Capítulo 40 – BioMeck
Depois de lançar um joinha confiante para Blanc, Kenji Hayashi riu como uma criança após ganhar um brinquedo novo e correu até a borda da ponte. Suas mãos suadas agarraram o metal frio do corrimão.
— Quem foram os loucos que construíram tudo isso?! — Admirou toda a extensão de BioMeck, onde havia prédios brutos de metal, adornados por listras brilhando em neon, e acima, uma imensurável ilha de ferro também contendo prédios, mas ela estava de cabeça para baixo. Portanto, a impressão que a vista passava era a de um animal expondo seus dentes. Havia uma espécie de tecnologia gravitacional, impedindo que as pessoas, as coisas e a própria ilha caíssem.
Grandes hologramas de neon roxo, azul e rosa também podiam ser vistos pelos olhos âmbar de Kenji. Os pontos pequenos sobrevoando e cortando tais hologramas de anúncios eram os carros voadores.
Kenji correu pela ponte, deixando Blanc para trás, e exclamou para o silêncio até que seus pulmões falhassem: — Ei! Senhora Blanc! Como pode existir uma cidade tão grande assim?! Não vejo a hora de explorar os outros quinze continentes!!
O continente em que eles se encontravam se chamava Neoterra, tal continente que abrigava inúmeras cidades ricas em tecnologia — cerca de 190 anos à frente da humanidade que conhecemos —. E BioMeck, por ser a maior cidade, também abrigava o maior número de habitantes, tendo em torno entre 56.843.000 a 58.844.000 milhões.
— Caramba! Aquilo é uma estação de metrô?! — Kenji enfim chegou no final da ponte. Havia três anéis de metal, próximos um do outro, sustentando a dianteira de um trem-bala, extenso o suficiente para acomodar mais de 4 mil pessoas.
O trem-bala se locomovia à base de levitação magnética, e os anéis serviam como impulso e, obviamente, eram os suportes para que o trem se sustentasse no ar.
As portas do vagão de passageiros abriram. No mesmo instante, conversas paralelas, murmúrios e sons aleatórios escaparam como uma rajada de vento, inundando a audição de Kenji como se um balde de água tivesse sido derramado dentro de seu ouvido. Mas isso não o fez recuar, muito pelo contrário.
Atravessou a porta lentamente, curioso, fascinado. Olhou para trás, esperando que Blanc o seguisse.
— Senhora Blanc?
— Senhora… Blanc?… — Um frio rastejou pela sua espinha e revirou seu estômago ao não ver nada além da extensa ponte escura e vazia.
A porta do vagão fechou, e o trem-bala começou a ser movido pelos anéis. A posição de tais anéis sustentados por torres foi pensada em base da velocidade do trem em determinado ponto do trajeto. Quanto mais lento, mais próximos eram os anéis, quanto mais rápido, mais distantes ficavam.
“Como eu sou um idiota!”, depois de se amaldiçoar, cerrou os punhos e mordeu os lábios inferiores.
Apesar do nervosismo ter estampado uma carranca em sua face e estar roendo sua calma e paciência, ele analisou ao redor, procurando alguém de boa aparência que pudesse lhe ajudar. Bem, tudo o que viu foram várias pessoas mal-humoradas, grupos de amigos discutindo sobre algo, uma mulher evitando a aglomeração no canto do vagão, quatro crianças segurando uma única alça de apoio, e outro grupo de amigos, mas estes fumavam e compartilhavam produtos ilícitos enrolados num papel.
Ninguém era inteiramente feito de carne. Próteses substituíam braços e pernas, olhos biônicos brilhavam em tons artificiais, e até narizes e orelhas de alguns eram moldados em carbono sintético. Era inevitável imaginar que, por dentro, muitos também carregavam órgãos artificiais.
— Essa daqui é do caralho! — exclamou um sujeito ao inalar todo o pó branco que estava sobre uma faca.
— O Luke que me arranjou. Depois cê passa lá nos túneis da periferia. Ele tem melhores — disse outro sujeito, coçando seu pescoço revestido por uma camada de platina.
— Lá nos túneis?! Soube que tem um assassino psicopata passando o rodo em geral.
— Deixa disso. É pura balela dos Cobras pra gente não ter nossa grana. O povo lá de cima são loucos pelas joças do Luke.
Com um desvio lento de olhar desconfortável, Kenji mudou sua atenção para a conversa que estava logo à sua frente.
— Vai ser nessa semana que o novo prefeito assume o cargo? Tomara que ele retire a lei que proíbe os implantes de carbono. — Deu uma rápida manobra com seu baralho.
— A economia quebraria, seu imbecil.
— Deixa de ser mulherzinha, ele tá certo! Quem se importa com a economia?!
Kenji suspirou, recuou um passo e penteou seu cabelo para trás com os dedos. Olhou para a esquerda, à direita, depois para os próprios pés calçados pelas botas de tecido e solados de couro.
Apenas foi distraído quando uma mão pesada pousou em seu ombro com um aperto incrivelmente gentil. Olhou para trás como se esperasse encontrar o olhar de uma fera.
— Perdido, garoto? — Olhando mais atentamente o rosto de Kenji e notando suas olheiras pesadas, riu amigavelmente, genuinamente curioso com a aparência dele. — Caramba, cê parece que levou um soco em cada um dos olhos! Não dorme a quantos dias, rapaz? E puta que pariu, vai para alguma festa de fantasia por acaso? É meio vergonhoso andar por aí vestindo um lençol, sabia?
— Eu…eu… Para onde esse trem está nos levando? — perguntou, sua voz pasma. Sua mente perdida em dúvidas e confusões pessimistas, pois ele não sabia o que estava fazendo nessa cidade. Blanc não havia dito absolutamente nada.
— Pra que outro lugar seria? Tamo indo pra BioMeck.
Kenji se virou totalmente e pôde observar com clareza o físico do homem. Não era gordo, mas de corpo cheio, forte, barba bem-feita e braços peludos. Vestia um macacão.
— Eu tenho um azar de roer os ossos, sabia? — Um sorriso nervoso curvou o canto de seus lábios. Coçou a nuca, olhando para a direita. Por um segundo se distraiu com as crianças compartilhando um pedaço de torta enrolada num alumínio. Depois voltou sua atenção para o desconhecido em sua frente. — Desde quando você vive nessa cidade?
— HA! Desde o dia que estava no saco de meu pai. Aliás, garoto, cê não me parece ser daqui. De onde veio? Sem nenhuma prótese… cibernética, têm pele de verdade… Veio do campo?
Kenji cruzou seus braços e ergueu uma sobrancelha, levemente ofendido.
— Eu não sou desse continente. Vim do outro lado do planeta.
— Então tá explicado! — Soltou uma gargalhada, e no mesmo instante pousou sua mão no ombro de Kenji com um tapa pesado. — Por que você não me acompanha, garoto? Vou te mostrar como é um dia de um catador de lixo.
Meio incomodado com a intimidade que o sujeito achava que tinha, Kenji o fitou com uma leve carranca desconfiada.
— Foi mal, mas eu preciso encontrar alguém.
Neste momento, o trem-bala passava no meio dos polos da cidade. Isso significava que o mesmo estava sendo puxado por ambas gravidades, a da Terra, e a da ilha artificial. Contudo, a flutuação magnética mantinha o trem firme e estável.
— Encontrar alguém? Quem? Vingança? Cuidado com as pessoas com quem você mexe, garoto. Até quem não tá envolvido se fode feio.
— Ei, ei, vá com calma, seu pedaço de montanha. Odeio sermão, e eu não estou buscando vingança. Apenas me perdi de minha ami…
Kenji hesitou. Abruptamente lembrou das palavras de Blanc no início de seu treinamento. Os lábios desdenhosos dela, contendo malícia, dobrando-se em palavras inundadas de promessa, ameaça e ordem incontestável.
“Em hipótese alguma negue a mim.”
— …a minha Senho- a minha mãe.
Em silêncio, o homem tirou um charuto de seu bolso e o acendeu com um isqueiro prateado. Ponderou enquanto soltava o primeiro trago. A fumaça subiu para o teto do trem e foi sugada por frestas localizadas acima das janelas.
— A sua mamãe, é? Entendo… Você gosta dela?
Sem jeito, confuso se deveria responder em Blanc ou à sua mãe biológica, Kenji recuou os ombros e enrolou em responder à pergunta. Olhou para as próprias vestes, seu hanfu preto com detalhes prateados.
— Bem… Como posso dizer. Não a conheço bem, meio estranha, guarda muitos segredos, mas sinto que ela quer o meu bem. — Deu uma breve pausa, agora fitou as palmas de suas mãos. — Ela não se preocupa com mais ninguém além dela mesma. Está mais afundada no álcool que uma âncora no fundo do oceano. Mas… apesar de tudo, eu a amo.
O trem-bala finalmente parou com um zumbido semelhante ao de um microondas ao ser desligado. As portas foram abertas e grande parte da multidão marchou para fora. Kenji e o desconhecido permaneceram onde estavam.
— Hm… Entendo. — Puxou um trago e soprou a fumaça. — Eu me chamo Roberto. Vou ajudar você a encontrar sua mãe. Mas você vai ter que colocar um sorriso nessa cara de ornitorrinco depressivo.
— Você deve conhecer essa cidade melhor que ninguém. Não acho que eu tenha outra escolha. Então vamos nessa. E eu me chamo Kenji, Kenji Hayashi. — Ergueu o polegar e abriu um sorriso confiante ao endireitar sua postura.
— Kenji Hayashi, hein? Mas antes preciso acertar as contas com um pessoal. Juro que não vou tomar tanto o seu tempo.
Com o sorriso brilhante e o ânimo renovado, Kenji demonstrava estar mais do que disposto a acompanhar Roberto, que, por sua vez, se sentiu cativado pela aura acolhedora e amigável do garoto que acabara de conhecer, como se a impressão de bondade que ele transmitia fosse motivo suficiente para considerá-lo um amigo.
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