Capítulo 306: Raspagem de Pele

Poucos dias haviam se passado desde a destruição dos dezesseis pontos de contato do Culto da Vida Após a Morte, e aquilo de que tanto se temia acabou acontecendo.

Gu Jun estava de pé diante da ala de isolamento do Hospital Popular da Cidade de Beihe. Com ele estavam Deng Ximei, Tio Dan, os especialistas em dermatologia da Phecda Zhang Haidong e Sun Wei, além de outros membros. Eles já tinham examinado à distância as fotografias das lesões faciais de Xie Yiman, e a opinião geral era de que aquilo não se tratava de uma simples alergia ou dermatite.

As saliências avermelhadas e irregulares de sua pele formavam um desenho insólito, semelhante aos membros caóticos do Senhor de R’lyeh naqueles baixos-relevos.¹

Seria apenas uma doença de pele? Ou sintomas cutâneos provocados por outra enfermidade? Será que havia risco de contágio?

Mesmo com os efeitos da nova legionelose ainda não dissipados, a Phecda  precisava se preparar para o pior diante dessa doença desconhecida.

Dentro do quarto, Xie Yiman andava de um lado para o outro, inquieta. O rosto, já ruborizado e inchado devido aos arranhões incessantes, apresentava em alguns pontos a pele rompida. Aquela fisionomia outrora jovem e delicada agora assumia uma aparência quase disforme.

A morte de pacientes jovens sempre trazia uma dor particular, e a perda daquilo que é belo provocava um lamento ainda mais agudo.

Todos olhavam para a jovem com um peso incômodo no coração.

Gu Jun, naturalmente, conhecia Xie Yiman. Dois anos atrás, quando seu mundo ainda não era o que se tornara, ele gostava bastante dos filmes daquela atriz em ascensão. Mas desde os incidentes do ano passado, não tivera mais ânimo para acompanhá-la. Jamais lhe ocorreria, então, que chegaria um dia como este.

Quando entraram no quarto, Xie Yiman se agitou imediatamente. Mesmo que todos estivessem vestidos com trajes de proteção hermética, ela reconheceu o rosto de Gu Jun.

A empresa ainda alimentava planos de, caso ela conseguisse o papel principal em um filme da Phecda, aproveitar a ocasião para fomentar o marketing de um suposto romance entre ela e Gu Jun.

Depois de trocarem cumprimentos, Gu Jun disse: “Senhorita Xie, suspeitamos que sua doença esteja relacionada a forças sobrenaturais, então realizaremos alguns testes.”

Agora, estando a menos de meio metro dela, ele encarava-lhe o rosto de tão perto que uma sensação ilusória começou a borbulhar em seu íntimo…

Quando Xie Yiman abriu a boca para falar, Gu Jun teve a impressão de que todos os dentes dela se haviam transformado em presas irregulares e que o interior da cavidade oral estava tingido de negro.

Deng Ximei, em silêncio, assentiu levemente para Gu Jun. Ela tinha a sensação de que aquilo estava relacionado a “O Verme Conquistador”.

Tio Dan conduziu alguns procedimentos de rotina e fez com que Xie Yiman pressionasse a pedra de purificação e lançou nela o selo ancião, nada surtiu efeito. Xie Yiman continuava tomada por uma coceira insuportável.

Em seguida, os especialistas Zhang Haidong, Sun Wei e outros examinaram-na. Do ponto de vista dermatológico, os sintomas consistiam em eritema, prurido intenso, edema localizado e, agora, lesões secundárias provocadas pelos arranhões. À parte a progressão acelerada da doença e o fato de as manchas formarem um padrão específico, não se observavam outras anomalias.

O mais urgente, naquele momento, era esclarecer a etiologia e o mecanismo patogênico, bem como determinar se havia caráter contagioso.

Assim, seria necessário realizar imediatamente uma raspagem de pele em Xie Yiman, recolher o exsudato tecidual para triagem rápida por PCR, além de cultura bacteriana e outros exames posteriores, a fim de verificar se havia a presença de bactérias, vírus ou parasitas em suas lesões ativas.

“Meu rosto…” Ao ouvir a palavra “raspagem”, Xie Yiman se sobressaltou, prestes a protestar.

“Senhorita Xie, pedimos sua compreensão diante da situação.” Gu Jun, entendendo sua apreensão, consolou-a em tom brando: “E serão retiradas apenas três amostras, cada uma com um pequeno corte para colher um pouco de fluido tecidual da camada superficial. É como se fosse um arranhão feito pela unha. Depois, basta um curativo adesivo para estancar o sangue. Não deixará cicatriz.”

Xie Yiman ainda não conseguia se tranquilizar, mas logo uma enfermeira chegou trazendo bisturi, lâminas de esfregaço e outros instrumentos.

Na realidade, havia coisas bem mais graves a temer do que esses pequenos cortes. Se ela voltasse a olhar-se no espelho, veria o quanto seu rosto já havia se deteriorado.

“Ah Mei², você sente que isso é contagioso?” Enquanto observava Zhang Haidong realizar a raspagem de pele em Xie Yiman, Gu Jun perguntou a Deng Ximei. A intuição dela era importante.

Seria Xie Yiman alguém como uma “Lídia”?

“Se for apenas a sensação que tenho”, murmurou Deng Ximei, “parece-me uma escolha aleatória de atores sobre o palco.”

Escolha aleatória? Gu Jun mergulhou em reflexão. Diante da multidão de todos os seres vivos, a arbitrariedade da desgraça, a definitividade da morte…

Se fosse assim, então não seriam apenas estrelas e celebridades. Outros profissionais “sobre o palco” também estariam em perigo.

Talvez, no entanto, houvesse uma boa notícia. Os espectadores fora do palco, por ora, não correriam risco de infecção.

Concluída a raspagem, os especialistas prescreveram a Xie Yiman alguns medicamentos antialérgicos e anti-infecciosos. Também tentaram empregar a “droga n°1” eficaz contra a nova legionelose, em sua versão genérica, além de compressas tópicas de ácido bórico para aliviar o prurido. Enquanto a causa permanecesse obscura, não havia mais que pudesse ser feito.

O alerta epidemiológico foi emitido em todo o país. Todos os hospitais, grandes ou pequenos, que recebessem pacientes com esse quadro cutâneo deveriam proceder imediatamente ao isolamento e fazer a notificação.

Na madrugada daquele dia, saíram os resultados do PCR. Não se detectaram bactérias ou vírus entre os parâmetros de rotina.

Já a agente, a assistente e demais membros da equipe de filmagem que haviam estado em contato próximo com Xie Yiman por vários dias não apresentaram sintomas.

No entanto, novos casos começaram a surgir. O segundo, o terceiro e assim por diante, e foi justamente “sobre o palco” que estourou. Atores, cantores, modelos, apresentadores, streamers. Ao meio-dia do dia seguinte já havia 136 casos confirmados, em várias partes do país, incluindo tanto grandes estrelas quanto completos desconhecidos.

E não se limitava ao território nacional. Em países como os Estados Unidos e no Reino Unido, a doença desconhecida também eclodira.

O número de pacientes no mundo já ultrapassava mil, incluindo inúmeras celebridades de grande sucesso.

Novamente em escala global, antes mesmo de a GOA e a WMO estarem formalmente constituídos, todos já enfrentavam um desafio severo…

O quadro clínico era uniforme, começava com um prurido súbito no rosto, seguido por coceira cada vez mais intensa até atingir um ponto crítico de explosão, quando surgiam eritema e edema localizado.

A diferença estava no tempo de progressão até esse ponto crítico. Segundo os dados coletados, parecia que, quanto mais famosa a pessoa, mais rápido o desencadeamento.

Por ora, essas informações ainda estavam sendo ocultadas do público e todas as pessoas que tinham conhecimento interno da situação haviam sido colocadas sob controle e em isolamento.

Mas, se a propagação continuasse, não seria possível ocultar por muito tempo, pois logo as pessoas perceberiam de súbito que todos aqueles que estavam sobre os palcos haviam desaparecido.

“Ah Jun, será que isso é a ‘Doença das Escamas Mutantes’ de que falou o Grande Ancião Atal?” O ancião Tong e os outros levantaram essa dúvida. Na profecia, a doença das escamas mutantes consistia no surgimento de escamas por todo o corpo, algo que se manifestava claramente como um sintoma cutâneo. Segundo as inferências dos especialistas médicos, só poderia tratar-se de uma hiperqueratose cutânea, formando placas queratinizadas semelhantes a escamas.

“Não é impossível.” Gu Jun já havia cogitado essa possibilidade. Os Profundos…

Que ligação existia entre aqueles seres heteróclitos que veneravam o Senhor de R’lyeh e a Doença das Escamas Mutantes? E agora, os pacientes apresentavam no rosto aquelas manchas eritematosas em forma de tentáculos…

Mas, dado o peso que a Doença das Escamas Mutantes possuía nas lendas passadas dos viajantes, mesmo que não fosse contagiosa, certamente tinha o poder de acarretar consequências gravíssimas.

Se era ou não a Doença das Escamas Mutantes, isso ainda estava em aberto. O que já se apresentava eram inúmeros dilemas terapêuticos. Mais uma vez, não havia medicamento específico.

A droga n°1 não surtia efeito, a loratadina não surtia efeito, as compressas de ácido bórico tampouco. Nem mesmo anestesia local na face trazia alívio.

“Aaah…”, em menos de um dia, a primeira paciente internada, Xie Yiman, já estava profundamente abatida. Desde o início da doença não conseguira descansar nem dormir. A coceira maligna em seu rosto apenas aumentava incessantemente e ela já havia se arranhado até abrir múltiplas lacerações. Se não fosse pelo ambiente estéril da ala de isolamento, o risco de infecção seria enorme.

Ela não queria se coçar, não queria nenhuma lesão na pele. Os profissionais de saúde tampouco desejavam que ela se ferisse, mas não se coçar significava uma agonia insuportável. Isso a levava a crises de taquicardia, dificuldade respiratória e outras reações, e seu estado mental já se tornara motivo de grande preocupação.

1. Um baixo-relevo é uma imagem de projeção com uma profundidade total rasa, por exemplo, usada em moedas, na qual todas as imagens estão em baixo-relevo.

   Não lembro de que baixo-relevo/estátua ele tá falando. Se alguém souber em que capítulo isso apareceu, comenta aí pfvr ;; [↩]

2. Forma carinhosa de chamar alguém, o Ancião Tong também chama o Gu Jun de “Ah Jun”.[↩]