltar atrás.
E ela prosseguiu caminhando, focada somente em chegar ao campo de colinas o mais rápido possível sem gastar tanta energia. Entretanto, seus passos foram interrompidos por batidas pesadas contra a areia que sua audição pôde captar de longe.
O semblante estressado de Sally endureceu de aborrecimento ao olhar para trás e ver o espécime de búfalo a perseguindo em velocidade máxima. No entanto, assim como fez com aquela fera na Ilha do Véu Negro, fechou o punho esquerdo emanando aura à medida que o erguia, mirando no crânio do animal. Ela pretendia estilhaçá-lo com apenas um soco.
Um estalo de ossos sendo quebrados ecoou pelo ar vazio sobre um mar de areia.
Pasmos, seus olhos arregalados fitando o pulso estourado e o antebraço quebrado sob a manga do sobretudo, enquanto o animal apenas deu alguns passos atordoados para trás.
“…”
Sally recuou com um gemido apavorado enquanto rasgava a manga do sobretudo. Em poucos segundos, envolveu o pulso com a mão sã e deu um nó apertado com os dentes. Para tratar o antebraço seria necessário mais tempo, coisa que ela não tinha agora.
O animal, a oito metros de distância, se afastou à medida que se contorcia como se algum parasita roesse sua coluna. Ele caiu, e seu corpo se debateu violentamente contra a areia.
Sally encarou esta cena com nervosismo e ânsia. E de repente, a cabeça dele explodiu, causando uma insignificante chuva de sangue, pedaços de cérebro e ossos.
Logo após, sem a dar tempo para respirar, uma centopeia enorme expeliu de dentro do animal em direção aos céus, o reduzindo a um amontoado disperso de carne. E foi o que chocou Sally, pois pelo tamanho desta criatura, era praticamente impossível seu corpo caber em um espaço tão pequeno — pois era largo como uma águia de asas abertas. O que deveriam ser suas centenas de patas, eram braços humanos esguios e ensanguentados, e as mãos estavam torcidas como se estivessem quebradas.
“Uma besta-fera?!”
— Uma besta-fera!!? — Sally berrou, indignada, retirando da pochete, uma espada curta.
A centopeia enorme sem placas de exoesqueletos, mas com tumores e chagas expelindo sangue, contendo milhares de olhos esbugalhados, se dobrou como uma serpente pronta para dar um bote.
A duna sob Sally desmanchou com o impacto da mandíbula deformada da criatura, cujas presas se assemelhavam às de uma formiga. Com um movimento ágil, ela desviou e desferiu um golpe no formato de um arco na barriga da besta, abrindo um corte profundo. A fera rugiu de dor, contorcendo-se no ar, e sacudiu-se até lançar Sally para longe.
Aos olhos da criatura, Sally era como um leopardo infatigável. A caçadora, mais uma vez, desviou do bote da besta-fera com um salto inumano. Uma explosão de areia inundou o ar e, à medida que ela caía, cravou novamente a espada nas costas da besta, rasgando as chagas e tumores no processo e amortecendo sua queda. O sangue espirrou e se misturou com a areia preta, formando uma chuva vinho e árida por um breve instante.
Sally saltou e recuou vários passos com as sobrancelhas franzidas, e guardou sua espada de volta na pochete, observando a criatura se contorcendo e rugindo de agonia. Com dificuldade, ela puxou uma alabarda do bolso sem fundo. As peças cortantes da mesma eram feitas de obsidiana, que provavelmente ao entrar em contato com uma superfície resistente, quebrariam.
Entretanto, Sally especializou sua aura em fortificar o objeto que mantinha contato, o tornando resistente ao ponto de se assemelhar ao grafeno.
No entanto, antes que pudesse avançar, a areia sob seus pés tremeu, como um pequeno terremoto, o que estimulou seu foco e a instigou a recuar lentamente. A besta-fera se revelou ser muito maior do que Sally pensava, portanto, ela não estava dentro daquele espécime de búfalo, mas de alguma forma, conectado com ele. Seu comprimento ultrapassava os 42 metros.
“Tem algo de muito errado nesse continente…”, rosnou internamente, depois se posicionou com determinação; jogou para a esquerda, horizontalmente, a alabarda para trás, mas ainda segurando frouxamente na ponta da haste. A areia se camuflou e enterrou parte da lâmina meia-lua e a peça pontiaguda.
As presas da besta-fera se abriram tanto que rasgaram a mandíbula, causando um sangramento tão intenso que encobriu a areia sobre a sombra medonha do seu crânio. O seu corpo doentio se dobrou no ar mais uma vez.
As botas de Sally deslizaram lentamente na areia em direção à fera. E, assim que a fera se moveu, ela atirou-se em velocidade máxima.
Se não fosse pelo pulso e braço quebrados, Sally não teria tanto estresse para matá-la.
A besta-fera foi cortada em dois por um ataque quase giratório, um movimento que exigia extrema flexibilidade na cintura, quadril e cotovelo.
O sobretudo, a boina e a sua face estavam cobertos por listras de sangue, escorrendo até gotejarem na areia. Sally esperava por algo.
“Parasita nojento.”
Todo o sangue das duas metades do cadáver da centopeia escorreram, seu corpo se tornou seco como palha. Como se estivesse vivo, estava vivo, o sangue rastejou, carregando consigo uma enorme quantidade de areia. E se mesclaram, formando assim um aglomerado gelatinoso e sem forma.
Depois de alguns segundos, parte do sangue se moveu e solidificou para formar uma criatura indescritível. Sua cabeça de carne viva era tomada por várias bocas rasgadas, repletas de dentes humanos tortos e podres. A boca maior não permitia a existência de um queixo, pois se alargava até o meio do pescoço. Seu rosnado era idêntico ao de um gado sendo abatido cruelmente por um martelo.
Nuvens tampavam o sol. Um forte vento soprou, ondulando o sobretudo de Sally e expulsando parte do sangue sobre a superfície veluda. Mesmo com essa brisa repentina, o sorriso invertido e aborrecido pendurado pelas suas bochechas não vacilou.
O coração deformado e torcido da besta-fera pulsava para fora de seu corpo esguio, sendo erguido por inúmeras patas longas, como às de uma aranha, terminadas em garras no formato de ganchos. Feita completamente de carne moída, sangue gelatinoso e sólido, a criatura cambaleou em direção a Sally, como se estivesse sendo sustentada por pernas de bambu.
Podia-se dizer que foi um ato de desespero. A fera tentou engolir Sally, mas ela perfurou o seu coração com a alabarda, segurando firmemente no meio da haste. Suas patas sem forças permitiram que seu corpo ficasse pendurado pela peça pontiaguda. As garrafas, já frouxas, tentaram contra-atacar, porém, se desmancharam à medida que o coração parava de bater.
Tudo o que restou foi uma grande área manchada de sangue e pedaços de carne.
A lâmina da alabarda foi cravada na areia com um farfalhar surdo. Sally soltou um suspiro de alívio, depois, com esforço, levou com esforço o antebraço esquerdo para frente da coxa para que pudesse analisá-lo.
“Isso não é bom…”
No sul da Nova Pangeia, havia no total seis cidades. Uma ao norte, duas ao sul, duas ao oeste e uma ao leste. Cerca de 78% de toda a região sul era composta somente por areia negra, como se, outrora, vulcões ali reinassem. E os tufos de grama existiam somente próximos às enormes mãos rochosas.
Uma chuva pesada, impiedosa, havia atingido Sally Dakis ao sair da cidade. Era quase tão intensa quanto a que houve em Ironstorwill. Um jornal relatando a tempestade descomunal, que ela havia pegando antes da chuva desmanchar a mesma, comprovou uma suspeita sua, deixada de lado por ser relativamente inútil no momento.
O título do jornal dizia: “A TEMPESTADE INCLEMENTE”.
E no primeiro trecho do primeiro parágrafo estava: “A tempestade devastadora, que anteriormente arrasou as cidades localizadas a oeste e ao norte, avançou em direção ao sul, atingindo a cidade de Ironstorwill.”
A cidade fazia jus ao nome, conhecida por ter a maior mineração de ferro do sul da Nova Pangeia. Somente algumas residências e estabelecimentos escaparam da enchente por estarem em uma altitude um pouco mais elevada.
Sally tinha a absoluta certeza de que o mago era responsável por essa tempestade.
As mortes súbitas inexplicáveis começaram exatamente há sete semanas. As cidades do oeste foram as primeiras, depois as do norte, e enfim a do leste. E por mais que o surto de mortes estivesse agora concentrado na cidade do leste, não significava que cessaram nas outras.
As únicas informações que Sally Dakis, Jax Bennett e Jade Valderbilt obtiveram antes de iniciarem a missão, foram que as cidades da região sul da Nova Pangeia estavam sofrendo de mortes instantâneas.
Sally, marchando debaixo da tempestade inclemente e contra a ventania impiedosa, soprando uma baixa maré de areia, recapitulou que: o mago se encontrava próximo à catedral, ou seja, ele possuía um método inteligente para espalhar o efeito do feitiço mesmo estando distante. Portanto, Jax Bennett e Jade Valderbilt não encontrariam nada de útil, a não ser pistas de como o feitiço estava sendo executado. O que era improvável para Sally, pois ela acreditava que se podia descobrir somente através de uma autópsia. E até onde seu conhecimento alcançava, nem Jade e nem Jax sabiam realizar uma autópsia meticulosa.
Sally não tinha dúvidas de que era algo que os habitantes consumiam.
E se realmente o monge concedia bençãos, essas que talvez diminuíram os casos de mortes súbitas, ele não apenas sabia de algo, mas também estava envolvido.
Por fim, relacionar o caso de Garhata com o atual nunca foi prioridade. Porque até o momento, não houve indícios de evidências concretas, apenas a suposição do administrador ruivo.
Conforme Sally deixava a cidade, também se afastava da tempestade. A luz tênue do sol era morna e reconfortante. Ela tirou sua boina encharcada pela aba e sacudiu várias vezes ao lado da coxa, antes expelir quase toda a água com uma única torção. E o seu sobretudo não ficou de lado.
O vento ainda era palpável. Ele soprava suavemente, trazendo consigo pedaços de gramas que vieram ao longe.
A areia fria do mar de dunas rasas por onde Sally percorria, possuía um aroma semelhante ao “cheiro de chuva”, uma fragrância terrosa, úmida e orgânica. Essa areia pesada, sendo marcada pelas pegadas de suas botas, definitivamente tornaria a viagem de um humano comum uma verdadeira luta.
Sally subiu e se posicionou no cume de uma das milhares dunas, e observou um rebanho com mais de 500… búfalos? Robustos como um, os animais que Sally observou brevemente, possuíam chifres enrolados de bode, uma juba negra como a de um leão, e uma pelagem escura de cavalo. A juba extensa, quase cobrindo seus olhos, se alastrava do centro da cabeça até o meio das costas. Eles vagavam lentamente em direção ao campo de colinas.
Um deles, seguindo em direção oposta, ergueu o pescoço e encarou Sally. Mas ela estava incomodada demais com o mal-cheiro para se importar ou sequer notar isso.
“Que fedor. Odeio animais.”
E devido ao mal-cheiro, decidiu seguir longe do rebanho, mesmo que a atrasasse a chegar ao seu destino.
Foram exatos nove minutos para finalmente se afastar deles. As engrenagens de sua cabeça começaram a girar lentamente em consequência ao estresse gerado por achar que, até agora, não conseguiu prosseguir um passo na missão. Pois talvez o monge fosse apenas um charlatão, ou cego pela própria fé de que poderia abençoar. Portanto, havia grandes chances de ser uma perda de tempo — mas não importava mais, ela sabia que chegou longe demais para voltar atrás.
E ela prosseguiu caminhando, focada somente em chegar ao campo de colinas o mais rápido possível sem gastar tanta energia. Entretanto, seus passos foram interrompidos por batidas pesadas contra a areia que sua audição pôde captar de longe.
O semblante estressado de Sally endureceu de aborrecimento ao olhar para trás e ver o espécime de búfalo a perseguindo em velocidade máxima. No entanto, assim como fez com aquela fera na Ilha do Véu Negro, fechou o punho esquerdo emanando aura à medida que o erguia, mirando no crânio do animal. Ela pretendia estilhaçá-lo com apenas um soco.
Um estalo de ossos sendo quebrados ecoou pelo ar vazio sobre um mar de areia.
Pasmos, seus olhos arregalados fitando o pulso estourado e o antebraço quebrado sob a manga do sobretudo, enquanto o animal apenas deu alguns passos atordoados para trás.
“…”
Sally recuou com um gemido apavorado enquanto rasgava a manga do sobretudo. Em poucos segundos, envolveu o pulso com a mão sã e deu um nó apertado com os dentes. Para tratar o antebraço seria necessário mais tempo, coisa que ela não tinha agora.
O animal, a oito metros de distância, se afastou à medida que se contorcia como se algum parasita roesse sua coluna. Ele caiu, e seu corpo se debateu violentamente contra a areia.
Sally encarou esta cena com nervosismo e ânsia. E de repente, a cabeça dele explodiu, causando uma insignificante chuva de sangue, pedaços de cérebro e ossos.
Logo após, sem a dar tempo para respirar, uma centopeia enorme expeliu de dentro do animal em direção aos céus, o reduzindo a um amontoado disperso de carne. E foi o que chocou Sally, pois pelo tamanho desta criatura, era praticamente impossível seu corpo caber em um espaço tão pequeno — pois era largo como uma águia de asas abertas. O que deveriam ser suas centenas de patas, eram braços humanos esguios e ensanguentados, e as mãos estavam torcidas como se estivessem quebradas.
“Uma besta-fera?!”
— Uma besta-fera!!? — Sally berrou, indignada, retirando da pochete, uma espada curta.
A centopeia enorme sem placas de exoesqueletos, mas com tumores e chagas expelindo sangue, contendo milhares de olhos esbugalhados, se dobrou como uma serpente pronta para dar um bote.
A duna sob Sally desmanchou com o impacto da mandíbula deformada da criatura, cujas presas se assemelhavam às de uma formiga. Com um movimento ágil, ela desviou e desferiu um golpe no formato de um arco na barriga da besta, abrindo um corte profundo. A fera rugiu de dor, contorcendo-se no ar, e sacudiu-se até lançar Sally para longe.
Aos olhos da criatura, Sally era como um leopardo infatigável. A caçadora, mais uma vez, desviou do bote da besta-fera com um salto inumano. Uma explosão de areia inundou o ar e, à medida que ela caía, cravou novamente a espada nas costas da besta, rasgando as chagas e tumores no processo e amortecendo sua queda. O sangue espirrou e se misturou com a areia preta, formando uma chuva vinho e árida por um breve instante.
Sally saltou e recuou vários passos com as sobrancelhas franzidas, e guardou sua espada de volta na pochete, observando a criatura se contorcendo e rugindo de agonia. Com dificuldade, ela puxou uma alabarda do bolso sem fundo. As peças cortantes da mesma eram feitas de obsidiana, que provavelmente ao entrar em contato com uma superfície resistente, quebrariam.
Entretanto, Sally especializou sua aura em fortificar o objeto que mantinha contato, o tornando resistente ao ponto de se assemelhar ao grafeno.
No entanto, antes que pudesse avançar, a areia sob seus pés tremeu, como um pequeno terremoto, o que estimulou seu foco e a instigou a recuar lentamente. A besta-fera se revelou ser muito maior do que Sally pensava, portanto, ela não estava dentro daquele espécime de búfalo, mas de alguma forma, conectado com ele. Seu comprimento ultrapassava os 42 metros.
“Tem algo de muito errado nesse continente…”, rosnou internamente, depois se posicionou com determinação; jogou para a esquerda, horizontalmente, a alabarda para trás, mas ainda segurando frouxamente na ponta da haste. A areia se camuflou e enterrou parte da lâmina meia-lua e a peça pontiaguda.
As presas da besta-fera se abriram tanto que rasgaram a mandíbula, causando um sangramento tão intenso que encobriu a areia sobre a sombra medonha do seu crânio. O seu corpo doentio se dobrou no ar mais uma vez.
As botas de Sally deslizaram lentamente na areia em direção à fera. E, assim que a fera se moveu, ela atirou-se em velocidade máxima.
Se não fosse pelo pulso e braço quebrados, Sally não teria tanto estresse para matá-la.
A besta-fera foi cortada em dois por um ataque quase giratório, um movimento que exigia extrema flexibilidade na cintura, quadril e cotovelo.
O sobretudo, a boina e a sua face estavam cobertos por listras de sangue, escorrendo até gotejarem na areia. Sally esperava por algo.
“Parasita nojento.”
Todo o sangue das duas metades do cadáver da centopeia escorreram, seu corpo se tornou seco como palha. Como se estivesse vivo, estava vivo, o sangue rastejou, carregando consigo uma enorme quantidade de areia. E se mesclaram, formando assim um aglomerado gelatinoso e sem forma.
Depois de alguns segundos, parte do sangue se moveu e solidificou para formar uma criatura indescritível. Sua cabeça de carne viva era tomada por várias bocas rasgadas, repletas de dentes humanos tortos e podres. A boca maior não permitia a existência de um queixo, pois se alargava até o meio do pescoço. Seu rosnado era idêntico ao de um gado sendo abatido cruelmente por um martelo.
Nuvens tampavam o sol. Um forte vento soprou, ondulando o sobretudo de Sally e expulsando parte do sangue sobre a superfície veluda. Mesmo com essa brisa repentina, o sorriso invertido e aborrecido pendurado pelas suas bochechas não vacilou.
O coração deformado e torcido da besta-fera pulsava para fora de seu corpo esguio, sendo erguido por inúmeras patas longas, como às de uma aranha, terminadas em garras no formato de ganchos. Feita completamente de carne moída, sangue gelatinoso e sólido, a criatura cambaleou em direção a Sally, como se estivesse sendo sustentada por pernas de bambu.
Podia-se dizer que foi um ato de desespero. A fera tentou engolir Sally, mas ela perfurou o seu coração com a alabarda, segurando firmemente no meio da haste. Suas patas sem forças permitiram que seu corpo ficasse pendurado pela peça pontiaguda. As garrafas, já frouxas, tentaram contra-atacar, porém, se desmancharam à medida que o coração parava de bater.
Tudo o que restou foi uma grande área manchada de sangue e pedaços de carne.
A lâmina da alabarda foi cravada na areia com um farfalhar surdo. Sally soltou um suspiro de alívio, depois, com esforço, levou com esforço o antebraço esquerdo para frente da coxa para que pudesse analisá-lo.
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