Capítulo 36 - Figueira-vermelha
Dharma não respondeu, mas o entregou somente um semblante melancólico. Seus olhos negros fitavam somente a areia abaixo, e os ouvidos captavam somente o uivo do vento. Apesar de sua consciência estar distante dali, sua intenção assassina e determinação chegaram até Jax através de um leve levantar de olhar.
— Onde está o seu grimório? Vai lutar de mãos vazias? — zombou Jax. — Só se fala dessas mortes súbitas do sul da Nova Pangeia. A Fundação está louca atrás do culpado. No caso, você.
Cuidadosamente, Dharma acariciou uma folha da muda de acácia e respondeu: — A mana não é compatível com A Vontade. Caso alguém possua A Vontade e aprenda a manipular mana, morrerá antes mesmo de usar qualquer feitiço. Não sou o mago que procuram, mas sim, o genocida.
Ignorando completamente a informação sobre A Vontade e mana, Jax abriu um sorriso zombeteiro de canto e avançou dois passos.
— E você vai morrer por escolher um continente tão chato para fazer toda essa palhaçada.
— Eu escolhi? Deixe-me lhe contar algo, garoto. — Dharma sentou-se com a muda, suas vestes largas encontraram a areia, causando um farfalho inaudível. — Vou lhe dar um motivo para fugir. Mas se mesmo assim escolher me desafiar, desafiar minha vontade, será uma vantagem para você, inútilmente, evitar a morte.
Embora a impaciência borbulhasse em suas veias, Jax optou por ouvi-lo, cerrando os punhos e entortando os lábios numa carranca feia. E assim Dharma continuou dizendo enquanto fitava a muda.
— Eu posso mudar a estrutura das coisas. Posso alterar a composição das células e assim causar câncer. Eu mudei as condições de minha Maldição para que as células que viessem a ser modificadas fossem a do coração e do tronco cerebral. E isto com somente um toque que durasse mais de três segundos. E quando essas pessoas afetadas tocassem em outra onde o sentimento de amor é forte, o efeito de minha Maldição passará para ela, semelhante a uma doença contagiosa. O Capricórnio não é um feitiço que exige somente sangue e morte, mas dor e agonia.
— Embora eu possa alterar livremente a estrutura das coisas, não posso desfazer o que fiz — Dharma prosseguiu. — Foi por isso que durante muitos anos eu treinei, aprimorei cada centímetro de meu corpo até suar sangue e chorar de exaustão. Fortifiquei A Vontade, o mugen, todas as condições possíveis eu criei, melhorei e aperfeiçoei. Mas nada adiantou. Eu continuei falhando em curá-la…
Jax cuspiu ar em desdém. Suas mãos suadas, agitadas e impacientes. Ele estava preparado para dizer algo absurdo, porém, antes que abrisse a boca, Dharma exclamou enquanto se colocava de pé, deixando a muda descansando na areia.
— Foi então que Ele me encontrou e me entregou uma solução. Completarei o segundo pedaço do selo do feitiço, e assim recuperar o martelo de Armagom, o martelo que liberta, quebra e constrói. Quebrarei a maldição de meu Dom. Nem que eu tenha que condenar um continente inteiro!
— Vai achando que irá conseguir, seu imbecil!! — Jax berrou e atirou-se como um trovão rasgando o ar!
Mas Dharma o acertou no estômago sem sequer mover os pés! Depois disso, numa fração de segundos, ele agarrou o pulso de Jax e o arremessou contra uma duna que desmanchou-se com o impacto.
O caçador cuspiu areia à medida que erguia seu corpo emanando aura elétrica. Imitou uma arma com a mão e apontou para o monge, em seguida, um dragão feito de raios dourados iluminou todo ao redor e explodiu em raios menores!
Antes mesmo do som extravagante cessar, lá estava Dharma, sem nenhum arranhão, surpreendendo Jax com um soco no fígado seguido por um no rosto. E novamente, antes dele tombar no chão, agarrou seu pulso e o arremessou para longe.
Jax derrapou e rolou até que, com a ajuda do mais puro ódio, se levantar com o impulso causado por um soco furioso contra a areia. Cambaleou como um bêbado enquanto limpava o sangue de suas narinas e boca com as costas da mão.
— Essa é a sua última chance. Vá embora — disse Dharma, seus punhos fechados com força, calejados eternamente por incontáveis pancadas contra o aço maciço.
— Desgraçado! Vou mandá-lo para o inferno!
Possuir determinado Dom não afeta a forma e o elemento da aura do usuário. O fato de Dharma ter aprimorado cada estado de sua aura ao limite, o trouxe benefícios absurdos. Portanto, os raios de Jax não passavam de pequenas descargas elétricas de uma tomada velha.
E Jax percebeu isso assim que foi atingido pela primeira vez.
“Esse… maldito… A eficiência elétrica dele é incomparável!”, rosnou para si mesmo, cerrando os dentes como um cão raivoso.
— Eu altero as condições! — Com estas palavras, um campo eletromagnético expandiu de seu corpo e envolveu uma enorme área com mais de 200 metros quadrados.
“PULSO MAGNÉTICO!”
Não apenas pedaços de metais ou objetos enferrujados como armas brancas e de fogos emergiram das profundezas do mar de areia, mas também cada grão onde a predominância de sua composição era o ferro.
Entretanto, nada disto provocou nenhuma perturbação em Dharma. Permaneceu firme, esperando o primeiro passo de Jax, que não demorou para agir. Manipulando o campo eletromagnético de seu corpo para se tornar 3x mais leve, e a areia de seus pés, correu como se estivesse patinando em um lago congelado.
Agora, quase 4x mais rápido que antes, e usando os milhares de pedaços e materiais de metais e grãos de ferro para criar pranchas e assim quicar pelo ar, tornou a luta corpo a corpo contra Dharma menos desafiadora. Chutes! Socos! Desapareceram e apareceram! Absurdamente rápidos ao ponto de deixar o som para trás!
Jax, ainda sem conseguir causar dano real, tomou distância à medida que jogava suas mãos para cima, formando uma esfera gigantesca de areia e destroços metálicos. E se seguiu uma chuva de ferro, como milhares de flechas na velocidade de balas de revólveres.
O monge conseguiu escapar desta chuva metálica sem esforço e, novamente encontrou-se com caçador para iniciar outro confronto direto, mas neste ponto da luta, ele estava prestes a dar o xeque-mate.
“Que droga! Kong fu?!”, refletiu Jax. Seu pulso torcido, sua costela esquerda quebrada e o ombro quase deslocado pela pressão e movimentos precisos dos punhos de Dharma.
Entretanto, foi nesta fração de segundo que Jax o acertou com uma cotovelada!
Concentrando e comprimindo uma grande quantidade de eletricidade em uma parte específica de seu corpo, foi possível causar uma explosão de energia e impulsionar o seu cotovelo numa velocidade além da reação do monge.
E no mesmo segundo a areia sob seus pés sofreu com a alta temperatura e se tornou cristais malfeitos, longe de se tornarem vidros, que jorraram pelo ar e por todas as direções, o que também ocasionou no distanciamento de ambos. Coincidentemente, foram parar próximos ao local onde iniciaram a luta.
— Esse é o primeiro de muitos, otário! — Jax berrou com os braços abertos. — Vou rasgar sua garganta!
Dharma ponderou por um momento.
— Infelizmente, você está sendo um incômodo maior que a Sacerdotisa. — Seu tom calmo e quase melancólico fisgou a atenção de Jax. — Para tornar o efeito de minha Maldição contagioso e de modo que permaneça no corpo da vítima a longo prazo, tive que quebrar o efeito instantâneo e decretar que aqueles que possuem A Vontade são imunes.
Ele entrelaçou os dedos, formando um selo de mão budista. Dharmachakra Mudra. Ambas as mãos estavam na altura do peito. O polegar e o indicador estavam unidos.
Jax arregalou os olhos, seu corpo recuou um passo instintivamente! Dharma quebrou as condições impostas à sua Maldição! No entanto… Ao invés das células dentro dos corações e cérebros das pessoas infectadas desaparecerem, elas colapsaram, e se tornaram cânceres malignos, grandes como um punho. Portanto, a morte foi instantânea. E esses cânceres murcharam e ficaram tão secos quanto uma palha.
678 idosos.
2789 mulheres.
1233 mulheres grávidas.
918 crianças.
654 jovens.
1097 homens.
Não houve hesitação, pena, medo ou qualquer desconforto. Ao total, foram mais de 7369 mortos. Todos morreram na mesma noite, hora, minuto e segundo.
Dharma agachou-se e tocou na muda de acácia. A mesma cresceu e expandiu-se numa forma grotesca. Tornando-se tão grande quanto um baobá. Seus troncos eram torcidos e grotescos, e suas folhas eram secas e cobertas por mofo.
— Você morre aqui — Dharma disse, mas de forma como se estivesse se despedindo dele.
Os olhos de Jax Bennett sangraram, seus glóbulos oculares foram tomados por um carmesim obscuro. Seu corpo paralisou pelo choque de receber uma chuva invisível de células cancerígenas.
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