Na extensa escada da mansão gótica próxima à cidade de Ravenwell, passos pacientes subiam os degraus cinza, adornados por um tapete vinho. À medida que os passos ficavam mais altos, as empregadas, desesperadamente, começaram a acender as velas dos castiçais dos corredores escuros.

    Beatrice foi a primeira a agir, ela quem deu os fósforos a Sophie, Evie e Grace. 

    Os cachinhos dourados de Sophie balançavam para um lado e para o outro enquanto corria com a ponta dos pés, acendendo as velas apressadamente. E por causa desta pressa, algumas velas não foram acendidas, então, Evie seguiu logo atrás, terminando o trabalho mal-feito.

    Grace focou em fechar e trancar todas as janelas, e Beatrice escondia as mesmas com as cortinas. Elas, tensas, como se estivessem prestes a receberem um imperador cruel, ajustaram as vestes e, checaram uma às outras. 

    No instante em que os passos alcançaram o topo da escada, seus corações foram preenchidos por um gelo seco que queimava.

    — Grace, seu cabelo! — sussurrou Beatrice, que puxou Grace pelo braço e penteou rapidamente uma mecha perdida do cabelo dela com os dedos.

    Depois de arrumá-la, elas se juntaram a Evie e Sophie que já estavam eretas, com as mãos postas em frente ao corpo, e alinhadas para receberem o sujeito que se aproximava. Embora estivessem nervosas, suando e a respiração quase falhando, elas mantiveram suas posturas imóveis.

    Quando menos esperavam, o dono dos passos as alcançaram. E, respectivamente, Beatrice, Sophie, Evie e Grace:

    — Seja bem-vindo de volta, Senhor. 

    — Sentimos falta de sua presença, Senhor.

    — Seja bem-vindo de volta, Senhor.

    — Senhor, seja bem-vindo, Senhor.

    Em silêncio, o tal Senhor passou pelas empregadas. Como um carrasco, a sombra dele pairou sobre elas por um instante, mas foi o suficiente para fazê-las engolir seco, com o coração apertado.

    O quarto de Lenora era o tão próximo destino. Enquanto se aproximava do mesmo, as velas dos castiçais se apagavam, como se as próprias vestes dele soprassem quando balançadas pelos passos pacientes, mas firmes. 

    Mesmo com os passos tomando distância, batendo contra a madeira áspera, as empregadas não ousaram saírem de onde estavam. O fato de já o receberem, não significa que poderiam mover um músculo. Era como se ele não tolerasse um erro sequer. E por estar de costas, é claro, havia uma certeza absoluta por parte das empregadas: este homem carregava um fardo imensurável em seus ombros.

    O aço frio da maçaneta foi girado e a porta aberta.

    A luz tênue adentrou-se pelo quarto, antes de sucumbir quando a porta foi fechada novamente. Mas a escuridão também não permaneceu, pois todas as velas dos castiçais foram acesas pelo tal Senhor, uma por uma, sem pressa.

    As pálpebras secas de Lenora foram abertas pela luminosidade insubstancial, que apenas expulsou a escuridão para rodear as cômodas ao lado da cama, a mesa redonda próxima à enorme estante de livros colada à parede, e um enorme piano bruto. Havia lamparinas e castiçais sobre cada um destes móveis. 

    — Como você está, minha doce Lenora? — Ele ajoelhou-se ao lado da cama, segurando a mão débil dela.

    Os olhos sem brilho de Lenora se moveram lentamente para encará-lo.

    — Deixe-me ver o brilho do Sol, Dharma. Só desta vez.

    Em resposta, ele aproximou as costas da mão dela até seus lábios, e roçou um beijo tão leve quanto algodão.

    — Não posso. Você sabe que eu não posso, querida. O sol irá matá-la.

    — O sol me trará paz…

    — Eu irei curá-la! — gritou, mas em seguida, percebeu que havia exagerado seu tom, e rapidamente aliviou sua expressão, e murmurou suplicante: — Me dê mais um pouco de tempo, por favor. Eu estou tão perto…

    — Dharma… Estou suportando essa dor há tanto tempo.

    — Aguente mais um pouco. Só mais um pouco. Não irei perdoá-la se partir agora.

    Depois de acariciar com os lábios a mão dela, e sentir o cheiro de sua pele manchada, ele murmurou mais uma vez: — Eu te imploro, Lenora. Eu estou tão perto de conseguir… Minha Lenora, não me deixe louco e só. 

    — Apenas mais três dias… — disse ele, de novo, depois se levantou, deixando a mão de Lenora descansar sobre o lençol de seda que a cobria. — Tenho um presente para você. 

    Lenora estava imersa em pensamentos, poderia se dizer que ela sequer prestou atenção nas palavras de Dharma, ou notar ele tirar uma minúscula muda de acácia que estava escondida sob seu manto de monge. 

    — Irei plantá-la no alto daquela enorme colina, onde é possível ver o nascer do sol. Quando estiver curada, irei levá-la para lá. E poderemos deslumbrar o nascer de uma manhã. — Mas antes… preciso resolver um assunto com um certo alguém.

    Finalmente, os olhos fracos de Lenora escaparam do transe e fitaram Dharma.

    — Estou confiando em você, meu amor — disse ela, sua voz fraca como um galho seco.

    Também havia uma trepidação em seu tom, uma agonia se escondendo debaixo de sua língua. De fato, a forma como ela mantinha seus olhos em Dharma, era como se estivesse desnudando sua confiança e amor perante ele. Mas, acima de tudo, indiscutivelmente, mesmo com tamanho amor, paixão e ardor — ela desejava debruçar-se em lágrimas.

    Lenora já não tinha forças para sequer se sentar sobre a cama.

    Enquanto Dharma se retirava do quarto, indo em direção às escadas, ele refletia sobre o pouco tempo que tinha. Entretanto, isso já não importava mais, assim como todas as coisas que fez para chegar a este ponto, assim como o seu passado. Não importava as consequências, apenas a sua vontade. Era apenas isto que seu olhar sério e imutável exalava à medida que descia os degraus. A cada passo, era enviada a sua mente, outrora boas e ruins memórias. Memórias antigas, mas tão bem lembradas quanto o ontem…

    — Dharma! Onde você está?!

    Ao ouvir o chamado do monge ancião, Dharma imediatamente levantou a cabeça e piscou os cílios duas vez em espanto e confusão. Sob ele, uma bela moça de cachos dourados, deitada sobre um campo de flores. Esta era Lenora.

    Nessa época, Dharma vestia vestes laranjadas e vermelhas, e não havia um fio de cabelo sobre sua cabeça. Com uma carranca, ele olhou para a direção onde o chamado veio, mas um sorriso repentino, amoroso e gentil quebrou o mau-humor logo em seguida.

    — Você tem que ir, mas não se preocupe, amanhã podemos continuar.

    Com um riso sorridente, Lenora respondeu: — Acho que eu não vou conseguir esperar.

    — Bobinha… Vamos! Levante daí! — Firmemente, mas com delicadeza, ele pegou a mão dela e a puxou para erguê-la. — Desça a montanha pela trilha. É mais seguro.

    — Dharma! Eu não quero caminhar — exclamou, cruzando os braços. — Não quero fazer esforço.

    Vendo a feição aborrecida e fofa dela, Dharma não conseguiu conter um riso ligeiro.

    — Não faça beicinho para mim! E qual o problema de andar mais alguns quilômetros?

    Com a pergunta dele, Lenora avançou um passo, suavizou suas feições e sorriu timidamente. Seu tom de voz tão tímido quanto.

    — Porque… pode ser ruim para o bebê.

    O corpo de Dharma petrificou abruptamente. Suas pupilas dilatadas trepidaram e seus lábios se abriram para soltar um suspiro quase ofegante, antes é claro, de se curvarem exageradamente como um arco.

    — Bebê? Você está grávida?!

    Lenora tomou um pequeno susto quando ele a abraçou de repente, e soltou um grito quando foi erguida para o alto.

    — Dharma! Me coloque no chão!

    — Eu serei pai!! — Soltou-a e dobrou os joelhos para segurar a mão dela. — Lenora querida, juro que iremos nos casar antes desse bebê receber em sua pele a doce luz da vida. Mas por favor, preciso que vá agora, se o mestre ancião notá-la estará tudo perdido.

    E ela sorriu em resposta, um sorriso meigo, emocionado e apaixonado. 

    — Sim! Tudo bem!

    Em forma de despedida, os lábios de Dharma se encontraram com as costas da mão dela, depois, subiram apaixonadamente para seus lábios pequenos e ansiosos. E por somente um segundo, se tornaram um só. Um beijo tão leve, mas tão ardente quanto a brasa de uma fornalha.

    — Vá!

    Enquanto a observava correr animadamente pelo campo de flores, suas mãos se agarraram nas vestes em ansiedade. Seu coração ardia com o amor que sentia. Tão apaixonado, que não notou o mestre ancião há alguns metros atrás dele.

    — Para onde está olhando, Dharma? 

    — Para o paraíso — disse com serenidade.

    — O paraíso se encontra em nossos corações. Você tem muito que a prender. — Virou-se de costas e seguiu adiante. — Venha, precisamos iniciar os preparativos para o festival, mas antes tenho um aviso para dar a vocês.

    Ele, com um cajado em sua mão direita, era cego.

    — Sim, Mestre.

    Depois de se curvar ligeiramente, Dharma o seguiu, escondendo toda a alegria, ansiedade e amor que estava bombeando seu coração com enorme vitalidade. Porque o Ancião, sem sombras de dúvidas, notaria qualquer mudança em seu comportamento, mesmo que fosse cego de nascença.

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