Admirando a estranha forma do ser com uma curiosidade reverberando em suas pupilas trêmulas, Kenji Hayashi não sentia o próprio corpo, como se estivesse preso nas janelas de seus olhos.

    Como Jesus Cristo, a elfa caminhou sobre as águas, com passos curtos e lentos, que logo cessaram.

    “Humano, por que vieste de tão longe?”, a voz madura e feminina, quase maternal e carregada de sabedoria, sussurrou na mente de Kenji. Seus sentidos foram quebrados como se alguém tivesse batido repetidamente em seu crânio com uma pedra e depois espremido o seu cérebro com a ponta dos dedos. Foi impossível não cambalear para se manter de pé. E recuou com passos incertos, se perguntando o porquê uma voz tão terna estava lhe causando tanta dor.

    Ele também se questionou se estava diante de uma divindade ou não. A possibilidade de que essa criatura fosse um Elfo Pálido não passou por sua cabeça. Pois ela não se assemelhava a nenhum elfo descrito nas histórias fictícias em seu conhecimento. 

    Não possuía orelhas, nariz, boca, mandíbula, queixo e nem pescoço, pois sua cabeça era uma fogueira pálida que não crepitava. Suas expressões poderiam ser decifradas somente pelo formato de seus grandes olhos negros.

    A escuridão preencheu a visão de Kenji. Ele desmaiaria se a voz não invadisse sua mente mais uma vez e emitisse uma ordem para seu sistema nervoso e córtex cerebral.

    “Erga-se.”

    Inconscientemente, ele endireitou as costas. Seus olhos exaustos despertaram quando o paladar, o único sentido que estava em ordem, sentiu um gosto de ferrugem. Seus dedos rapidamente pousaram debaixo do nariz. Afastou a mão e soltou um suspiro descrente ao fitar momentaneamente o sangue, manchando a ponta de seus dedos. 

    Ele não havia notado, mas seus olhos e ouvidos também sangravam. Os globos-oculares foram avermelhados em um tom vinho, e os tímpanos, entupidos.

    “Aconselho-te a voltar para casa, criança.”

    Kenji deixou escapar um suspiro trêmulo e seco. E tentou ponderar sobre o que exatamente estava acontecendo, mas seu raciocínio foi quebrado por algumas tosses de sangue mal contidas pelas costas de sua mão trêmula.

    — Eu… — murmurou, sua voz fadigada —… não posso.

    Houve uma breve pausa. A elfa o examinou por um momento, mas não esboçou nenhuma reação. Seus olhos, como duas meias-luas exalando enorme repreensão.

    “Criança, para onde tu vais há uma malícia grotesca, e a quem pertencerás serás a própria Peste Perniciosa.”

    As palavras plantadas na mente de Kenji o forçaram a cair de joelhos. Ele desejava gritar, dizer para a elfa se calar, entretanto, sua garganta queimava e seu corpo latejava, o impossibilitando até mesmo de respirar normalmente.

    De repente, ele sentiu alguém segurar o seu ombro. No entanto, sua visão turva o impediu de enxergar o dono daquele toque tão gentil, e seus ouvidos entupidos de sangue o deixou surdo, destruindo a possibilidade dele reconhecer quem estava ao seu lado.

    — Tente ignorá-la, finja que as palavras dela são apenas memórias — aconselhou Sally, se colocando na frente dele.

    E ajeitou a gravata, inspirando profundamente. Uma ventania súbita fez ondular o manto prateado da elfa, que não demonstrou surpresa nenhuma com a aparição de Sally.

    Ela uniu as palmas, alinhando perfeitamente os dedos como num gesto de oração. Depois, curvou a cabeça enquanto fechava os olhos.

    — Imploro a ti, leve-nos até Garhata.

    Agora, os olhos da elfa eram mais como dois buracos, se estreitando devido à súplica quase desesperada. Ela pareceu ponderar antes de lançar a resposta na mente de Sally.

    “Com uma única condição: não desejo tu e nem a tua terceira geração pisando sobre esta terra novamente.”

    — Que assim seja feito… — Sally disse sem hesitar.

    “Então, vai-te e leve o teu companheiro, filha do Maligno.”

    Sem delongas, a elfa revelou seu braço sob o manto ao estendê-lo, era preto como carvão e fino como um graveto, e seus únicos quatro dedos, sendo o polegar, indicador, médio e anelar, eram garras. O crepitar de uma fogueira sendo acendida foi o que se seguiu, acompanhado com um inchado imediato. Ao lado de Sally, foi evocado uma enorme chama fria e prateada tomando a forma de uma porta.

    Genuinamente agradecida, colou as palmas das mãos nas coxas e se curvou brevemente. 

    Exalando uma pequena satisfação, devolveu a educação de Sally, graciosamente se inclinou para frente. 

    Não era como se a elfa fosse uma divindade, mas uma autoridade a ser respeitada. Portanto, qualquer forma de adoração poderia ser exagero.

    Sally se virou e deu dois passos até Kenji caído no chão. Suas mãos agarraram as vestes dele e o jogaram por cima dos ombros, e pela diferença de altura, as pontas dos pés dele quase tocavam no chão à medida que ela o carregava em direção à porta.

    Mas ele ainda não estava totalmente inconsciente! Suas pálpebras exaustas ainda davam sinais de resistência, lutando para se manterem abertas.

    Enquanto sentia dois braços quentes e imateriais envolvendo lentamente o seu pescoço, sua visão turva foi gradualmente obscurecida pela escuridão. E ele também sentiu lábios pequenos e delicados se aproximando dele.

    “O Todo-Poderoso cairá pelo sangue negro”, a elfa sussurrou diretamente em seu ouvido antes que fosse engolido pela porta de fogo.

    ∞—————————————–∞

    A sala do trono estava repleta de figuras importantes. O Rei, acomodado quase que preguiçosamente, inclinado para a direita, apoiando a bochecha sobre o punho, portava uma feição soberba e tediosa. Ao seu lado, estavam seus filhos; o primogênito Cedric Crowwell VI, a segunda filha Elizabeth Crowwell, e o caçula Caspian Crowwell.

    Próximos ao trono se encontravam os conselheiros, um pouco mais abaixo, no centro das escadas, o alto clero, e abaixo, dispersos no salão, aristocratas e nobres.

    — Há um caçador esgueirando-se pelo castelo, devemos iniciar os preparativos do feitiço quanto antes — disse um dos conselheiros.

    O Rei endireitou sua postura com dificuldade, mal suportando o próprio peso. Abriu os lábios inchados e respondeu ao seu conselheiro: — É apenas um mísero funcionário da Fundação.

    Todos os conselheiros e o alto clero recuaram com um gemido, ou seja, somente aqueles próximos que ouviram as palavras do Rei foram acertados por uma ligeira estupefação. E o mesmo conselheiro que havia dado a sugestão de agilizar os preparativos do feitiço, avançou um passo, no entanto, antes que sua voz saísse pela sua boca já aberta, Cedric o interrompeu: — Como o próprio Rei afirmou, é apenas um mísero funcionário da Fundação. Não há motivos para nos apressarmos.

    O coração do conselheiro se encheu de inconformidade e, como qualquer ser humano racional diante dessa situação, ele sorriu e acenou com a cabeça com fingida compreensão.

    — Graças ao grimório abissal que recebemos d’Ele, obtivemos um feitiço poderoso o suficiente para roubar a mana e feitiços dos Elfos Pálidos — Elizabeth enfatizou em bom som. — Em um futuro próximo, seremos tão grandes quanto à Trindade.

    Caspian se mantinha calado, atento a cada detalhe. Nenhuma mudança no vento escapava de seus ouvidos, e qualquer alteração em seu campo de visão era imediatamente percebida.

    — E quem é este homem louco o suficiente para presentear um grimório tão poderoso? — indagou um dos bispos.

    E não houve tempo para respostas, o portão feito de madeira e aço maciço foi rompido num instante! Se não fosse por Caspian, que estava em alerta, os raios estraçalhariam todos sobre as escadas do trono e o próprio Rei.

    O Dom responsável por retroceder o espaço do corredor do calabouço pertencia a Caspian. Ele agiu a tempo para ativar a técnica de seu Dom para prender os raios em um grande cubo que retrocedia o espaço em uma velocidade incrível.

    Ele esticava seus braços em direção aos raios, como se estivesse tentando empurrar uma grande rocha atolada na lama. Era nítido que, aumentar a velocidade que o espaço retrocedia o desgastava física e mentalmente. 

    Havia uma passagem atrás do trono pela qual o Rei, Cedric, Elizabeth e os conselheiros fugiram, os demais se espremeram nas paredes da sala do trono.

    Enfim, os raios se desfizeram. E surgindo em meio aos escombros do portão, Jax Bennett, carregando um sorriso largo e malicioso.

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