Capítulo 6 - Ardiloso
A silhueta do castelo de Garhata sobre um monte, na verdade, não era um monte, mas sim o próprio castelo. Pois o monte foi esculpido para se assemelhar a um castelo colossal, sendo assim, o castelo o próprio monte.
Ao se aproximar, Jax Bennett pôde observar toda a extensão da capital do reino, Marhata. A muralha esbranquiçada, adornada com bandeiras vermelhas que desciam das ameias até o solo, mantinha seus portões de aço e madeira bruta sempre abertos para os habitantes que viviam fora da capital.
Caminhando pelas ruas espaçosas de pedra polida, ignorando a beleza das casas idênticas às descrições fictícias de reinos medievais, onde as casas eram feitas de pedras brancas, com vinhas que rastejavam até os telhados alaranjados, sua atenção estava concentrada em somente uma coisa: nas pessoas, sendo vendedores ou não.
— Venha! Venha! Prove das maçãs que vieram de Arcanos!
— Estes peixes azuis vieram do Mar de Capricórnio! Veja como as nadadeiras possuem formato de meia-lua!
— Leve dois buquês por somente metade do preço! Presenteie o amor de sua vida!
— Castanhas Vermelhas! As mais raras e baratas! Venha e compre agora!
— Duas por uma! Duas por uma!
— Tecidos baratos e de boa qualidade! Compre! Compre!
Era um sábado movimentado, portanto, o espírito de comerciante dos vendedores estava em seu pico. E de frente a uma dessas barracas enormes, Jax esbarrou em uma senhora acima do peso, vestindo um vestido largo e vinho que acentuava a ruga em sua narina esquerda. O elegante chapéu preto de aba larga, o ouro de seus brincos, as pulseiras de prata e o seu longo colar de pérolas, todos, exceto os anéis firmes em seus dedos nas ambas mãos, balançaram com o tombo repentino.
— Minhas sinceras desculpas, bela-dama — Jax a referenciou, tirou seu gorro e se curvou por um instante.
— Ohoho! Não se preocupe, meu belo rapaz, todos cometem erros. — O susto dado pelo esbarro repentino havia sido desfeito. Ela encantou-se com a gentileza dele, principalmente com o seu tom de voz aveludado.
Antes de continuar seguindo rumo ao castelo, Jax a lançou uma piscadela em forma de despedida. E quando teve certeza de que a mulher não estava mais o encarando pelas costas, guardou as duas pulseiras de prata que estavam no pulso direito dela.
Para sua felicidade, ele, de repente, avistou outra vítima; uma jovem carregando um cesto vazio na dobra do braço esquerdo. Ela estava diante de uma barraca de maçãs, enfeitada com alguns buquês de flores. Seus olhos azuis estavam pensativos, procurando as melhores maçãs para colocar no cesto. O vendedor não estava por perto, pois se encontrava conversando com uma mulher da barraca ao lado que vendia flores individuais e buquês.
A intenção maliciosa de Jax foi ocultada pelos cantos de seus lábios esticados por um sorriso terno e gentil. Ele moveu-se até a jovem que carregava o cesto.
— Vejo que é noiva! — exclamou, notando o anel de noivado dela.
Ela virou-se abruptamente, mas suas feições suavizaram ao notar que era somente um belo rapaz.
— Ah! Sim! Vou me casar daqui a duas semanas! E vejo que você é um viajante, não estou certa?
— Está absolutamente correta! Portanto, peço perdão pelos meus trajes negros que mancham suas ruas e o seu reino.
— Acho que deveria pedir perdão à própria princesa, viajante. Mas espero que Garhata seja uma experiência única para ti — disse com enorme simpatia.
— E será! — Ele inclinou-se e esticou o braço em direção à barraca, puxando uma rosa vibrante do buquê ao lado da pirâmide de maçã. — E aqui está uma bela rosa para a mais magnífica noiva que conheci.
E gentilmente, ele colocou a rosa no cesto dela. Depois, a moça transferiu o cesto para a dobra do braço direito à medida que Jax se curvou com harmonia. Graciosamente, estendeu a mão para que ele pudesse segurar a mesma e levar até seus lábios. Após fingir um beijo casto, recuou dois passos.
— Até o dia de seu casamento! — exclamou com falsa alegria e voltou a seguir em direção ao castelo.
À sua direita e à esquerda, mais casas, pessoas, vendedores eufóricos e barracas de vendas. Parecia que tudo estava se repetindo, até as pessoas pareciam iguais! Ele estava quase enojado com tudo isso. Portanto, após alguns minutos, desviou seu curso ao entrar numa viela.
Seus olhos castanhos avistaram um menino de roupas velhas e rasgadas, sentado sobre um trapo e usando a parede como encosto. Ao seu lado havia um pequeno vaso de barro. E quando os olhos dele cruzaram com os de Jax, ergueu suas mãos calejadas.
— Moço, qualquer coisa… por favor.
Jax torceu o nariz com a súplica e se aproximou dele.
— Por que não sai desse beco e vai mendigar na rua? As pessoas por aqui são muito ricas. E burras também.
— Eles não toleram gente como eu. Por que acha que estou escondido aqui? — Abaixou a mãos, as deixando descansando sobre o trapo.
— Entendo… — refletiu por um segundo e se agachou, dizendo: — Sabia que a prata de Garhata vale mais que diamante? Mas somente fora dessa ilha, é claro. Existe uma substância roxa como grãos de areia misturada com a prata, encontrada somente em algumas ilhas de Arcanos, por isso, é tão valiosa.
— Olhe — Jax continuou dizendo, e retirou um anel de noivado do bolso. — Acabei de roubar. Isso vale mais que três salários meus!
— Mas… roubar é errado.
— É, eu sei. — Guardou o anel de noivado de volta no bolso. Em seguida, quebrou o pequeno vaso de barro com as costas do punho. As poucas moedas dentro do vaso bateram no chão com uma sequência de tilintares metálicos. Finalmente, cambalearam e caíram com um som surdo.
Jax pegou as moedas entre os cacos de barro antes de se colocar de pé e sair do beco. O menino apenas permaneceu em silêncio, como se tentasse não acreditar no que aconteceu, ou talvez, não tenha tentado recuperar suas moedas por medo. Embora não estivesse chorando, a amargura e tristeza em seu coração era tanto, que por alguns segundos, seus pulmões se recusaram a inalarem ar. Não houve reação que esboçasse a dor que estava sentindo.
Nesse tempo, somado a alguns minutos, Jax finalmente chegou em frente ao portão de puro aço do castelo, sendo guardado por dois soldados preguiçosos de cada lado. Ambos dormiam, sentados em fardos de fenos.
“O tamanho desse castelo… Com certeza eu vou me perder.”
“Não acredito que um reino que nem ao menos possui um exército está tentando roubar a mana, magia ou sei lá o quê dos Elfos Pálidos!”
Avançou dois passos, pôs a mão na cintura, e com a livre apontou para o portão bruto.
— Eu exijo falar com a família real! Em nome da Fundação! — exclamou com desdém, acordando com um susto os guardas.
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Sally Dakis e Kenji Hayashi percorriam a planície verde vibrante. Eles atravessaram alguns rios rasos e cristalinos, onde saciaram suas sedes, e comeram alguns frutos estranhos de algumas árvores na proximidade.
Entretanto, antes de chegarem no fim da planície, avistaram próximo ao horizonte, uma floresta. Mas não era uma floresta comum.
As pupilas de Kenji haviam se dilatado, deslumbradas com tamanha grandiosidade. Seu corpo endureceu como pedra, tomado por uma estupefação que o impedia de prosseguir.
“Isso é impossível.”
As árvores que formavam a floresta, semelhante a pinheiros, eram colossais. Grandes o suficiente para ultrapassarem as nuvens. Seus troncos eram grossos como prédios.
— Não fique parado que nem um imbecil. Vamos pegar uma carona — Sally exclamou com as sobrancelhas franzidas, olhando para Kenji por cima do ombro.
“Como ela consegue agir tão naturalmente assim? Essas árvores… não podem existir coisas desse tipo em nosso mundo!”
Subconscientemente, penteou com força seu cabelo para trás com ambas as mãos, um gesto de ansiedade que o provocou a arrancar alguns fios de cabelo.
“A Fundação esconde a existência das bestas-feras, mas conseguir acobertar toda essa merda é loucura!”
Incomodada com a demora de Kenji, Sally encerrou seus passos e se virou.
— Moleque! Não fique para trás! Quer morrer por acaso!? — gritou, sua voz ríspida ecoando pela planície.
“Ah!? Morrer?”
Ao se erguer de seus pensamentos que o prendiam em seu próprio corpo, Kenji olhou ao seu redor, buscando algum caminho alternativo, mas tudo o que encontrou foram mais árvores colossais, algumas rochas cinzentas e um rio cristalino em sua direita, que vinha da planície. Suas águas se tornavam escuras e geladas à medida que escorriam até as profundezas da floresta.
No momento em que Sally mordeu os dentes e prosseguiu sem paciência alguma em direção à floresta, Kenji tomou um impulso desajeitado com a ponta do pé e correu, se desequilibrado por alguns segundos, para depois recompor o equilíbrio e seguir firme.
— Me espere!
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