Capítulo 34 - O Capricórnio
Enquanto Sally Dakis retornava à casa onde havia deixado sua adaga cair, soltava lentamente a fumaça de tabaco que preenchia seus pulmões. Vários cigarros já haviam sido fumados pela metade, apagados sem hesitação contra as costas do polegar de seu braço esquerdo.
A carne ferida e tostada trepidava instintivamente para que ela viesse a parar de maltratá-la.
Os olhos tão apáticos de Sally, escondendo a angústia em seu coração, fitavam sem atenção à frente, pois sua mente permanecia naufragada na ideia de ser castigada por Blanc. Mas o que ela faria? Arrancaria suas unhas ou a pele de sua cintura ao ponto da carne viva ser visível? Ou pior, cortaria seu cabelo acima dos ombros, assim tomando a sua identidade. Isso a fazia roer-se por dentro. Entretanto, havia algo tão terrível e grotesco quanto: ser jogada no meio de uma floresta escura, nua e sem companhia, mas não sozinha.
Esta última possibilidade intensificou a ansiedade de Sally. As costas de seu polegar, agora, era como uma ferida mal-cuidada. Toda sua mão tremia levemente, o que de certa forma, trouxe de volta a dor de seu antebraço quebrado.
Por mais que cada castigo fosse cruel, havia uma escapatória. Era rápida, silenciosa, e dependendo da perspectiva, simples.
Matar. Esta era a sua saída para escapar da repreensão de Blanc. Derramar sangue inocente e cortar a garganta do mago. Não era para ser uma tarefa difícil, afinal, ela faria qualquer coisa para não ter que andar sem rumo naquela floresta escura novamente, onde o frio chicoteava cada polegada de sua pele, e o breu, como mãos a agarrando.
Apesar de temer tanto os castigos, Sally sorriu com o breve pensamento de um simples elogio de Blanc. E também foi um breve sorriso, pois rapidamente cessou seus passos ao avistar um indivíduo a 7 metros de distância. A interrupção abrupta afastou parte da ansiedade e medo para um canto esquecido de sua mente. E todos os pensamentos sobre cada castigo que poderia receber foram quebrados.
O sujeito logo à frente era uma mulher, vestindo roupas de um papa. Seus cabelos eram alvos como a neve caindo por todas as suas costas, e a sua pele de porcelana era quase pálida. Suas íris vermelho-sangue fitaram Sally, acompanhadas por um sorriso extremamente animado
Ela segurava em sua mão direita, um cajado prateado de metal, semelhante a um pequeno poste. Em seu pescoço estava pendurado um colar de cruz feito de prata. E o raciocínio caiu na mente de Sally como uma lâmpada se acendendo num quarto mal iluminado. Ela era a Sacerdotisa!
Tão viva e chamativa! Mas somente uma coisa chamou a atenção de Sally — ela segurava a adaga em sua mão direita.
— Isto lhe pertence? — exclamou a Sacerdotisa, com olhos sempre arregalados e sorriso largo. — Ó! Que desgraça! Tu, uma mulher de tanta graça! Carregando uma arma sanguinária e que pertence à Traça!
Confusa com as palavras dela, Sally ergueu uma sobrancelha e recuou um passo.
— Do que você está falando?! Me devolva!
— Mas é claro! Deus nos deu livre-arbítrio! E és de teu direito desejar o que é teu! — Girou a adaga entre os dedos e a jogou no ar em direção a Sally, que pegou a mesma pela empunhadura.
Depois de guardar a adaga na bainha, franziu as sobrancelhas em desconfiança.
— O que sabe sobre as mortes súbitas?
— Sobre o que eu sei? Mortes? Que mortes? — Aproximou-se com dois passos confusos, logo após, lembrou-se da anomalia que havia começado há alguns meses. — Ah! Sim! Se bem me lembro! Veio de muito longe aquele homem, e foi num início de dezembro! Tentou tirar minha santa vida! Mas falhou, portanto, provoquei a sua ida!
Absolutamente, nenhuma das palavras da Sacerdotisa provocou alguma curiosidade ou atenção de Sally, mas a instigou um aborrecimento óbvio.
— Seria possível parar de rimar? Isso é irritante! Se realmente se encontrou com o mago, quem e como ele é?
A Sacerdotisa riu, gargalhou e girou seu cajado com apenas uma mão. Seus olhos esbugalhados acentuavam seu sorriso psicótico.
— Não, não, não! Não! O Deus que sirvo, sirvo com alegria! Tome, então tome o teu aborrecimento! Não rimo! Eu louvo!
A paciência de Sally estava a beira de se romper, seus dentes cerraram e suas sobrancelhas franziram até o limite.
— Vo…
— AHAHAHAHAHA! AHAHAHAHA!
— Não me interrompa, sua maluca! — Puxou a adaga da bainha.
Abruptamente, a Sacerdotisa recuou alguns passos, carregando um sorriso largo e fechado.
— Como se sente? Forçada a ser uma ímpia. Pecadora, suja, me diziam que tu eras uma promíscua. Meretriz! Desminta estas mentiras ou sejas tão podre como A Mãe! Infeliz! Tua mãe!
Por mais que as palavras dela fossem confusas, no fundo, Sally sabia exatamente sobre o que ela estava falando. Mas isso não importava, nunca importou. Em seu coração, a única coisa que havia era um desejo imensurável de gratidão e amor.
— Eu vou cortar a sua garganta!!
— Que sede de sangue surpreendente! Diga-me, por que não derrama a tua ira em quem procuras? Diga-me! Diga-me! AHAHAHA!
Neste momento, a vontade de Sally Dakis de matá-la era inquestionável. Ela ergueu a sua lâmina para matar, e somente isto. Entretanto, no meio de seu avanço, uma mão pesada e imbatível, mas empática, segurou o seu pulso.
— Me solte! — Virou-se para olhar quem estava a segurando. — O que vocês estão fazendo aqui?!
— Eu não te conheço muito bem, Sally, mas eu sei que essa não é você — disse Jade Valderbilt.
— Sinceramente, eu não estou surpreso — comentou Jax com um bocejo.
Com um grunhido irritado, Sally tentou livrar seu pulso, mas Jade permaneceu firme como uma parede de aço maciço.
— Me solte! Eu estou mandando você me soltar!
— Largue essa adaga.
Com todos os pensamentos insanos, as más lembranças, o medo de decepcionar, o pânico de receber um castigo — Sally não deu ouvidos ao aviso severo de Jade.
Toda a tensão entre as duas somente foi distraído quando a Sacerdotisa, manobrando seu cajado habilmente, exclamou:
— Louvado seja o SENHOR!! Eu lhes desejo somente bênçãos! Os seus futuros, destes três, de tuas almas, serão como águas vivas escorrendo pela noite fúnebre! — Riu e sorriu loucamente. — Aquele quem procuram, provavelmente, certamente, virá cedo cortar minha garganta, ou, provavelmente, certamente, ir provocar mortes na única cidade a não ser vítima das mortes sobrenaturais, Ironstowill! Ele deseja mais que tudo selar a segunda parte do selo! O Capricórnio!
“O Capricórnio”, este último comentário trouxe confusão para Jade e Jax, mas para Sally, um espanto frio. A adaga foi posta de volta na bainha com um movimento lento e desajeitado.
— Quem é essa louca? — Jax afundou suas mãos nos bolsos e ergueu levemente o queixo.
Gargalhando e louvando, a Sacerdotisa deu meia e caminhou fortemente para longe deles.
— Louvado seja Deus! Meu Cristo amado! O Alfa e o Ômega! Eu louvo! Eu venero!
Em contraste com ela, Sally deu passos tênues até o meio da rua, apertando com força a empunhadura da adaga. Seu semblante caído, uma mistura de incredulidade, pavor e agonia. Gotas de suor escorreram pela sua testa, bochecha e gotejaram pelo queixo.
— Sally? Você está bem? — perguntou Jade, mais confusa do que preocupada. — E o que aconteceu com o seu braço?
— Vamos, Jade, deixe ela e a sua dor de barriga. Quero voltar para a Central. Não vamos achar esse tal mago sem a… Como é o nome dela mesmo? — Jax encaixou os dedos no queixo e ponderou por alguns segundos. — Lembrei! Melika! Por que não tiramos todas as nossas dúvidas com ela?
Jade o encarou por cima do ombro e respondeu: — Ela revela o futuro e nos dá a resposta que queremos somente quando deseja, ou quando a nossa presença ameaça sua vida.
— Perfeito. Eu a forço com a minha grande presença.
Com uma carranca duvidosa, Jade se virou totalmente para questionar o que ele estava insinuando. E foi neste momento que Sally finalmente ergueu seu rosto suado e tenso, e os fitou.
— Jade! Vá para Ironstowill! Agora! Vá para o ponto mais alto da cidade e impeça qualquer um de proferir “Sangue”, “Calúnia”, “Medo” e “Fome”. E o mate! Ele é o mago! O feitiço Capricórnio se trata de chamar pelo nome de uma Besta! Não deixe ele completar a segunda parte do selo!
Jax não deu a mínima para as palavras dela, ao contrário de Jade, que depositou sua confiança sem hesitar. Porque ela também possuía o conhecimento destes seres tão temidos, as Bestas.
— Pode deixar! — Correu e bateu os punhos um com o outro.
A sombra de Jade tomou uma textura líquida e fervente. E de repente! Explodiu! A jogando para o alto, para os céus, e para além das nuvens, deixando um rastro de poeira e estilhaços de pedras.
— Jade, caramba! Para onde você vai?! — Jax, fitando o céu, correu até próximo onde ocorreu a explosão.
Com uma determinação furiosa, mas contendo um medo subjacente à mesma, Sally marchou, seguindo os passos da Sacerdotisa.
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