Capítulo 129 - Tempos difíceis
Embora a Revigoração permitisse que Lith evitasse dormir, não era isento de efeitos colaterais. Quando ainda estava em casa, ele tinha várias oportunidades de relaxar, como caçar comida, ensinar magia falsa a Tista ou simplesmente passar um tempo de qualidade com a família.
Agora, Lith trabalhava incansavelmente como uma máquina, acumulando estresse sem parar, exceto pelas três refeições diárias. Com o tempo, o cansaço mental acumulado o deixou mais irritado, nervoso e agressivo.
Era algo que os Professores não notariam. Lith os prezava e fazia o possível para controlar a raiva e tratá-los com o respeito que mereciam. O mesmo se aplicava aos seus “amigos”.
Depois da última conversa franca com Solus, ele tentou passar mais tempo com eles, para dar a ela o que ela precisava: mais emoções e interação humana. Isso acalmaria a depressão dela e o deixaria nervoso, mas ele não se importava.
“Solus sempre faz tanto por mim. Ela não só é basicamente minha bússola moral, me ajudando em todas as matérias acadêmicas. Ela também restringe meus impulsos mais violentos, me tornando quase humano.
Caramba, se fosse possível, eu trocaria de lugar com ela de bom grado. Ela seria uma pessoa muito melhor do que eu.”
Solus ficou comovida com a intensidade dos sentimentos dele por ela e com os muitos sacrifícios que ele estava disposto a suportar por ela. Ao mesmo tempo, porém, ela estava muito preocupada.
A prolongada falta de sono só tornou mais evidente que sua mente e corpo estavam passando por uma grande mudança. Desde que superou o gargalo, o corpo de Lith ficou mais forte a cada vez que o núcleo de mana era refinado.
Quanto à sua mente, os eventos recentes haviam colocado muito estresse em sua psique já perturbada.
Ironicamente, embora experiências de quase morte fossem a norma desde que Lith começara a praticar magia de alto nível, foi encontrar pessoas que realmente se importavam com ele fora da família que desencadeou um conflito interno.
Mudar valores de longa data não foi fácil, foi como admitir que sempre esteve errado sobre quase tudo.
Por outro lado, o mesmo podia ser dito sobre ela. A qualidade e a quantidade de sua nutrição haviam melhorado drasticamente, e seu núcleo de mana estava prestes a ficar verde.
Mas o que mais incomodava Solus eram seus novos sentimentos. Graças aos novos sentidos aguçados de Lith, ela conseguia ouvir todos os comentários maldosos que as pessoas faziam pelas costas dele, todos os ressentimentos mesquinhos que surgiam a cada elogio que ele recebia.
Quanto mais conhecia os humanos, mais enojada ficava.
Depois que ele quase morreu protegendo todos das fendas espaciais, o comentário mais gentil que ela ouviu foi:
— Mesmo depois de perder um braço, não conseguimos tirá-lo da nossa cola o dia todo? Aquele cara é pior que uma barata!
Solus estava começando a achar que ela estava errada o tempo todo.
Lith foi convocado pelo Diretor menos de uma hora depois que a Rainha Sylpha expressou seu novo interesse em transformar a cabeça de Linjos em um suporte para escova de banheiro, em vez de pendurá-la na parede.
Após consultar o Professor Marth, o segundo melhor curandeiro da academia Grifo Branco, Linjos não teve escolha.
— Se for uma situação de vida ou morte…
— Chega de ‘se’! Há vidas em jogo, inclusive a minha!
Linjos interrompeu Marth.
— …então eu definitivamente enviaria Lith de Lustria. É o único com habilidades de diagnóstico no nível de Manohar.
— Um aluno em vez de um professor? Quão baixo chegamos? O que será do prestígio desta academia? — Lamentou Linjos.
— Curvado? — Marth franziu as sobrancelhas em sinal de desaprovação.
— O novo substituindo o velho é o modo de vida. Além disso, aceitar alguém que todas as outras academias rejeitaram por preconceito não é se rebaixar. Principalmente se ele tiver sucesso.
— Mas e se ele falhar? — Linjos estava prestes a gritar. — Vamos virar motivo de chacota no Reino. Todos vão pensar que somos tão incompetentes que teremos que depender de uma criança!
— Bem, sempre podemos enviar alguns professores e torcer pelo melhor. Pelo menos você seria reprovado com dignidade.
Linjos gemeu, sentindo uma dor repentina no pescoço. Fracassar não era uma opção.
— E aquela outra aluna? Quylla de Cerea? A essa altura, mandar um ou dois não faz diferença.
— É verdade — objetou Marth. — Seu talento para magia de luz é excepcional. Acredito que, se for bem cultivada, ela pode se tornar a próxima Manohar…
— Pare de dizer esse nome! — O pescoço de Linjos sentiu uma nova pontada, sentindo o machado do carrasco se aproximando.
— Quero dizer, no bom sentido.
— Não há nada de bom naquele homem! — Ao ver que o Diretor estava sendo irracional, Marth desistiu do assunto.
— Como eu ia dizendo, ela é uma maga magnífica, mas é jovem demais para testemunhar tais horrores. Sem mencionar que suas habilidades de diagnóstico estão no meu nível. Prefiro ir eu mesmo em vez de colocar o futuro dela em risco. Quanto à nossa nova estrela, ele é… muito especial.
Marth acessou o arquivo pessoal completo de Lith. Uma pasta quase tão grossa quanto um livro, onde os especialistas da Associação de Magos o classificaram como o que seria chamado de “sociopata de alto funcionamento”.
Nesse momento, Linjos parou de resistir e aceitou seu destino.
Quando Lith entrou, ele estava com a mesma expressão de sempre, de carranca e olhar furioso.
— Eu não fiz nada de errado e estava prestes a ter um avanço mágico! — Quando recebeu a ligação, Lith estava prestes a concluir o penúltimo exercício antes de tentar um verdadeiro Passo de Dobra.
Após a sabotagem, as aulas do quarto ano foram suspensas por alguns dias, até a conclusão da investigação interna. Ele aproveitou esse tempo para praticar mais sob a orientação de Quylla e esteve perto de tirar oito pontos ao abrir um Portal.
Enquanto a maioria dos estudantes ficou traumatizada pelo evento e precisou de aconselhamento psicológico, ele continuou seus estudos como se nada tivesse acontecido, conseguindo alcançar aqueles mais talentosos do que ele.
A escolha de palavras de Lith só intensificou o sentimento de desgraça iminente de Linjos.
O diretor lhe entregou um arquivo contendo todas as informações relevantes sobre os eventos em Kandria, explicando que sua presença era necessária para esclarecer o assunto.
— Sou apenas um estudante — Respondeu Lith, devolvendo a pasta.
— O que isso tem a ver comigo?
— O que o Diretor Linjos esqueceu de te dizer, garoto, é que isso não é um pedido. É uma ordem da própria Rainha.
A voz pertencia a um homem de cerca de trinta anos, 1,82 metros de altura, que saía de uma escada portal que se abria bem no meio da sala. Ele tinha cabelo castanho-claro cortado à escovinha e bigode da mesma cor.
Ele vestia um uniforme azul-escuro, ostentando no centro o brasão real, um escudo triangular representando um grifo empinado com uma coroa na cabeça e segurando dois cetros nas garras dianteiras. Um representava o poder mágico, o outro, o militar.
— Lith, permita-me apresentar-lhe o Capitão Velagros, do corpo da Rainha. Capitão, este é Lith, de Lustria. — Linjos levantou-se, oferecendo a mão ao seu estimado convidado.
— Você estava nos espionando ou só esperou para fazer uma entrada dramática? — Lith não ficou impressionado, mas sim irritado. Seu mau humor o fez deixar escapar o que normalmente teria pensado.
— Garoto, isso não é brincadeira. Pessoas estão morrendo neste exato momento. Se você puder fazer algo a respeito, é seu dever.
— Pessoas morrem todos os dias — Lith deu de ombros. — Geralmente acontece com os pobres, os órfãos, os sem-teto. Mas ninguém se importa. Mas se acontece com alguns caras ricos em uma cidade chique, de repente se torna um problema enorme.
— Além disso, não tenho obrigação, já que não fiz juramento. Então, deixe-me reformular: o que eu ganho com isso? — Disse ele, esfregando o polegar e o indicador direitos.
Normalmente, o Capitão Velagros teria se sentido tentado a dar uma lição no garoto arrogante, mas ele também havia lido o arquivo. Estava claramente declarado que, devido à sua criação, Lith não tinha laços reais com o Reino.
Era por isso que sua família era tão fortemente protegida. As ordens eram para não antagonizá-lo, a menos que fosse absolutamente necessário.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.