Índice de Capítulo

    As opções de Arjîn eram limitadas. Estando contra um colega mágico, ele duvidava que Hatorne empregasse fechaduras comuns.

    O mercado ilegal era sua maior fonte de renda, ela certamente teria instalado alarmes e medidas de segurança para se livrar de intrusos ou destruir todas as evidências incriminatórias, caso algo desse errado.

    Arjîn não era impulsivo, e a missão não tinha um prazo, então ele esperou o momento certo, esperando dois dias para ter sua oportunidade.

    Chegou na forma de um carregamento de caixotes, que dois jovens entregaram após estacionarem sua carruagem no beco da entrada de serviço. Finalmente, a porta foi aberta por dentro, permitindo que as mercadorias fossem trazidas para dentro tanto pelos guardas quanto pelos entregadores.

    Usando Visão da Vida, Arjîn verificou os arredores em busca de testemunhas e depois o prédio para ter certeza de que as informações que ele tinha estavam corretas. Não havia guardas escondidos lá dentro, e isso era uma boa notícia.

    Se Arjîn quisesse, ele poderia ter pulado e matado todos eles em apenas dois segundos.

    Os corpos não eram um problema, ele podia armazená-los em seu amuleto dimensional, assim como o sangue. Um simples pulso de energia escura apagaria todos os vestígios do massacre.

    Mas isso significaria matar dois inocentes em potencial, sem mencionar que a carruagem e as caixas certamente chamariam atenção, já que eram perfeitamente visíveis da estrada principal.

    Arjîn esperou os guardas voltarem e, no último segundo, quando a porta estava prestes a ser fechada, ele Piscou1 para dentro.

    O estilete de Arjîn cortou a espinha do crânio do homem, matando-o na hora. Antes que o segundo guarda, um homem corpulento de meia-idade, pudesse reagir, Arjîn Piscou novamente, aparecendo atrás dele e colocando sua mão direita na boca do guarda antes de cortar sua garganta de orelha a orelha.

    Nem uma gota de sangue chegou ao chão, Arjîn conseguiu capturar tudo com magia de água e armazená-lo em seu amuleto dimensional. Então, ele procedeu a revistar os cadáveres, encontrando um molho de chaves e objetos pessoais.

    A julgar pela aparência, o guarda de meia-idade não era casado, nem tinha família. Sob o peitoral, suas roupas estavam sujas com manchas de comida de dias atrás, faltando alguns botões que ele nunca se importou em substituir.

    Seus pertences eram um conjunto de dados de jogo e um odre de vinho já meio vazio, apesar de ainda ser manhã. Todos os sinais de que o homem estava se deixando levar, sem nenhuma preocupação no mundo.

    O outro guarda era mais jovem, mais limpo, com um medalhão oval pendurado no pescoço, dentro do qual havia quatro iniciais inscritas em um coração.

    Arjîn usou magia do ar para raspar a barba e magia da água para remover a cicatriz falsa, aplicando ao mesmo tempo um pouco de maquiagem para se parecer o máximo possível com sua vítima antes de vestir suas roupas.

    “Enquanto alguém não chegar perto o suficiente, será difícil me reconhecer como um intruso. Mesmo que isso aconteça, a surpresa deve me dar um ou dois segundos, o suficiente para me livrar do bastardo intrometido.”

    Depois de selar os corpos em seu amuleto dimensional, Arjîn usou magia da terra novamente, dessa vez examinando o prédio por dentro.

    Como ele havia suspeitado anteriormente, o local estava protegido contra sondagens externas, mas de lá ele conseguiu perceber uma grade desconhecida de túneis e salas logo abaixo da loja.

    Arjîn saiu do armazém, indo em direção à entrada mais próxima. Ele se arrependeu de não ter tido a oportunidade de revistar as caixas atrás dele, mas agora o relógio estava andando. Seu objetivo era obter todas as evidências de que precisava, antes de explodir o lugar ou fugir depois de escrever uma nota de desculpas.

    Graças à Visão da Vida, ele pôde ver que a porta à sua frente não tinha propriedades mágicas. No entanto, quando encontrou a chave certa, ele usou magia espiritual para destrancá-la, só para ficar seguro.

    De acordo com a planta, a loja ocupava o primeiro andar do edifício, sendo composta pelo espaço de exposição de mercadorias de médio-baixo valor para consulta do público, o armazém, para estocagem de matérias-primas não selecionadas e um amplo corredor, interligando ambos com as dependências dos funcionários.

    Abaixo do nível da rua, deveria haver apenas o laboratório alquímico e o cofre, contendo produtos de alta qualidade e ingredientes raros.

    Graças à magia da terra, Arjîn não teve problemas em encontrar a alavanca escondida para abrir o caminho para os túneis. A estrada estava disseminada com alarmes e armadilhas, mas entre magia verdadeira e Visão da Vida, ele conseguiu passar por eles, mal diminuindo a velocidade.

    Construir um laboratório mágico subterrâneo era incomum, mas não sem precedentes. Lidando com magias poderosas e componentes voláteis, era de suma importância que a instalação fosse perfeitamente isolada de forças externas.

    Se energias selvagens místicas entrassem, qualquer que fosse o motivo, durante uma etapa crucial, o melhor cenário seria perder horas, senão dias de trabalho e todos os recursos empregados. No pior cenário, todo o laboratório explodiria.

    Um bom isolamento por meios mágicos era muito, muito caro. Era por isso que magos mesquinhos ou necessitados escolhiam a opção subterrânea para aliviar o peso em suas carteiras.

    Arjîn agradeceu sua boa sorte por Hatorne não ter percebido que seu estratagema era uma faca de dois gumes. Por um lado, isso lhe permitiu construir um laboratório sob o laboratório, longe de olhares curiosos, sem levantar suspeitas.

    Por outro lado, porém, ele podia ver através da Visão da Vida que ela tinha sido realmente mesquinha. O laboratório real era mal isolado, e isso significava que Hatorne não poderia ter colocado nenhum tipo de dispositivo mágico poderoso em suas proximidades sem arriscar sua própria vida.

    Como ele esperava, daquele ponto em diante, as armadilhas e alarmes eram apenas de natureza mecânica, tornando seu trabalho muito mais fácil. Enquanto ele se aprofundava, Arjîn de repente percebeu por que a segurança era tão frouxa.

    Os corredores eram grandes o suficiente para que dois adultos mal conseguissem andar lado a lado, e magicamente iluminados para que não houvesse lugar para se esconder. Entrar era relativamente simples, mas se ele fosse descoberto, sair seria quase impossível.

    O teto baixo tornava o voo inútil; o espaço apertado impedia o uso de agilidade para fugir. Força e números seriam muito mais importantes em uma luta em comparação à velocidade e magia.

    O primeiro cômodo que ele encontrou foi uma sala de estar luxuosa, com um carpete caro cobrindo todo o chão, e sofás e poltronas de veludo vermelho dispostos ao redor de uma longa mesa de cerejeira.

    “Deve ser onde ela discute negócios com seus clientes ‘especiais’.”

    Arjîn notou várias caixas de madeira sobre as mesas, cada uma delas tinha uma fechadura mágica muito complexa já ativada, exceto uma. Ele reconheceu o padrão de runas. Era uma variação de uma fechadura muito popular entre contrabandistas e espiões.

    Ele se permitia ser aberto por quem soubesse a combinação certa, não apenas por aquele que havia impresso sua magia, mas um único erro e o recipiente implodiria, destruindo seu conteúdo.

    Esta versão parecia ser mais complicada e perigosa, explodiria em vez de implodir. Arjîn armazenou todos eles em seu amuleto dimensional, esperando conseguir encontrar uma maneira de arrombá-los mais tarde.

    Ele também pegou a caixa destrancada e, depois de mover alguns móveis para ganhar o máximo de espaço possível, colocou-a no chão, apertando o botão de abertura.

    A caixa cresceu até o tamanho de um grande armário, contendo beckers, varetas de vidro, frascos e vários queimadores.

    Também estava cheio de engrenagens conectadas a braços mecânicos que pareciam ter sido projetados para segurar e manusear os materiais de vidro do laboratório que ainda não haviam sido organizados.

    Era uma maravilha de magia e ciência como Arjîn nunca havia sonhado.

    “Seja lá o que for, deve ser a versão desmontada do que está nas outras caixas. Se ao menos o vidro já estivesse cheio com os ingredientes, minha missão estaria praticamente cumprida. Do jeito que está, a pergunta permanece. Para que diabos serve isso?”

    Ele o comprimiu novamente e o guardou também.

    O salão levava a outro pequeno corredor, idêntico ao anterior. Após checar com magia da terra e Visão da Vida por armadilhas ou guardas escondidos, Arjîn seguiu adiante, determinado a encontrar a última peça do quebra-cabeça.

    Seus passos não produziam nenhum som, o que lhe permitia ficar atento aos inimigos que se aproximavam, mas ele não encontrou ninguém.

    À sua esquerda, ele encontrou outra porta, diferente de todas as outras no prédio. Era grossa e acolchoada, feita para impedir que algo saísse, mas não tinha nenhuma fechadura. Isso despertou sua curiosidade, então, depois de voltar a vestir seu traje encantado e se preparar para o pior, ele abriu a porta lentamente.

    O que ele viu foi tão assustador que até mesmo um veterano experiente como ele não conseguiu evitar sentir calafrios percorrendo sua espinha.

    O cômodo lá dentro era pequeno, cinco metros de largura e dez metros de comprimento, com correntes saindo das paredes e do chão. À primeira vista, poderia parecer uma prisão, mas tudo estava errado.

    Não havia prisioneiros pendurados, apenas cadáveres. Um parecia ter explodido por dentro, seu peito cortado em dois por um único ferimento enorme, que nenhuma arma ou animal conhecido deveria ter sido capaz de infligir.

    Outro foi queimado até a morte, enquanto seu vizinho estava congelado, e apesar do quarto estar longe de ser frio, não mostrava nenhum sinal de degelo. Depois de verificar os dois, Arjîn entendeu que a morte deles não fazia sentido.

    Não foi resultado de nenhum feitiço ou evento natural, fogo e gelo, respectivamente, os devoraram por dentro. O último cadáver era ainda mais estranho que os outros.

    O que ele supôs ter sido um velho homem agora tinha o rosto desfigurado pela agonia. Os olhos reviraram mostrando apenas o branco.

    As veias do cadáver estavam de um azul brilhante e salientes, como se fossem estourar a qualquer momento.

    Quando Arjîn tocou no corpo para examiná-lo melhor, o velho recuperou os sentidos, choramingando uma prece quase silenciosa.

    — Por favor… me… mate.

    Arjîn pulou para trás da surpresa, ativando instintivamente a Visão da Vida. Não só o velho estava vivo, mas todos os corpos acorrentados, mesmo na morte, continuavam emitindo uma assinatura de mana. O que quer que os tivesse matado ainda estava ativo.

    “O que em nome dos deuses aquela louca fez?”

    Arjîn armazenou os corpos, os magos reais teriam muito o que explicar.

    Então, ele examinou o velho novamente. Ele estava claramente com muita dor, sem condições de ser movido e Arjîn não era um curador. Ele tinha se tornado um Desperto recentemente, desenvolvendo com magia verdadeira apenas os feitiços aos quais já era apto.

    — Sinto muito, velho, mas seu corpo ou o de seus companheiros pode conter a chave para evitar um grande desastre. O Reino honra seu sacrifício.

    Arjîn quebrou seu pescoço, dando-lhe uma morte indolor, mas assim que o fez, as correntes começaram a piscar com energias mágicas.

    Mesmo sem entender como, ele sabia ter disparado algum tipo de alarme. Arjîn avaliou que entre os corpos e as caixas, ele havia ganhado o suficiente. Era hora de sair dali.

    Sem que ele soubesse, não era um alarme, assim como a sala não era uma prisão. Era apenas outro laboratório, com um tipo diferente de cobaia. As correntes tinham simplesmente alertado os assistentes que era hora de coletar os dados.

    Arjîn correu todo o caminho de volta usando a fusão de ar, desacelerando apenas para evitar as armadilhas. De repente, um homem com traje de mago e alguns guardas surgiram de um canto, conseguindo soar o alarme no momento em que avistaram o intruso.

    Amaldiçoando sua má sorte, Arjîn disparou para frente, seus estiletes acabaram rapidamente com os guardas e o mago, que morreu antes de ter tempo de lançar um único feitiço. Mais e mais guardas inundaram os corredores, morrendo como formigas sob os estiletes de Arjîn, seus corpos empilhados tão rápido quanto chegaram.

    O alarme continuou soando no prédio, forçando um assistente a alertar sua patroa.

    — Senhora Hatorne, há um intruso no laboratório de Kandria. — Sua voz estava cheia de pânico.

    — Quão longe ele foi? O que ele levou?

    A velha voz rouca estava mais irritada do que preocupada. Eles a tinham perturbado durante um ponto crucial em seu último experimento.

    — Não sabemos. Ele está prestes a sair do laboratório subterrâneo. Não sei por quanto tempo conseguiremos detê-lo. Por favor, ajude-nos!

    — Ajudar vocês? Um bando de idiotas incompetentes e ingratos? Vocês estão todos demitidos!

    Coirn Hatorne tirou uma pérola de vidro de seu amuleto dimensional, esmagando-a sob seu calcanhar. Um segundo depois, uma explosão poderosa, mas controlada, irrompeu do laboratório subterrâneo, transformando tudo e todos em um raio de cinco metros da loja em cinzas.

    Então ela pegou seu amuleto comunicador e informou seu cliente.

    — Lukart, velhote, tenho boas e más notícias. A má notícia é que um intruso estragou seu pequeno plano mestre. Tive que destruir tudo para impedi-lo de escapar.

    — Quais são as boas notícias?

    — Ainda não terminei, seu idiota. Meu antigo aluno, Professor Reflaar, veio para coletar sua ordem, e ele provavelmente está morto também. Se eu estiver certo, e geralmente estou, o intruso foi enviado aqui pela Rainha.

    — A morte do Professor é inoportuna, eles provavelmente vão pensar que ele era um dos seus cachorrinhos. Além disso, não sei se havia mais de um intruso ou o que eles descobriram.

    — O último lote está perdido ou nas mãos do inimigo, se eu fosse você, me apressaria. Se eles descobrirem o conteúdo, você falhará antes mesmo de começar.

    A voz do Arquimago Lukart estava cheia de raiva e impaciência, ele teria enterrado viva aquela velha bruxa anos atrás, se ao menos tivesse a chance. Mas Hatorne era muito inteligente e sabia demais.

    — Ainda estou esperando as boas notícias. — Ele rugiu.

    — O laboratório tinha seguro.

    1. o feitiço de “teleporte”[]
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