Capítulo 35 - Acácia
À medida que seguia a Sacerdotisa, algumas dúvidas ainda persistiam na mente de Sally. O fato do mago pretender chamar uma Besta para o mundo terreno era loucura. Sua simples presença seria capaz de abrir os céus.
Sally, aos seus 15 anos, ouviu histórias de Blanc sobre essas criaturas. Seres que não pertencem a este mundo, indignos de serem frutos da evolução ou criações de Deus.
Qualquer citação do nome de uma Besta, mesmo em uma conversa casual, seria como um convite, ou até mesmo um clamor para que ela viesse à Terra. Por isso, ao longo dos milênios, desde a antiguidade, seus nomes foram ocultos, partidos em pedaços, e até apagados. Portanto, a humanidade do Segundo Mundo ou Mundo Interior, ou seja, a África, América, Oceania, Europa e Ásia são absolutamente sortudas por possuírem zero conhecimento sobre tais seres.
A desgraça que seria ter uma criatura como essa andando novamente, mesmo que por alguns minutos, em solo vivo, poderia comparar ao sismo mais mortífero de toda a nossa humanidade, em Shaanxi, no ano de 1556. Portanto, nem os mais loucos homens teriam a ideia de provocar uma calamidade deste nível.
Ao longe, Sally pôde ver as vestes da Sacerdotisa ondulando com o vento dourado e resplandescente.
— Espere! — gritou, esticando o braço como se quisesse agarrá-la, e dando passos ligeiros, mas tênues, quase como se seus joelhos estivessem prestes a se dobrarem.
A Sacerdotisa a ouviu, mas não a deu ouvidos! Seus olhos vermelhos-vibrantes esbugalhados fitavam o adiante, e seu sorriso fechado de orelha a orelha parecia que iria rasgar sua bochecha!
— Espere! — No fim de seu grito, engasgou, soltando tosses ligeiras em seguida.
Vendo-a desaparecer de sua visão embaçada, Sally não teve escolha a não ser dobrar os joelhos e recuperar o fôlego. Sua garganta coçava, seu antebraço latejava de dor, seu coração palpitava fortemente e as pálpebras exaustas imploravam por descanso. Ajoelhada no meio da rua fria adornada por um fino véu de neblina. Um semblante envergonhado, frustrado e cansado marcava sua face caída.
Assim que notou a noite aos poucos tomando o dia devido à posição das sombras, lentamente levantou sua cabeça e pôs-se de pé com um esforço considerável, mas discreto. Agora sem saber para onde a Sacerdotisa seguiu, não teve escolha a não ser caminhar sem rumo e, com talvez muita sorte, encontrá-la.
Enquanto ela, fraca, perambulava pela rua larga, Jax Bennett a observava com desinteresse, sentado no alto de uma das casas, no terraço, onde o vento era mais pesado e forte. Embora seus olhos estivessem focados nela, parte de sua mente se encontrava longe dali.
“Queria estar fazendo sexo agora. Toda essa merda é um tédio sem fim. Odeio quando a Jade me acompanha nas missões, ela faz eu me sentir numa coleira.”
“Mas… acho que com um bom motivo eu possa fazer algo divertido.”
Com um sorriso sarcástico, pulou e segurou seu gorro para o vento não o levar durante a queda. Assim que atingiu o chão, desapareceu!
Os sentidos de Sally, à beira de um desmaio, foram abruptamente aguçados quando Jax surgiu ao seu lado como uma assombração. Ela recuou rapidamente à medida que segurava na empunhadura da adaga. Seu interior borbulhava de raiva, mas a vacilação de seu olhar determinado, entregou uma bandeja de vulnerabilidade e medo a qualquer um que a visse.
— O que você quer, Jax?! Para trás! Para trás!
— Por favor, se acalme, se acalme — disse fingindo falsa simpatia, gesticulando com as mãos um “acalme-se”. — Apenas quero saber o porquê você está tão… atropelada.
— Vá para o inferno. — Arrancou a adaga da bainha e apontou para a garganta dele.
— Inferno? Já estamos no inferno, sua idiota. — Começou a ródea-la. Seu humor agora mudou, tornando-se mais áspero. — Acha que se eu quisesse fazer algo com você, você, especificamente você, uma fracassada sem Dom, acha que poderia me impedir? Filhinha da mamãe. Abusada de merda.
Neste momento, todo o corpo de Sally trepidou e sua garganta trancou. Ela suou frio e recuou medrosamente, ainda com a adaga tremendo em sua mão, apontada para Jax, que a seguiu sem pressa.
— Para trás!
— Ou o quê?! — Agarrou com violência o pulso de Sally, obrigando-a a largar a adaga.
Com a mão livre, ele agarrou sua cintura, e com um rosnado, a empurrou para o chão com um tombo abafado e ligeiro.
— Que droga! Quando que você irá sair debaixo da sombra de Blanc?! Se não fosse aquela psicopata, você seria uma qualquer, uma puta. Você sabe disso… né?
Ela não o respondeu, mas rastejou trêmula e desesperadamente para longe dele e de suas palavras, como se abominasse tal destino. Suas vestes sujavam com a sujeira úmida das pedras pavimentadas a cada movimento.
Os olhos de Jax, estreitos, a lançavam raiva e nojo. Ele permaneceu onde estava, pois sabia que novamente poderia passar dos limites com apenas o avanço de um passo. Desapontar Jade Valderbilt era o que ele menos desejava, e provocar a ira de Blanc, muito menos ainda.
Mas apesar de tanto ódio, nojo e rancor, havia uma dúvida vagando no fundo de sua mente. Não era uma dúvida qualquer, a agonia de não saber responder essa pergunta era semelhante ao de não lembrar o próprio nome.
“Por que… eu sinto tanta raiva dela?”
Ele pôs as mãos nos bolsos e ponderou por mais um momento, ainda observando Sally aos poucos tomando distância.
“Ah… É verdade. Ela me lembra a primeira garota com quem eu transei. Essa fraqueza expelindo de cada poro de sua pele.
“Hm… Não, não é isso.”
“Eu quero que…”
— Que Deus vos abençoe! — exclamou a Sacerdotisa de repente, roubando os olhos de Sally e extinguindo os pensamentos de Jax.
Ela riu e sorriu! E novamente exclamou: — Por que machucas a carne de quem te pertence? Porque sois um só! Porque Deus vos amou como ninguém jamais amou!
Em resposta às palavras dela, num ato raivoso e impaciente, Jax a respondeu com uma escarrada no chão, e disse: — Vá embora sua doente da cabeça.
Enquanto eles se encaravam, Sally se levantou com a ajuda de seu joelho. Voltou seus olhos raivosos para ambos e ofegou por alguns segundos antes de interrompê-los com uma pergunta direcionada a Sacerdotisa.
— Por que o mago quer trazer uma Besta ao nosso mundo? Por favor, diga algo que faça sentido, merda!
— AHAHAHAHA! AHAHAHA! A que mago tu se referes?! Porque o que veste um manto, dono da mansão negra ao oeste, não és verdadeiramente um mago! Pobre maldição em suas mãos, mãos que apertaram às do maligno bem longe daqui!
— Dono de uma mansão negra?! Ao oeste?! — exclamou Jax, racionando que o esposo da mulher doente é o causador de toda essa desgraça.
— Que veste um manto?! — exclamou Sally. Não veio outra imagem em sua mente a não ser do monge, Dharma.
E ambos correram, correram o máximo que podiam, deixando a Sacerdotisa para trás. Não havia motivo para estar mais nesta cidade. A ação mais sensata a se fazer era ir atrás de Jade Valderbilt. Bem, era o que Sally achava certo, e não Jax.
À medida que corriam, ele fechou o punho. Com a raiva, o estresse e a simples vontade de ferir, socou o rosto de Sally, que se desequilibrou e caiu. E em sua queda, rolou até bater a cabeça no meio-fio da calçada.
— Não me atrapalhe, vadia! Eu quem vai dar uma surra nesse tal mago!
Nesse ponto, Jax já não estava mais se importando com as consequências. Tudo o que desejava agora era um pouco de diversão. Obviamente, agora que sabe como encontrar o causador de toda matança, não havia mais motivos para se segurar. Todo seu corpo ansiava por adrenalina. A oportunidade de deixar seu corpo em um estado de chamas e em pura excitação não deveria ser largada.
Enquanto corria como uma criança atrás de uma bola, seu olhar se tornava mais estreito e excitado, fixo na direção da mansão negra ao oeste, onde o monge ou falso mago — seja lá quem realmente fosse — poderia estar. Cada passo era como uma descarga de eletricidade que pulsava em suas veias.
Sally, ainda muito atordoada pela queda e o choque de sua cabeça contra o meio-fio, tentava se levantar, observando a figura de Jax cada vez mais distante. Entretanto, seu corpo, fadigado e sem mais forças, finalmente cedeu e permitiu que a visão borrada se tornasse um breu. Sua testa sangrava, e o sangue escorria pela sua face desacordada.
A lua brilhava sobre as nuvens cinzentas. E tão negro quanto o céu, era o mar de areia. Os passos de Jax cessaram, seu semblante ansioso foi arrancado e substituído por uma carranca confusa.
— Mas o quê?!
Há quinze metros dele, estava o homem vestindo um manto, dono da mansão negra ao oeste. Dharma segurava em sua mão esquerda, uma muda de acácia. Ele parecia triste. Não, não somente triste, mas também cansado.
— Vá embora, garoto. Tenho assuntos pendentes para resolver com a Sacerdotisa desta cidade. Creio eu que todos irão morrer. Por favor, apenas fuja e não olhe para trás.
Ofendido, Jax rosnou e ergueu o queixo.
— Não brinque comigo, desgraçado! Por que quer matar aquela louca? E o que está fazendo tão longe da mansão? — Pensando um pouco mais, sua expressão suavizou com o rápido raciocínio. — Bem, não há problema nenhum. Eu pretendia ir atrás de você, mas já que está aqui, acabou me poupando tempo para um caramba.
Dharma não o respondeu, mas o entregou somente um semblante melancólico. Seus olhos negros fitavam somente a areia abaixo, e os ouvidos captavam somente o uivo do vento. Apesar de sua consciência estar distante dali, sua intensão assassina e determinação chegaram até Jax através de um sutil levantar de olhar.
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