Capítulo 792: Risco

— Você é doente — disse Samar com repulsa. — Diz que se arrepende de ter matado Wyntor, mas na mesma frase, afirma que faria tudo de novo se o resultado fosse o mesmo.

— Vai matar quantas pessoas inocentes for preciso só para conseguir algum avanço nessa sua luta contra esse suposto verdadeiro inimigo?

— Como se constrói uma utopia sobre os corpos de pessoas inocentes?! Você está usando o bem da humanidade para alcançar seu próprio objetivo, igual à Égide e a todos aqueles ricos corruptos que matou na camada superior!

— Você se sente feliz matando inocentes? — ela perguntou.

— Minha felicidade não importa — respondeu Nick. — Dediquei todo o meu ser a essa causa. Minha felicidade pessoal não tem consequência.

— Mas você é feliz? — ela insistiu.

— Não — respondeu Nick — e nunca serei.

— O caminho que percorro não leva à realização nem à felicidade.

— Sou um soldado em uma cidade devastada pela guerra. Só sei lutar. Só sei alcançar o objetivo coletivo. Meus métodos são debatíveis, mas são eficazes. Graças a mim, a humanidade finalmente tem esperança.

Samar olhou para Nick com nojo. — Você se ouve falando? Você é um Herói! Você não é o Campeão da Luz! Essas suas ilusões de grandeza não têm limite?

— Estou dizendo a verdade — respondeu Nick. — Negar minha importância só prejudicaria a humanidade.

— Acha que me sinto realizado ao pensar nisso? Acha que me acho melhor do que os outros?

— Não — repetiu Nick. — Sinto pressão. O destino da humanidade repousa sobre meus ombros, e esse peso é mais do que você pode imaginar. Se eu cometer um erro, milhões continuarão sofrendo por milênios. Se eu falhar, talvez a humanidade nunca se recupere.

— Enquanto eu estiver vivo, a humanidade ainda tem uma chance de liberdade verdadeira. Não estou vivendo por mim, mas por todos os outros. Não quero sacrificar as pessoas que me são próximas. Não quero ver a Braço Esquerdo ou o Técnico morrerem.

— E ainda assim, se for necessário, terei que sacrificá-los. Todos depositaram suas esperanças e sonhos em mim, e decepcioná-los seria a pior coisa que já fiz.

— Tenho que guiar a humanidade à liberdade! O mundo me colocou nesse caminho, e eu tenho que percorrê-lo até o fim! Não existe outra escolha!

Samar olhou para Nick com ceticismo.

Ele falava sobre sua própria importância enquanto dizia que odiava ser tão importante.

Parecia delírio e narcisismo.

E ainda assim, Samar não sentia que ele estava mentindo.

Samar permaneceu em silêncio por vários segundos.

— Exijo provas — disse por fim.

— Você verá o verdadeiro inimigo quando se tornar uma Heroína — respondeu Nick.

— Preciso de provas mais imediatas. Não preciso de prova sobre esse verdadeiro inimigo. Preciso de prova sobre a sua importância.

— Você disse que trabalha com a Braço Esquerdo e o Técnico. Me conecte à Braço Esquerdo e eu perguntarei diretamente a ela.

— Isso é difícil — disse Nick. — Posso te conectar à Braço Esquerdo, mas ela não pode falar livremente.

— Existem maneiras de contornar isso — disse Samar. — Se quer que eu confie em você, você precisa confiar em mim primeiro.

Nick respirou fundo.

Se Samar dissesse qualquer coisa sobre o verdadeiro inimigo, toda a operação poderia ir por água abaixo.

— É importante que você não diga nada sensível. Não mencione o verdadeiro inimigo nem o destino da humanidade de forma alguma — disse Nick.

Samar assentiu. — Não direi.

No momento seguinte, Nick conectou sua Barreira à de Samar e entrou em contato com a Braço Esquerdo.

— Relatório — ordenou a Braço Esquerdo.

Samar pôde ouvir a autoridade fria naquela voz.

Nunca havia falado com a Braço Esquerdo antes, mas não duvidava de sua identidade.

— Aqui é Samar Melfion da Cidade Carmesim. Estou conectada a você pela Barreira do Agente Especial — disse Samar.

— Diga seu objetivo — respondeu a Braço Esquerdo.

— Seu Agente Especial está pessoalmente bem à minha frente, e preciso verificar algumas de suas alegações.

— Existem outras pessoas envolvidas em uma missão que estamos discutindo, a qual tangencia a Cidade Carmesim. Algumas dessas pessoas o superam em hierarquia, mas ele afirma que, sem ele, a missão não pode ser concluída.

— Preciso de confirmação dessa alegação, já que priorizar a segurança dele pode colocar em risco a segurança dos outros membros — disse Samar.

— Essa missão está relacionada a quê? — perguntou a Braço Esquerdo.

— Está relacionada a um grupo de Espectros e a um Espectro potencialmente mais forte que os controla. Essa missão é crucial para a sobrevivência da Cidade Carmesim — disse Samar.

Na sede da Égide, os olhos da Braço Esquerdo se estreitaram.

Aquela escolha de palavras foi proposital?

Espectros só podiam ser controlados por outros Espectros.

Seria mais preciso dizer ‘um Espectro mais forte que potencialmente os controla’.

Mas, em vez disso, Samar disse: ‘um Espectro potencialmente mais forte’.

A maioria das pessoas não prestaria atenção nesse detalhe, já que qualquer um cometeria um deslize assim.

No entanto, foi Nick quem conectou a Braço Esquerdo a essa pessoa.

Além disso, o fato de Samar ter dito que o Agente Especial está pessoalmente à sua frente poderia também indicar que Nick revelou sua identidade.

Vários cálculos de risco e recompensa passaram pela mente da Braço Esquerdo.

O risco era altíssimo.

Ainda assim, a Braço Esquerdo confiava em Nick.

Se ele acreditava que aquele risco valia a pena, ela também acreditava.

— O Agente Especial falou a verdade. Não conheço os detalhes da missão, mas o Agente Especial já provou ser inestimável em muitas operações. Priorize sua sobrevivência acima da de qualquer outro. Mesmo que a missão falhe, a Égide não pode perder alguém com esse conjunto específico de habilidades.

Samar respirou fundo. — Entendido. Peço desculpas pela interrupção.

— Muito bem — disse a Braço Esquerdo antes de encerrar a conexão.

Samar ficou em silêncio por vários segundos.

A mensagem era clara.

Nick não tinha exagerado.

Sua sobrevivência era prioridade.

Nick apenas esperou por alguns segundos.

Após quase um minuto completo, Samar se virou para ele.

— Me diga o que aconteceu naquela época — disse com a voz mais fraca. — O que levou à morte de Wyntor?