Capítulo 102 - Iluminação [2/2]

A visão desapareceu, e Lith conseguiu se levantar novamente, enquanto curava seus machucados.

Ele descobriu que lágrimas ainda escorriam de seus olhos. Ele não chorava há anos, e o sentimento ligado ao ato era agridoce.

Eram principalmente lágrimas de dor, mas no final da visão, elas se transformaram em alegria pela sua terceira vida. Quando viu as dríades paradas a alguns metros dele, Lith finalmente se lembrou de onde estava.

— É para doer tanto assim? — Em outro momento, raiva e dúvida teriam enchido sua voz. Mas ele ainda estava abalado pela experiência. Ele estava questionando todas as suas escolhas de vida, incluindo o que fazer a seguir.

— Não, não é. — A dríade loira estava genuinamente preocupada.

— Era para mostrar o passado, para ajudar você a entender o futuro. Não deveria ter sido tão doloroso.

Como Lith tinha seu coração, ela sentiu um eco de sua angústia.

“Os humanos são os verdadeiros monstros. Como uma criança pode suportar tanta dor?” Ela pensou.

De alguma forma, Lith sabia instintivamente em que direção precisava ir. Um sentimento de inquietação crescia dentro dele a cada segundo, como quando recebeu o telefonema do hospital no dia em que Carl morreu.

Ainda não era tarde demais, mas o relógio estava correndo. Ele tinha que chegar lá o mais rápido que pudesse. No entanto, esse desenvolvimento era estranho demais para ser verdade, então ele precisava de respostas antes de tomar qualquer decisão precipitada.

— Você tem certeza de que isso vai me ajudar com minha alma? — À medida que as memórias desapareciam, Lith voltava a ser o que era antes.

— Como eu disse antes, não. Mas é provável. A prioridade de qualquer alma deve ser o desejo de ser curada, de ser inteira novamente. — A dríade loira disse enquanto balançava a cabeça.

— O que mais poderia ser? — Lith nunca gostou de enigmas.

— Pode significar conhecer o amor da sua vida, a pessoa que se tornará seu melhor amigo. — Ela deu de ombros. — A única coisa que eu sei com certeza é que você encontrará alguém ou algo relacionado ao que sua alma mais deseja.

— Serei honesto, toda essa conversa sobre almas e destino parece tão falsa quanto um porco voador, mas acordo é acordo. — Lith devolveu o lótus amarelo para a dríade, antes de sair disparado mais rápido que uma bala.

Assim que ficaram sozinhas, o comportamento da dríade Loira mudou, como se o céu e a terra tivessem trocado de lugar, olhando para a irmã com olhos cheios de aborrecimento.

— Primeiro você deixa uma Abominação recém-nascida te vencer em combate e te usar para sugar a energia do mundo, transformando seu território em um lixão. Então você precisa da minha ajuda para lidar com uma criança humana. Você caiu baixo, querida Lyta. — Ela disse com um sorriso de escárnio.

— Aquele bastardo me pegou de surpresa. — Lyta fez beicinho. — Não seja tão presunçosa, você e eu sabemos que no meu lugar você não teria se saído melhor. Quanto ao humano, não é uma criança, é um monstro. Ele não piscou nem depois de me ver nua.

— Graças aos deuses não é um aluno da academia. Eu morreria de vergonha se nos encontrássemos novamente. E você? Você se rendeu sem nem tentar lutar, a ponto de entregar seu coração a ele. Isso foi mais do que estúpido, querida Ryssa.

— E se ele decidisse mantê-la como escrava? E se ele exigisse que eu entregasse a minha também antes de me libertar? Como você pode correr o risco de nos transformar em putas?

Sua voz estava cheia de desprezo, olhando para sua irmã.

— Porque eu pedi para ela fazer isso. — Scarlett surgiu do nada, elevando-se sobre a dríade irritante.

— A razão pela qual deixei aquela Abominação viver, é para te ensinar que ser confiante é uma coisa, ser presunçosa é outra. Você não pode esperar que eu cubra todos os seus erros, Lyta. Faça seu trabalho direito, ou eu vou encontrar outra pessoa para fazê-lo. — Ele rugiu.

— Quanto ao garoto, é apenas um projeto meu. Ele não é humano, mas também não é uma Abominação. Eu precisava ver como ele se comportava quando recebia poder absoluto. Ao contrário de você, eu não deixo flores desconhecidas crescerem no meu jardim.

“Além disso, eu queria verificar se aquela coisa de dríade mumbo jumbo sobre almas poderia realmente consertá- lo. Caso contrário, ele nunca teria aceitado nenhuma ajuda, ele é muito paranoico. Dessa forma, ele acredita ter merecido.” A última parte o Scorpicore guardou para si.

Teria sido muito rude dizer aos seus asseclas que nem mesmo o Senhor da floresta acreditava em seus chamados poderes espirituais.

Enquanto isso, Lith seguia as instruções contidas na visão, procurando por uma clareira específica na floresta, a cerca de dez quilômetros dos portões da academia. Conforme ele se aproximava, suas preocupações e ansiedades desapareciam.

“Você está bem?” Solus perguntou.

“Na verdade, não. Você sabe qual foi a coisa mais perturbadora sobre esse feitiço? Ele me fez perceber que eu posso ter crescido como caçador e mago. Mas como pessoa, eu permaneci obsoleto.

Ainda tenho tanto medo de me machucar, que levo anos para perceber a boa fé de alguém. Não me entenda mal, não estou dizendo que de repente acredito que este mundo está cheio de pessoas maravilhosas, apenas que me arrependo de ter perdido tanto.

Pense no meu pai, Raaz. Passei tanto tempo tratando-o como uma ameaça, que quando comecei a gostar da companhia dele, já era tarde demais. É a mesma razão pela qual nunca consegui ter um relacionamento saudável na Terra.

Para realmente se conectar com alguém, você precisa se deixar ser vulnerável, ser sincero e aberto. Mas eu sempre falhei nisso. Eu esperava que algo desse errado, que a outra pessoa traísse minha confiança, a ponto de mal restar alguma.

E aqui estou eu, fazendo a mesma coisa, repetidamente.

Não faço favores, faço acordos. Não peço ajuda, só espero que as pessoas fiquem em dívida comigo e então eu cobro. O pior é que, mesmo se eu quisesse mudar, não saberia por onde começar.”

“Isso é porque você está esquecendo outra de suas falhas: você é obcecado com a perfeição em vez de apenas tentar melhorar. Se você realmente quer mudar, comece com isso. Leve as coisas um pouco de cada vez.”

Lith estava agora acima da clareira, observando a mesma cena da visão se repetir diante de seus olhos.

Seis indivíduos de aparência rude, provavelmente caçadores, tinham acabado de encurralar um jovem Byk ¹.

1. Animal mágico do tipo urso[↩]