Capítulo 8 - Presença
Sally Dakis e Kenji Hayashi haviam percorrido por quilômetros. As raízes, antes espessas ao ponto de sufocarem o solo e todas as coisas que havia nele, saltaram do solo e ficaram tão espaçosas que poderia abrigar, sem problemas, um avião comercial. Agora, não eram mais grossas como canos de esgoto, mas como prédios. Portanto, seus troncos se estendiam a tamanhos inimagináveis, sendo sustentados no ar pelas raízes servindo como pilares torcidos.
Sob elas, onde o sol não alcançava, havia tanto espaço que uma flora se desenvolveu.
Ao contrário de Sally, completamente desinteressada, o brilho dos olhos de Kenji se intensificava a cada passo.
Suas pupilas dilatadas fitavam às lagoas cristalinas iluminadas pelos peixes de nadadeiras brilhantes, as árvores negras e flácidas que se torciam defensivamente com o toque de uma única borboleta, cogumelos gigantes, arbustos rastejando do solo até às raízes colossais como se fossem musgos, e diversas flores e plantas de formatos únicos.
Cada planta, flor, árvore, animal e inseto, possuíam características neon. Era o que dava cor e vida a toda flora.
— Aquilo é um lagarto?! — exclamou, puxando o ombro de Sally enquanto apontava para o animal bípede os observando a quase 9 metros de distância, seus cotovelos e tornozelos continham uma fileira de penas roxas brilhantes.
— Não me toque! — Ela afastou a mão dele com um tapa. — É uma espécie de iguana. Não mexa com ela, é mais inteligente do que parece.
— Espere! — Puxou o ombro dela novamente. — Aquilo é um caracol?
Kenji apontou para um gigantesco caracol, semelhante a uma píton, que rapidamente se esgueirou de volta para sua concha intransportável, pois era grande como casa, provavelmente tão pesada quanto uma.
— Será que é tão difícil admirar calado? Não me puxe de novo se não quiser virar comida de caracol!
— Tudo bem, tudo bem! — Kenji voltou a segui-la, e logo depois, ele soltou um resmungo inaudível: — Rabugenta…
∞—————————————–∞
Jax Bennett caminhava entre dois guardas por um corredor mal iluminado. Seu queixo levemente erguido como se estivesse prestes a escarrar e cuspir no piso de pedras cinzentas.
Ele constantemente observava os guardas tensos pelo canto dos olhos, notando suas fisionomias apavoradas através das frestas dos elmos, e suas mãos trêmulas vacilando a postura de suas lanças apontadas para cima.
De repente, Jax deixou os ombros caírem e soltou um gemido tedioso. No mesmo instante, os guardas interromperam suas marchas desajeitadas, recuando com as lanças erguidas em uma postura defensiva.
Quando Jax notou que eles estavam fugindo, os fitou por cima do ombro e exclamou: — Qual é o problema de vocês? Não me disseram que iriam me levar para a sala do trono?
— Si…siga em frente e vire na primeira direita! — disse um dos guardas, sua voz abafada pelo elmo.
Jax estreitou os olhos com a resposta gaguejada, observando ambos guardas desaparecem na escuridão. O fogo das tochas plantadas na parede esquerda, a 4 metros de distância uma da outra, não era o suficiente para iluminar o corredor com nitidez.
“Imbecis. E a emboscada? Não estavam me levando para o calabouço? Como são péssimos mentirosos.”
Após resmungar para si mesmo, afundou as mãos nos bolsos e seguiu os guardas.
— Que lugar chato, reino chato, ilha chata. Juro que se os Crowwell realmente tiverem aprontando algo, eu transformo cada tijolo desse castelo em poeira! — Sua voz causou um eco duradouro por todo o corredor.
E ele prosseguiu caminhando como se fosse um verdadeiro projeto de velho rabugento — de costas envergadas, sobrancelhas franzidas e lábios tortos.
Com o tempo que se seguia, Jax não fez outro movimento a não ser mover os olhos para esquerda e direita, buscando algo diferente além das paredes de pedras e das tochas. Sua visão absorvia apenas essas duas coisas, mas o som de suas botas ecoando a cada passo incomodava mais, semelhante ao incômodo de uma coceira no fundo do ouvido.
Por mais que estivesse relaxado, algo não passou despercebido. De repente, ele parou, estendeu a mão e envolveu os dedos com firmeza no cabo de madeira de uma tocha, a arrancando da parede com um único puxão.
Depois, arremessou a tocha que logo foi engolida pela escuridão. Suas sobrancelhas se estreitaram, pois nenhum som chegou aos seus ouvidos.
“Eu estou preso.”
Ele caminhou até a próxima tocha e repetiu os mesmos movimentos para arrancá-la da parede. Contudo, permaneceu com a mesma em mãos e seguiu adiante.
“Então é isso… Desgraçado espertinho.”
Analisando mais atentamente as paredes, notou que o espaço estava retrocedendo lentamente, na velocidade de seus passos.
“Nunca vi um Dom parecido.”
Jax não havia notado a movimentação do espaço devido ao ambiente mal iluminado, repetido e extenso. Mesmo assim, ele estava estranhamente relaxado para alguém que estava preso. Era como se antes estivesse desejando que algo assim acontecesse.
Mal contendo um sorriso fechado e entusiasmado, largou a tocha no momento em que se virou. Fechou o punho, jogou o ombro para trás e socou a parede! Rachaduras instantâneas se espalharam como uma teia de aranha. A parede desmoronou, deixando um grande rombo irregular.
Entulhos e poeira subiram para o ar e cobriram suas botas, mas ele não se importou com toda a sujeira, apenas deu um leve sopro em seu punho empoeirado.
“Pensei que o efeito do Dom seria mais resistente, mas foi fácil de quebrar.”
“Essa missão vai ser moleza.”
Enquanto Jax vagava pelo interior do castelo, repleto de corredores, salões e passagens secretas. Kenji e Sally se encontravam próximos a uma lagoa. Nela, havia um cardume de peixes brilhantes.
Eles nadavam lentamente… quase como se estivessem em transe, também era como se houvesse um grande farol azul submerso.
Sally estava calma e indiferente demais para estar diante de tamanha beleza iluminando, mesmo que de forma insubstancial, a escuridão. A serenidade de suas pálpebras caídas era contagiante.
Ela dobrou seus joelhos e se acomodou próxima à margem da lagoa. Juntou ambas as palmas das mãos para formar uma concha e afundou na água. Cuidadosamente, como se o seu rosto fosse feito de uma camada fina de gelo, o lavou. Enxaguou as bochechas, esfregou os cantos do nariz, deslizou os dedos pela pele ao redor dos olhos e, por fim, massageou suas têmporas.
Sally demorou alguns segundos encarando seu reflexo sendo distorcido por minúsculas ondas que gradualmente cessaram. Em seguida, seus olhos se levantaram para conferir Kenji, caçando uma iguana bípede em meio aos arbusto no outra extremidade da lagoa.
Assim que teve certeza de que ele não voltaria tão cedo, se colocou de pé. Delicadamente, ela retirou os sapatos com a ponta dos pés enquanto deslizava seu terno para fora do corpo. Desabotoou a camisa e a jogou em cima dos calçados, depois desprendeu os ganchos do sutiã e o deixou cair no chão. Por último, baixou sua calça junta à veste íntima.
O farol ambulante da lagoa, o cardume, foram repelidos de medo com a aproximação de Sally, caminhando lentamente até o ponto mais profundo. A água gélida arrepiou seu corpo, mas a sua única reação foi soltar um suspiro de alívio quando seu pescoço submergiu por completo. Os dedos finos e delicados se moveram e, com um movimento, desfizeram a trança única.
Seu longo cabelo negro se espalhou pela superfície da água com uma naturalidade lenta e preguiçosa.
Sally parecia estar em um estado de êxtase, seus olhos vazios fitavam o nada, e seus lábios entreabertos se fecharam no momento em que ela mergulhou…
Kenji arremessou uma pedra! Mas a iguana era ágil e desviou sem grandes dificuldades.
— Bicho escroto!
Havia um bom motivo para Kenji estar perseguindo essa iguana. Ela havia cortado o seu joelho com uma minúscula faca de pedra lascada!
Portanto, ele não desistiria facilmente. Apesar de estar ferido, correu mancando e se agachou para pegar outra pedra.
Para que tivesse certeza que dessa vez acertaria a maldita iguana, a perseguiu sem se atentar por onde passava. O estresse e a raiva que aumentavam a cada segundo, haviam subjugado a ardência em seu joelho, o que o ajudou a correr mais depressa.
Mas para sua infelicidade, a iguana escapou ao escalar uma árvore até o galho mais alto e saltar sobre um cogumelo que serviu de cama elástica.
E o espanto se misturou com frustração de Kenji quando o réptil revelou ter membranas patágios e deslizou rapidamente pelo ar até sumir de sua vista.
“Que arrombado!”
— Juro que um dia irei voltar e fazer você de almoço!! — exclamou alto o suficiente para que tivesse certeza que a iguana ouviria a sua promessa.
Kenji deu meia volta e avançou dois passos — notou, de repente, que havia se perdido.
O medo se espalhou pelo seu corpo como um veneno, agindo de forma lenta. No entanto, ele tentou manter a calma. Primeiro, tentou regular sua respiração, mas o silêncio perturbador ao seu redor o impediu. Depois, analisou rapidamente o seu ao redor, mas isso apenas intensificou sua ansiedade. Seus olhos viram apenas mais árvores, raízes, plantas neons e a própria escuridão.
Seus dentes foram cerrados pela frustração.
Na tentativa de pensar por uma solução óbvia que estava se escondendo atrás de todo o estresse, martelou a própria cabeça com os punhos diversas e diversas vezes. E, de repente, sua mente o entregou a resposta que estava debaixo do nariz!
“Por que eu não pensei nisso?!”
Sem demora, se agachou entre os arbustos neons para procurar por suas pegadas, e no instante em que seus olhos se iluminaram de alívio por tê-las as avistado, subitamente, tudo foi tomado por chamas!
Kenji jogou seu corpo para trás para escapar do calor que quase o queimou. As chamas engoliram todos os arbustos, e rastejaram por todas as direções.
Antes de se colocar de pé, o fogo já havia tomado cada centímetro da floresta. Nem as árvores colossais escaparam.
“A lagoa!”, pensou esperançosamente, ou melhor, desesperadamente. Talvez, ir para a água, seria a sua única chance de sobrevivência.
Após correr por alguns minutos, evitando ao máximo as chamas que saltavam como se estivessem vivas, finalmente encontrou um enorme lago. Mas para sua infelicidade, ela havia se tornado um caldeirão de fogo.
Mesmo sobreviver sendo prioridade, lágrimas escorreram por suas bochechas. Seu coração foi espremido pela angústia e sua testa franziu de raiva, tristeza e frustração.
“O que… está acontecendo?!”
Kenji não tinha notado, mas não havia nenhum crepitar das chamas que tomava cada canto da floresta. O som de galhos sendo torrados e folhas sendo cremadas, era fruto de seu medo. Sendo assim, na verdade, toda floresta estava afundada em um completo silêncio, quase como um teatro — um espetáculo ardentemente fulguroso.
E subitamente, tudo se apagou! O coração de Kenji congelou.
Seus olhos descrentes analisaram todo ao redor; cada folha, cada galho, cada lasca de madeira estavam em perfeito estado. Era como se ele tivesse sido afetado por uma ilusão extremamente poderosa.
Uma ilusão. Era o que Kenji achasse que fosse antes das chamas se acenderem novamente, mas agora, alvas como a neve. Elas se moviam silenciosa e preguiçosamente agora.
Deu três passos e alcançou a margem do lago. Seu coração foi tomado por uma serenidade, e as perturbações de sua mente, como o medo, foram sopradas pelo eco de gotas de água batendo numa superfície sólida.
Neste momento, ele já sabia o que estava acontecendo, mas preferiu ficar imóvel e em silêncio. Por mais que o ambiente estivesse tentando acalmá-lo, pois tudo estava em perfeita harmonia, como se as chamas alvas fizessem parte da floresta, seu pavor permaneceu.
Diante dos olhos âmbar pasmos de Kenji Hayashi, a causadora de toda anomalia — a insana presença de um Elfo Pálido, flutuando sob às águas do lago cristalino.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.