Índice de Capítulo

    Deng Ximei contou muitas coisas a Gu Jun, grande parte “foram ensinadas pelos meus pais”. Talvez também graças àquela refeição, seu estado mental ainda se mantinha firme.

    Contudo, devido à postura vigilante do Culto da Vida Após a Morte em relação às crianças espirituais, o conhecimento que ela tinha sobre essa organização era, na verdade, limitado. Questões como a estrutura interna, a composição de seus membros e afins, ela não sabia responder. O que conhecia dizia respeito apenas à parte de que era encarregada, a poesia e as histórias do mundo estrangeiro.

    Havia também outras crianças espirituais. Ela mencionou alguns nomes, mas eram pessoas que conhecera apenas na infância e com quem, mais tarde, perdera contato.

    Ainda assim, ela sabia que continuavam no Culto da Vida Após a Morte, porque, em um grande ritual realizado cinco anos atrás, havia voltado a encontrá-los. Naquela ocasião, entretanto, não lhes era permitido conversar entre si, apenas se olhar de longe. Por isso, ela não tinha clareza sobre como estavam naquele momento, nem sobre sua situação atual.

    Tratava-se de um ritual dedicado à árvore banyan. Eventos desse tipo, ao longo dos anos, raramente eram realizados, mas, naquele dia, compareceram muitas pessoas, muitas daquelas figuras de rostos ressequidos.

    Gu Jun refletiu ao ouvir aquilo, devia ser um dos rituais realizados pelo Culto da Vida Após a Morte para invocar a doença malformativa de banyan e abrir o canal entre os dois mundos.

    Deng Ximei acrescentou que, nesses rituais, aquelas crianças espirituais compareciam sob suas identidades na civilização estrangeira…

    Fazer com que ela narrasse tudo em detalhe não era fácil. Ela contava um pouco, fazia uma pausa para comer alguns pratos, e depois voltava a falar mais um pouco.

    “Lídia.” Esse era o nome de sua identidade no mundo estrangeiro. Ela não era uma Médica Carlot, sobre o que ela não tinha tanto conhecimento. Lídia era uma jovem bela e atraente, de longos cabelos negros e olhos igualmente negros, além de possuir vasta erudição e grande talento literário.

    Contudo, Lídia adoeceu gravemente, e sua vida estava chegando ao fim. Em seu leito de morte, escreveu um poema intitulado “O Verme Conquistador”.

    Deng Ximei escreveu o poema inteiro. Ele descrevia uma tragédia chamada “Homem”, que era justamente o conteúdo daquele vídeo herético: um grupo de palhaços disfarçados de deuses corria pelo palco em perseguição a uma miragem, até que, subitamente, eram devorados por um verme de cor escarlate.

    Gu Jun percebeu naquele poema um sopro de desolação antiga, como alguém que avança a todo custo pela escuridão da noite sem jamais enxergar um raio de esperança.

    Talvez fosse esse o sentimento que Lídia desejava transmitir.

    O homem é como aquele bando de palhaços que passam a vida inteira a perseguir as ilusões mundanas, acreditando terem-se tornado deuses e estarem no controle de seu próprio destino. Mas por mais que persigam, jamais alcançariam a verdade. Doenças e desastres súbitos podem arruinar tudo.

    Assim como os magnatas, astros e grandes figuras que morreram cedo por algum motivo, todos eles não passavam de material para a tragédia. O verdadeiro protagonista é o Verme Conquistador.

    Contudo, a morte também permite que os mortais vislumbrem esta verdade: A morte extingue o banal, e nela o ser se eleva.

    “Nem toda banalidade é vulgaridade”, disse Gu Jun com seriedade, lembrando-se do que Deng Ximei havia contado, de que também a morte poderia libertá-la. Ele sabia que havia muita sombra em seu coração e, por isso, a encorajou: “Viver tem suas vantagens. Ao menos ainda se pode saborear uma boa refeição.”

    “Lídia queria continuar vivendo, não é?”, murmurou Deng Ximei, assentindo com um leve brilho no olhar.

    Gu Jun compreendeu o que ela queria dizer e não insistiu mais nesse ponto, mudando a pergunta para saber a que tipo de ritual de sacrifício ela se referia.

    “‘O Verme Conquistador’ deveria já existir no outro mundo. Embora este poema tenha sido escrito por Lídia, ele possui uma força ritual capaz de convocar a chegada do Verme Conquistador. E, junto com ele, vêm nuvens ainda mais densas de morte.”

    Gu Jun mostrou a ela a gravação em vídeo do imenso verme diante da Casa de Belos e Raros. Deng Ximei sacudiu a cabeça e disse que aquilo não era o Verme Conquistador, talvez apenas uma larva.

    “Nas visões que eu vi…”, Deng Ximei às vezes também tinha visões, “o Verme Conquistador é tão gigantesco quanto uma montanha. Primeiro surge como uma larva, que depois é criada e alimentada até se tornar imensa. O modo de criá-la é encenar a tragédia “Homem” diante das pessoas, para que nelas se plante este espírito: que a vida é vã, que a vontade do homem é sem valor e que a morte é a única verdade.”

    Gu Jun franziu o cenho ao ouvi-la. Suas palavras confirmavam ainda mais suas deduções.

    Aqueles cultistas, mesmo profundamente abalados, não tinham a intenção de se retrair. Pelo contrário, planejavam provocar o caos para tentar restaurar o cenário sombrio que almejavam.

    “O que você quer dizer com encenar ‘Homem’?”, perguntou ele. “Divulgar aquele vídeo? Ou deixar o monstro devorar pessoas pelas ruas?”

    “Não.” Deng Ximei apertou os lábios. “A morte de Lídia, para quem a admirava, mesmo sem conhecê-la, já seria sentida como uma grande perda, não?”

    “Está querendo dizer…” Imagens vagas começaram a se formar na mente de Gu Jun. “A companhia Laisheng pretende atacar figuras públicas?”

    A morte de uma única pessoa talvez não chamasse tanta atenção. Mas se fosse a de um famoso, alguém de grande sucesso e com inúmeros seguidores…

    E se não fosse apenas um, mas muitos famosos?

    “É possível.” Deng Ximei assentiu. “Os atores no palco, justamente aqueles mais radiantes e brilhantes.”

    Um acontecimento assim poderia, de fato, abalar a confiança do povo… Gu Jun, pensativo, continuou a fazer muitas perguntas. De que modo pretendiam agir? Com doenças? E como isso se ligava ao ritual de invocação? De que maneira forneceria alimento às larvas?

    Mas as respostas de Deng Ximei eram incertas. O que a conhecia era apenas o poema, não esses detalhes.

    Gu Jun sabia que aquilo não era de se estranhar. Ele próprio também não compreendia muito bem a cultura da civilização estrangeira, e seu conhecimento sobre Landon e o Filho do Infortúnio era igualmente limitado.

    Ao notar que o rosto de Deng Ximei já estava pálido e que o brilho de seus olhos se apagava, entendeu que era hora de interromper.

    Quanto à técnica de barreira mental que ela dominava, às demais poesias do outro mundo, às outras crianças espirituais e até às retratações em desenho das faces que conseguia lembrar, tudo isso, claro, era de grande importância. Mas fosse para protegê-la, fosse para preservar essas informações, seria melhor esperar até o dia seguinte, quando seu estado mental estivesse mais estável. Afinal, um louco não fala coisa com coisa.

    As informações que Deng Ximei havia trazido naquela noite já bastavam para ocupá-lo.

    Assim, Gu Jun de fato não permitiu que ela continuasse falando. Depois de terminarem a ceia, ela foi escoltada de volta à cela pelos agentes de ação, enquanto ele seguiu para o prédio administrativo a fim de fazer seu relatório.

    Ele relatou de acordo com a narrativa que havia decidido sustentar. Para reforçar sua credibilidade, acrescentou: “Na verdade, o grande ancião Atal já havia feito uma profecia a respeito disso. Ele me deixou a frase, ‘a rosa traz espinhos, mas a fragrância perfuma o ambiente.’ Antes eu não entendia, mas agora compreendo.”

    “Garoto.” O Ancião Tong virou-se de repente e o agarrou pelo olhar, perguntando: “Afinal de contas, o que mais esse Atal te disse?”

    “Muitas coisas. Há algumas que ainda não me vêm à memória, pois Atar as selou. Elas surgirão no momento certo.”

    Quando tudo terminou, já era de madrugada.

    O céu noturno estava negro como breu, mas muitas áreas da base ainda brilhavam com luzes acesas. Gu Jun caminhava sozinho pelo caminho de volta ao dormitório, sem o menor sinal de sono.

    Ele ergueu os olhos para a escuridão acima. Vai saber, talvez todo o universo estivesse de fato sob o controle de forças obscuras e incompreensíveis. O homem é banal, mas ainda assim capaz de contemplar o céu noturno. E aquela noite realmente tinha seu encanto.

    Ele só não sabia quantas noites tranquilas como aquela ainda poderia desfrutar no futuro.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota