Capítulo 3 – A Amarga Verdade (1/3)
por 444.EXECapítulo 003
A Amarga Verdade
Se alguém tivesse perguntado a Zorian no final da primeira semana em quais aulas achava que teria mais problemas, ele responderia Fórmulas de Feitiço e Matemática Avançada. Magia de combate, talvez. Duas semanas depois, poderia dizer com segurança que a resposta era Proteção.
Proteção, a arte de defender as coisas com magia, era um campo complexo de uma forma surpreendente. Você tinha que levar em conta do que a coisa que está tentando proteger é feita, quais eram suas dimensões e geometria, como a proteção vai reagir com a magia já existente… ou poderia apenas colocar uma proteção de propósito geral em seu alvo e esperar pelo melhor. Mas a professora o reprovaria por essa resposta, então essa não era uma opção na sala de aula.
Mas deixando de lado essas complexidades, a aula deveria ter sido fácil, ou pelo menos não tão confusa — Zorian era uma pessoa paciente e metódica quando se tratava de magia, e havia passado por matérias piores do que proteção com resultados decentes. O problema era que a professora, uma mulher severa com cabelo tão curto que parecia ter ido até o fim e raspado a cabeça completamente, não sabia ensinar. De forma alguma.
Oh, ela claramente conhecia muito bem o assunto, mas apenas não sabia como traduzir esse conhecimento em uma lição adequada. Deixava muitas coisas de fora de suas aulas, parece que sem perceber que só porque eram óbvias para ela, não eram óbvias para seus alunos. O livro atribuído para a classe não era muito melhor, e parecia mais um manual para um protetor profissional do que um livro para estudantes.
Questão 6: Você tem a tarefa de construir um posto de pesquisa avançado em um poço de mana de primeiro grau nas Terras Altas de Sarokian. O edifício destina-se a suportar uma equipe de 4 pessoas em um determinado momento, e os pesquisadores expressaram preocupação com a forte presença de matilhas de lobos invernais e uma infestação de vespas perfuradoras na área circundante. Você tem um orçamento de 25.000 peças e é considerado um protetor certificado do segundo círculo.
Supondo que apenas a mana extraída do poço de mana esteja disponível para alimentar as proteções, qual combinação de proteções você acha que seria a melhor escolha para o posto avançado? Explique seu raciocínio.
Desenhe as plantas básicas do posto avançado planejado e explique como a localização planejada da sala e a forma do próprio edifício afetam a eficácia da proteção.
Você acha que a questão da infestação de vespas perfuradoras é melhor resolvida com o uso de um repelente de vermin 1 ou com uma escolha cuidadosa de materiais de construção? Explique seu raciocínio.
Suponha que você foi contratado para construir não um, mas cinco postos avançados. O orçamento continua o mesmo. Como isso muda sua resposta? Você acredita que é melhor fazer proteções idênticas para todos os cinco postos avançados ou acha que alguma diferença entre elas é adequada? Explique as vantagens e desvantagens de cada abordagem.
Zorian esfregou os olhos em frustração. Como ele deveria responder a uma pergunta como essa? Ele não fez a eletiva de arquitetura e não sabia que tinha que fazê-la para se sair bem na aula de proteção. Sem mencionar que a pergunta presumia que eles sabiam quais eram as taxas de mercado para comprar os materiais necessários, ou que sabiam onde ficavam as Terras Altas de Sarokian.
Zorian era muito bom em geografia e não fazia ideia, embora, considerando a presença de monstros como lobos invernais, suspeitasse que estivessem em algum lugar da floresta do norte.
Pelo menos ele sabia como responder à terceira parte da pergunta. A resposta correta era definitivamente proteções. Mesmo que o posto avançado se tornasse não comestível para larvas de vespas, ainda assim seria um local privilegiado para construir um ninho. Considerando como esses insetos eram territoriais, você não queria que eles vivessem perto.
Em teoria, a opção de escolha cuidadosa de materiais liberaria mana que, de outra forma, seria gasta na manutenção de proteções repelentes de vermin, mas essas proteções exigiam muito pouco fluxo de mana para permanecerem ativas. Especialmente se elas foram codificadas para vespas perfuradoras em específico.
Seus pensamentos foram interrompidos por uma risada feminina vinda do fundo da sala de aula. Zorian nem precisou se virar para saber o que estava acontecendo — Zach estava entretendo os alunos ao seu redor de novo.
Ele gostaria que a professora penalizasse o cara pela perturbação que estava causando, principalmente no meio de uma prova, mas Zach era um tanto querido para a mulher severa porque era o único aluno com notas altas nas provas.
Sem dúvidas o cara já havia finalizado sua prova com 100% de acerto. O que, aliás, não fazia o menor sentido — durante os dois primeiros anos, Zach era um aluno abaixo da média, distinguindo-se mais por seu charme do que por seu talento mágico. Mais ou menos como uma versão mais legal de Fortov, na verdade.
Este ano, porém, estava acertando tudo. Tudo. Ele tinha uma riqueza de conhecimento e uma ética de trabalho que não tinha no final do segundo ano, muito além do que poderia ser obtido com a passagem normal do tempo.
Como alguém melhora tanto no período de um único verão?
15 minutos depois, Zorian jogou o lápis na mesa, desistindo. Respondeu apenas oito das dez perguntas, e não tinha certeza de quão corretas essas oito estavam, mas teria que servir. Ele teria que reservar alguns dias para estudar sozinho, porque as aulas estavam fazendo cada vez menos sentido a cada dia que passava.
A única outra aluna que permaneceu na sala de aula por tanto tempo quanto ele foi Akoja, e ela entregou seu teste apenas alguns segundos depois dele e o seguiu para fora. Claro, eles ficaram tanto tempo na sala de aula por razões muito diferentes. Ele ficou para poder raspar alguns pontos perdidos. Ela ficou porque era uma perfeccionista que queria checar tudo três vezes para ter certeza de que não esqueceria nada.
“Zorian, espere!”
Zorian diminuiu a velocidade e permitiu que Akoja o alcançasse. A garota podia ser insuportável às vezes, mas era uma boa pessoa no geral e não queria brigar com ela só porque a prova não saiu do jeito que gostaria.
“Como você acha que foi lá atrás?” ela perguntou.
“Mal,” ele respondeu, não vendo sentido em mentir.
“Sim, eu também.”
Zorian revirou os olhos. A definição dele e dela de mal diferia muito.
“Neolu terminou em apenas meia hora,” disse Akoja após um breve silêncio. “Aposto que ela vai conseguir uma pontuação perfeita de novo.”
“Ako…” Zorian suspirou.
“Eu sei que todo mundo pensa que estou com inveja, mas isso não é normal!” disse Akoja em voz baixa, mas agitada. “Sou muito inteligente e estudo o tempo todo e ainda estou tendo problemas com o currículo. E nós dois estivemos na mesma classe que Neolu nos últimos dois anos e ela nunca foi tão boa. E… e agora ela está me vencendo em todas as matérias!”
“Mais ou menos como Zach,” disse Zorian.
“Exatamente como Zach!” ela concordou. “Eles até saem juntos, os dois e uma outra garota que eu não conheço, se comportando como… como se estivessem em seu próprio mundinho particular.”
“Ou como se fossem um casal,” disse Zorian, antes de franzir a testa. “Trisal? Qual é a palavra para um relacionamento romântico entre 3 pessoas?”
Akoja zombou. “Qualquer que seja. O ponto é que os três não fazem nada além de perder tempo juntos, antagonizar os professores e obter notas perfeitas de qualquer maneira. Eles até recusaram a chance de serem transferidos para grupos de 1° nível, você acredita nisso!?”
“Você está muito preocupada com isso,” Zorian advertiu.
“Você não está um pouco curioso sobre como eles fazem isso?” perguntou Akoja.
“Claro que estou,” zombou Zorian. “É difícil não estar. Mas o que posso fazer sobre isso? Além disso, Zach nunca fez nada comigo. Não quero causar problemas só porque do nada ele descobriu seu prodígio interior.”
Ele sentiu Benisek se juntar a eles de repente, simplesmente surgindo de trás de uma esquina para poder caminhar ao lado deles. Às vezes, Zorian se perguntava se o menino gordinho podia sentir o cheiro de fofoca.
“Eu sei o que você quer dizer,” disse Benisek. “Eu sempre pensei que Zach não era bom em nada. Você sabe, como eu?”
“Ah. Bem, não há como ele ficar tão bom em tudo durante as férias de verão,” disse Zorian. “Acho que ele estava jogando areia nos nossos olhos todo esse tempo.”
“Cara, isso é tão estúpido,” disse Benisek. “Se eu fosse tão bom assim, faria com que todos soubessem.”
“Eu não acho que ele estava fingindo falta de habilidade por dois anos seguidos,” Akoja bufou. “Ele teria escorregado pelo menos ocasionalmente.”
“Bem, o que resta então?” Zorian perguntou. Ele se absteve de listar algumas das maneiras mais obscuras de um crescimento tão rápido poder ser realizado com magia, porque a maioria delas era criminosa e tinha certeza que a academia checou Zach para ter certeza que não era um impostor metamorfo ou possuído pelo fantasma de um mago morto há muito tempo.
“Talvez ele saiba as respostas com antecedência,” ela sugeriu.
“Só se ele for um oráculo,” disse Benisek. “Boole deu a ele um exame oral na última terça-feira, quando você foi para casa mais cedo, e ele estava tagarelando sobre as respostas como se tivesse engolido o livro.”
A conversa morreu quando os três entraram na sala de alquimia, que na verdade era mais uma grande oficina de alquimia do que uma sala de aula típica. Havia cerca de 20 mesas, cada uma cheia de vários recipientes e outros equipamentos.
Todos os ingredientes para a aula do dia já estavam colocados na frente deles, embora alguns exigissem preparação adicional antes que pudessem ser usados em qualquer processo que estivessem aprendendo naquele dia — ele tinha certeza de que não colocariam grilos de caverna vivos na solução fervente, por exemplo.
A alquimia, como a proteção, era uma arte complicada, mas a professora de alquimia conhecia as coisas e sabia como ensinar, então Zorian não estava tendo problemas com a matéria.
Tecnicamente, eles tinham que trabalhar em grupos de 2 ou 3 alunos porque não havia mesas e equipamentos suficientes, mas Zorian sempre fazia dupla com Benisek, o que significava trabalhar sozinho na prática. O único problema era fazer Benisek calar a boca e parar de distraí-lo durante a aula.
“Ei, Zorian,” Benisek sussurrou para ele não tão baixinho. “Eu nunca havia notado até agora, mas nossa professora é meio gostosa!”
Zorian cerrou os dentes. O maldito idiota não conseguiria manter a voz baixa se sua vida estivesse em jogo. Não havia como ela não ter ouvido isso.
“Benisek,” ele sussurrou de volta para seu parceiro. “Preciso de boas notas em alquimia para conseguir o emprego dos meus sonhos quando me formar. Se você estragar tudo para mim, nunca mais falarei com você.”
Benisek resmungou revoltado antes de voltar a sua cobiça. Zorian voltou a se concentrar em moer as cascas de vespas perfuradoras em um pó fino necessário para o tipo específico de cola que deveriam estar fazendo.
É certo que Azlyn Marivoski parecia surpreendente para uma mulher de 50 anos. Bem provável que fosse algum tipo de tratamento cosmético — ela era a professora de alquimia, afinal. Talvez até uma verdadeira poção da juventude, embora fossem muito raras e no geral imperfeitas de alguma forma.
“Não entendo por que você gosta tanto desta aula,” resmungou Benisek. “Eu nem tenho certeza se chamaria isso de magia. Você não precisa de mana para isso. É tudo buscar ervas, cortar as raízes do jeito certo … é como cozinhar. Inferno, estamos fazendo cola, de todas as coisas. Você deveria deixar isso para as garotas.”
“Benisek…”
“É verdade!” ele protestou. “Até nossa professora é uma garota. Uma garota gostosa, mas ainda assim. Eu li em algum lugar que a alquimia tem suas raízes nos clãs de bruxas, com suas poções e tudo mais. Mesmo agora, as melhores famílias alquímicas são descendentes de bruxas. Aposto que você não sabia disso, hein?”
Aliás, ele sabia disso. Afinal, foi ensinado em alquimia por uma bruxa tradicional honesta aos deuses antes de ir para a academia. Ela era tão tradicional, de fato, que zombava do nome alquimia e se referia à sua habilidade apenas como fazer poções.
Mas esse não era o tipo de coisa que você queria que as pessoas soubessem, por uma ampla variedade de razões.
“Se você não calar a boca agora, não vou deixar você ser meu parceiro mais,” Zorian disse sério.
“Ei!” protestou Benisek. “Quem vai me ajudar com essas coisas, então? Eu não sou bom nisso!”
“Eu não sei,” disse Zorian com inocência. “Talvez você devesse encontrar alguma garota para ajudá-lo.”
Por sorte, a professora estava ocupada demais bajulando a mais nova obra-prima de Zach para prestar atenção à mesa de Zorian — de alguma forma, o menino conseguiu fazer algum tipo de poção de aprimoramento com os ingredientes fornecidos, e parece que isso foi muito impressionante. Azlyn não parecia se importar com o fato de Zach ter ignorado toda tarefa de fazer cola mágica e fazer suas próprias coisas.
Zorian balançou a cabeça e tentou se concentrar em seu próprio trabalho. Ele se perguntou se receberia a mesma reação se fizesse algo assim ou se seria acusado de se exibir. Nas poucas vezes em que Zorian tentou impressionar os professores, foi simplesmente dito a ele para trabalhar no básico e não ficar arrogante, porque a arrogância mata. Foi porque Zach era o herdeiro da Casa Nobre Noveda? Ou alguma outra coisa?
Foi em momentos como esse que ele entendeu exatamente como Akoja se sentia sobre tudo isso.
* * *
“E isso conclui a lição de hoje,” disse Ilsa. “Antes de vocês partirem, no entanto, tenho um anúncio a fazer. Como alguns de vocês sabem, a tradição da Academia é organizar um baile na véspera do festival de verão. Este ano não é exceção. O baile acontecerá no salão de entrada no próximo sábado. Para aqueles que não sabem, a frequência é obrigatória este ano.”
Zorian suspirou, batendo a testa na mesa à sua frente, fazendo o resto da turma rir. De propósito, Ilsa ignorou sua reação.
“Para aqueles de vocês que não sabem dançar, as aulas de dança serão dadas todos os dias às oito da noite na sala seis. Aqueles de vocês que sabem dançar ainda têm que vir a pelo menos uma dessas aulas para provar isso — não vou deixar que me envergonhem na noite do baile. Dispensados. Senhorita Stroze, senhor Kazinski, fiquem depois da aula, por favor.”
“Oh, ótimo,” Zorian murmurou. Provavelmente deveria ter se contido para não reagir tão forte ao pronunciamento. Sendo sincero, ele pretendia pular a dança, independente de quão obrigatória fosse.
Ilsa percebeu isso? Não, ele não detectou nenhuma desaprovação na postura, e tinha certeza de que ela ficaria bastante aborrecida se pressentisse seus planos.
“Agora então…” Ilsa começou quando ele e Akoja eram os únicos alunos restantes. “Suponho que vocês dois saibam dançar?”
“Claro,” disse Zorian.
“Umm…” Akoja inquietou-se. “Eu não sou muito boa nisso.”
- um grupo de monstros⤶