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    Após Deng Ximei terminar de contar sua história, a bolha do doce sonho se rompeu. Gu Jun, como se despertasse de um pesadelo, voltou à consciência.

    “Uh…” O rosto de Deng Ximei estava pálido e sua boca apresentava um leve tom cianótico. Gu Jun apressou-se em verificar-lhe o pulso, a sua frequência cardíaca já estava em taquicardia…

    “Eu os matei…” Sua voz era gélida. “Usei uma corda para os estrangular…”

    “Não, você não fez isso.” Gu Jun segurou-lhe os ombros. Com base nas sensações que havia compartilhado com ela dentro do sonho, passou a confiar, da forma mais essencial, naquela mulher. “Deng Ximei, quando você tinha sete anos, seus pais a tiraram do covil de malfeitores. Desde então, você cresceu com eles, vivendo sempre em meio à natureza. Foram eles que lhe ensinaram tantas coisas.”

    “Foi mesmo…” O olhar de Deng Ximei oscilava, como se lutasse contra uma onda interior de incerteza. “Foi realmente isso?”

    “Foi exatamente isso.” Reafirmou Gu Jun com firmeza. “Aquelas informações e a técnica de barreira mental foram ensinadas por eles, para protegê-la.”

    “Talvez.” O rosto de Deng Ximei começou a relaxar, e o pulso, antes acelerado, foi se estabilizando pouco a pouco. “Talvez.”

    Gu Jun soltou um suspiro de alívio. A força de vontade dela, por ora, estava preservada, embora o valor S certamente estivesse em níveis assustadoramente baixos.

    Ele não tinha intenção de relatar tudo exatamente como ocorrera. Conhecia bem o estilo da Phecda e entendia a situação política atual. Mesmo com o apoio do Ancião Tong, surgiriam inúmeros problemas. Travar disputas sobre confiar ou não em Deng Ximei apenas atrasaria o andamento dos assuntos.

    Ele também não pretendia baixar completamente a guarda diante dela. Sua postura era manter certa vigilância, mas sem tratá-la como inimiga, dando prioridade à confiança.

    Por enquanto seria assim, o futuro dependeria de como as circunstâncias evoluíssem.

    “Do que você gosta de comer?” Gu Jun teve uma ideia.

    “Hm?” Deng Ximei ficou atônita.

    “O que você acha bem gostoso. Vou levá-la para comer uma ceia.” disse Gu Jun. Era hora de descansar um pouco. Ele tinha muitas novas dúvidas, e o assunto do vídeo era urgente, mas interrogar Deng Ximei agora seria o mesmo que matá-la. Primeiro uma refeição, para que ela respirasse, e para que ele mesmo respirasse.

    “…” Deng Ximei refletiu por um bom tempo antes de responder: “Broto de bambu salteado, aspargo salteado, celtuce em tiras salteado… já está bom?”

    “Não vai querer nem um pouco de carne?”

    “Não sou muito fã de carne, mas pode ser um peixe fresco no vapor.”

    “Entendi, você gosta de comida leve.” Gu Jun assentiu, tirou o celular e fez uma ligação. Assim que atenderam, ele falou em voz alta: “Bora trabalhar, bora trabalhar! Estou levando a Deng Ximei para comer uma ceia, preparem esses pratos.” Ele recitou os que ela havia pedido, acrescentou algumas carnes para si mesmo e ainda uma tigela de sopa nutritiva.

    Deng Ximei, ao lado, ficou um tanto confusa com a cena.

    “Agora você também faz parte da Phecda, precisa aproveitar pelo menos um pouco dos benefícios básicos.” Gu Jun fez um gesto com a mão. “Vamos lá, até o restaurante do centro de lazer!”

    A ligação que acabara de fazer tinha sido para Wu Shiyu, gerente do restaurante. Embora já passasse das dez da noite, o pessoal do setor de lazer permanecia de prontidão durante o expediente. O restaurante, em particular, jamais fechava. Até quem acordasse de sonambulismo no meio da madrugada poderia encontrar uma cesta de baozi.

    Quando Gu Jun trouxe a confusa Deng Ximei ao restaurante do Centro de Lazer, já na entrada podia-se sentir o aroma intenso dos pratos que transbordava do interior.

    No elegante salão, algumas mesas ocupadas por membros do departamento desfrutavam de uma ceia.

    “Bem-vindos, bem-vindos!” Duas figuras calorosas avançaram, eram Li Lerui e Wu Dong. “Bem-vindo, capitão Gu! Bem-vinda, bela senhorita Deng!”

    “Ayoo!” Eles não sabiam exatamente quem era Deng Ximei, apenas haviam recebido instruções de que se tratava de uma amiga de Gu Jun e convidada importante. O rosto largo e bonachão de Wu Dong se abriu em sorriso. “Por favor, entrem, por favor. É uma honra tê-los aqui! Sair à noite para um encontro e vir ao nosso restaurante para a ceia é, sem dúvida, a melhor escolha.”

    Do balcão, Lin Xiaotang apenas lançou um leve riso de escárnio. Nem para puxar o saco ele sabe olhar direito a situação antes de abrir o bocão. Que grande cabeça de vento…

    “Wu Dong, o pessoal da cozinha está chamando você.” A voz de Wu Shiyu ecoou. “Vá logo ajudar.”

    Ambos se chamavam Wu, mas a diferença entre eles era enorme. Repreendido pela gerente, Wu Dong não teve alternativa senão sair. Só então se deu conta. Será que ele falou algo que não devia?

    Antes que Wu Dong se retirasse, Gu Jun ainda fez questão de apresentá-lo a Deng Ximei, e também foi apresentando um a um os demais presentes.

    Deng Ximei precisava de tratamento psicológico verdadeiro. Como alguém que já passara por isso, Gu Jun sabia que bons amigos funcionavam como um remédio milagroso. Por isso, deveria ajudá-la a ampliar seu círculo social, a sair daquela muralha sombria interior e a aprender a apoiar-se na luz.

    Em seguida, os dois se acomodaram em uma mesa reservada, e logo pratos frescos começaram a ser trazidos da cozinha por Li Lerui. Gu Jun, que passara a tarde inteira ocupado na sala de dissecação e só havia comido um pouco de pão, diante da mesa repleta de delícias, começou imediatamente a provar cada prato com entusiasmo.

    Deng Ximei também pegou os pauzinhos, apanhou um pedaço de broto de bambu e, em seguida, retirou o olho de um lado do robalo feito no vapor para comer.

    Pelo modo como se portava à mesa, era visível que ela não tinha noção de etiqueta, tampouco de costumes básicos. O que, no caso dela, não era nada surpreendente.

    “Se gosta de comer olhos de peixe, pode comer mais.” Gu Jun, vendo Deng Ximei saborear com gosto, chamou imediatamente Li Lerui: “Peça para a cozinha preparar mais algumas cabeças de peixe no vapor.”

    De repente, ele sentiu como se um vento frio soprasse. Quando se virou, viu Wu Shiyu parada logo atrás.

    “Ximei.” Wu Shiyu observava atentamente a jovem sentada à frente, esfregando suavemente as mãos. “Posso tocar em você?”

    “Hã?” Os pauzinhos de Deng Ximei, com os quais escavava o olho do peixe, pararam no ar.

    “A Shiyu tem a habilidade de reconhecer as pessoas pelo sabor.” explicou Gu Jun, dando de ombros. “Para ela, conhecer alguém começa pelo gosto.”

    “Exato. Só quero ter certeza se o seu gosto confere com o seu nome.”1

    “Pode…” Deng Ximei assentiu.

    “Então eu vou com tudo.” Wu Shiyu deu um passo à frente e passou a mão pelos cabelos, pelo rosto e pelo pescoço de Deng Ximei… Enquanto a tocava, suas sobrancelhas delicadas se arqueavam levemente, e ela murmurava: “Confere mesmo. É como o orvalho da manhã, um aroma puro da natureza, fresco e adocicado… uma água boa…”

    “Ela está bebendo da nascente do seu sabor.” explicou Gu Jun. “Essa aí é capaz de transformar qualquer coisa em alimento.”

    No rosto de Deng Ximei surgiu um leve sorriso.

    Excetuando a infância que ela não lembrava, era a primeira vez que Gu Jun a via sorrir. Era como presenciar o desabrochar de uma rosa, belo de verdade. Ele também sorriu: “Deng Ximei, você deveria sorrir mais vezes. Todos nós deveríamos sorrir mais, senão acabaremos derrotados por aqueles desgraçados.”

    “Un…” Deng Ximei assentiu levemente.

    “Certo, conversem aí.” Wu Shiyu estalou os lábios, satisfeita com a refeição, pronta para se retirar. “Se precisarem de algo, é só chamar. Vou ali ver um pouco de televisão.

    Ela tinha dado apenas alguns passos quando Gu Jun gritou: “Yu de mente suja!” Quando ela se virou e voltou, ele disse: “Nada, só queria que você caminhasse mais alguns passos, fazer um pouco de exercício é bom para a sua saúde.” Ao terminar, ele não conteve o riso. Ele estava mesmo precisando de um pouco de leveza.

    “Ah, entendi.” Wu Shiyu continuou o trajeto, mas antes parou ao lado dele e deu alguns socos fortes em seu ombro. “Boxe é um exercício muito melhor.”

    Depois de dar os golpes, ela sacudiu os punhos, fez uma careta e murmurou baixinho enquanto se afastava: “Aff, parece até que bati em ferro, cansei.”

    O sorriso de Deng Ximei se abriu ainda mais. Em seu olhar havia um traço de admiração e também de firme determinação. “Gu Jun, meu estado mental já melhorou, está tudo bem… Eu não quero atrasar o que é importante. Pergunte o que precisar que eu direi tudo o que eu souber.”

    Gu Jun respirou fundo e assentiu em silêncio.

    1. Ximei significa rosa preciosa, ou coisa assim. []

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