Capítulo 128 - Contingências
— Você não vai se arrepender da sua escolha, Lith. — O Professor Marth deu um tapinha em suas costas, com um olhar orgulhoso no rosto.
— Depois que você se formar, descobrirá que magos de rank A, como você e eu, são valorizados quase tanto quanto os de rank S, se não mais. — Ele riu baixinho.
— O quê? Por quê? — Lith não sabia se considerava aquilo uma boa ou má notícia.
— Porque, como você viu, gênios como Manohar não são apenas brilhantes. Eles também são teimosos, inconstantes e imprevisíveis. Podemos não ser tão produtivos, mas somos muito mais equilibrados e fáceis de lidar.
Após o acidente na sala de treinamento, o Professor Rudd havia perdido muito de sua maldade. Agora, ele respondia quando alguém lhe pedia explicações e, sempre que via Quylla ou Lith, suspirava profundamente, balançando a cabeça.
Nas semanas seguintes, Lith dedicou-se de corpo e alma à Forjaria, importunando implacavelmente a Professora Wanemyre com perguntas. Ele pesquisava tanto as runas que mantinham a caixas trancada, quanto sobre um constructo1 capaz de parecer com um humano.
A biblioteca o ajudou muito em sua primeira tarefa. Mesmo que a sequência exata das runas não pudesse ser encontrada em lugar nenhum, Lith conseguiu determinar seu poder e propósito. Ele chegou à conclusão de que abrir pelo menos uma das caixas era viável, se tivesse o nível de maestria de Wanemyre e uma equipe de pesquisa adequada.
Como isso era impossível, ele decidiu tomar um caminho indireto. Em vez de atacar a fechadura pelo lado de fora, como um Mestre de Forja normal, ele destruiria seu pseudonúcleo como só um Desperto conseguiria.
A fechadura e a caixa possuíam um pseudo núcleo cada, ambos mantidos no lugar pelas respectivas vias de mana que seu criador os cercara, graças aos padrões rúnicos. A principal diferença entre um pseudo núcleo e um núcleo de mana real era que o primeiro não tinha como repor suas energias sem o mago que o havia impresso.
Portanto, se de alguma forma Lith conseguisse danificar os caminhos, a energia armazenada no pseudo núcleo deveria vazar sem desencadear a explosão, e o feitiço de bloqueio seria desfeito.
Antes de fazer esse tipo de experimento, Lith sempre usava seu feitiço Silêncio e diversas barreiras para evitar que uma explosão destruísse seu quarto ou fosse notado de fora.
Um mês depois do início do segundo semestre, Lith já havia perdido três caixas. Todas explodiram sem deixar vestígios, mas ele ainda considerava a experiência um sucesso.
Nem ele nem seus pertences sofreram qualquer dano, e a cada caixa a explosão ficava mais fraca. Era apenas uma questão de tempo até que Lith conseguisse encontrar a maneira certa de perfurar os caminhos rúnicos sem que o pseudonúcleo se tornasse instável.
— Agora entendo por que a visão queria que eu salvasse Nok e conhecesse Kalla2. Com apenas a caixa de Rodimas, eu nunca teria conseguido abri-la.
— Eu poderia entregá-lo à Marquesa ou a Linjos, ficando de mãos vazias, ou tentar e falhar sozinho. — Ele suspirou.
“Bem, para um autodidata, você está indo muito bem. Marth e Wanemyre sempre elogiam seu talento e suas conquistas. Acho que Wanemyre já o considera o melhor aluno do quarto ano.”
— Sim. — Ele suspirou novamente.
— Alguém vai ficar bravo comigo de novo. Sem mencionar que estou ficando para trás em magia dimensional. Sem as noites em claro, até Yurial está me alcançando aos poucos, e ainda preciso aprender o feitiço de Restauração, que Quylla já conhece. Preciso me esforçar mais!
“Talvez seja porque Quylla só tem uma especialização, enquanto Yurial só tem duas, e eles também são muito trabalhadores. Você, por outro lado, é tão preguiçoso.” A voz de Solus transbordava sarcasmo.
“No topo das suas duas especializações oficiais, aprendendo outras especializações por conta própria e convertendo-as em magia verdadeira. Tudo isso enquanto trabalha naquela fechadura, pesquisando um corpo para mim e refinando seu núcleo de mana nas horas vagas.
O que geralmente significa que você é obrigado a usar o banheiro ou durante as aulas teóricas. Você não dorme há quase um mês. Sinceramente, estou impressionada que você tenha conseguido tanto com apenas 24 horas por dia.
Progresso, não perfeição. Lembra? Você precisa ir mais devagar.”
— Não posso. A prova do segundo trimestre está se aproximando, e ninguém sabe o que vai acontecer. Preciso fazer cada segundo valer a pena!
Desde a explosão do laboratório alquímico de Coirn Hatorne, a cidade de Kandria mergulhou rapidamente em histeria coletiva. Poucos dias após o evento, doenças estranhas e assassinatos começaram a se espalhar por toda a cidade e, com o passar do tempo, a situação só piorou.
Curandeiros de todo o Marquesado e de outros lugares foram chamados para ajudar, mas, apesar de a Coroa e a Associação de Magos não pouparem esforços para chegar à raiz do problema, eles não estavam chegando a lugar nenhum.
Um bloqueio de informações havia sido decretado para evitar que o pânico se espalhasse para fora dos limites da cidade. Aqueles que sabiam do fenômeno falavam sobre uma praga misteriosa que assombrava a província de Kandria e estavam preocupados com sua disseminação.
A contagem de corpos já havia chegado às centenas e, a cada dia que passava, mais e mais casos surgiam, forçando a Coroa a declarar o status de quarentena duas semanas após o início do surto.
Quem tentasse entrar ou sair da cidade seria executado na hora, toda a região estava envolvida por uma rede que impedia o funcionamento de feitiços de voo e Passos de Dobra.
Sylpha, Rainha do Reino Griffon e líder suprema da Associação dos Magos, estava à beira de um colapso nervoso. Ela não dormia direito desde o início da rebelião dos antigos nobres e, agora, com o mistério não resolvido da peste, sentia que estava perdendo a razão.
A Rainha não havia deixado de perceber que a situação atual havia ocorrido logo após o desaparecimento de Arjîn em combate; o problema era determinar como os dois eventos estavam relacionados. Conhecendo a destreza de Arjîn, ela suspeitava que tudo fosse obra de um Desperto.
Era impossível que um membro do Cadáver fosse morto por meios convencionais durante uma simples missão de reconhecimento. Além disso, o fato de as mentes mais brilhantes do Reino ainda não terem a menor ideia do que estava acontecendo era prova suficiente de que não era algo que uma magia falsa pudesse realizar.
O problema dela era que, além dos membros do Cadáver, a Coroa não tinha nenhum Desperto, e Lady Tyris se recusava a treinar mais de sete de cada vez. Os seis membros restantes já estavam envolvidos em situações de vida ou morte, caso contrário, ela jamais teria chamado Arjîn tão cedo.
As equipes de resgate ainda o procuravam sob os escombros do laboratório, mas até então nada havia sido encontrado. Desesperada, ela sacou seu amuleto de comunicação, tentando alcançar Krishna Manohar, o deus da cura.
Ele era o melhor curandeiro do Reino e sua última esperança. Além de uma praga mágica, poderia ter sido o efeito de um artefato antigo. Uma arma tão poderosa, se é que existia, uma vez encontrada, deveria permanecer em segredo, e era por isso que ela o havia mantido como último recurso.
Aquele homem era um canhão solto, discrição e confiabilidade não eram seus pontos fortes. O amuleto não respondeu, mesmo após várias tentativas.
Sem tempo para suas palhaçadas, Sylpha ligou para Linjos, perguntando sobre o paradeiro de Manohar e o motivo de sua indisponibilidade.
— Eu jamais ousaria desobedecer a uma ordem direta sua, Majestade, mas, infelizmente, seu primeiro pedido está além da minha compreensão. Nem eu sei onde ele está. Quanto ao segundo, acho que você não acreditaria em mim sem ouvir da boca do rei.
O Diretor pegou um pedaço de papel e o colocou sobre a gema do amuleto, permitindo que a Rainha lesse seu conteúdo.
[Caro Linjos…] O nome foi seguido por um rabisco representando um cavalo com uma semelhança impressionante com o Diretor, até mesmo usando suas roupas.
[…Estou prestes a realizar uma descoberta mágica incrível. Não posso arriscar que minha pesquisa seja arruinada pela constante importunação de mentes medíocres, então ficarei ausente por um tempo.
KM]
— Como ele ousa desaparecer de novo? Já é a terceira vez este ano! — Sylpha deu um soco na mesa com força suficiente para quebrá-la ao meio.
— Mande-me seu segundo melhor diagnosticador. Se ele ou ela não resolver meu problema, colocarei sua cabeça ao lado da de Manohar na minha sala de troféus!
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