Capítulo 130 - Traidor [1/2]

O Capitão Velagros só conseguiu sorrir e suportar a atitude de Lith, e não apenas por causa de suas ordens.

Quanto mais olhava para o jovem, mais errado tudo parecia. Os olhos frios e inexpressivos, a atitude distante, eram coisas que ele já vira muitas vezes, mas nunca em crianças.

Eram características encontradas tanto em veteranos calejados pela batalha quanto em loucos com uma agenda. Por último, mas não menos importante, quando ele se apresentou de forma intimidadora, seu corpo começou a gritar por perigo.

Um membro do corpo não conseguia chegar à sua idade sem desenvolver um instinto aguçado, e naquele momento o seu próprio instinto lhe dizia para recuar e evitar movimentos bruscos.

— Quanto você quer? — Ele perguntou.

— Você fala como se eu estivesse extorquindo dinheiro. Antes de ser curandeiro, eu era caçador. E a primeira coisa que aprendi é que caçadores não fazem favores, nós fazemos acordos. Aqui está a minha oferta. Eu faço o trabalho e, se eu tiver sucesso, consigo um lugar seguro para minha família.

— Não me importa se é porque a guerra civil começou, se foi porque fomos invadidos ou se houve uma seca repentina. No segundo em que algo der errado, eu os quero seguros e fora do Reino. Fechado?

Lith estendeu a mão e Velagros a apertou sem hesitar. Por um instante, Velagros temeu que o garoto pedisse uma quantia absurda de dinheiro ou um artefato. Em vez disso, exigiu algo simples e razoável, embora caro, sem deixar espaço para barganha.

— Combinado. E se você falhar?

— Se isso acontecesse, nós dois teríamos perdido algumas horas do nosso tempo. — Lith deu de ombros.

“Enquanto eu puder usar Revigoração, não há nada que eu não possa diagnosticar. Curá-la, no entanto, é outra história completamente diferente. Se a praga for algo além da minha compreensão, nem mesmo a verdadeira magia poderá me ajudar.”

— Levará mais do que algumas horas — Explicou Velagros.

— As Plataformas de Dobra estão bloqueadas em toda a região. Primeiro, preciso preparar um ponto de saída para nós nas proximidades. Depois, chegaremos às fronteiras de quarentena de avião. Levará algumas horas para organizar tudo.

— Achei que iríamos para lá imediatamente. — Lith franziu a testa. — Neste caso, quero que nosso acordo seja registrado por escrito e assinado. As palavras podem voar, mas os escritos permanecem.

— Sem problemas. Aproveite o tempo para resolver seus assuntos ou arrumar sua bagagem antes de partir. Dependendo de como as coisas correrem, podemos ficar presos em Kandria até amanhã. E lembre-se, você não tem permissão para falar sobre a missão com ninguém.

Lith se afastou, ignorando a última ordem trivial. Ele se moveu rapidamente em direção ao seu quarto, com o objetivo de dormir o máximo possível antes de partir. Estar em seu estado debilitado dentro da academia era uma coisa.

Estava cheio de professores destinados a ajudá-lo, e um hospital que poderia curá-lo enquanto ele tivesse um único sopro de vida. Mas, por fora, ele não se importava se estava com o corpo da Rainha ou com a própria Rainha, ele sempre agiria como se estivesse sozinho.

“Estou tão feliz que você aceitou esta missão.” Solus sorriu mentalmente. “Tantas pessoas estão sofrendo, devemos ajudar se pudermos.”

“E é aí que você se engana” Objetou Lith. “Se você se voluntariar sempre que alguém estiver em perigo, viverá sua vida pelo bem dos outros. Ofereça uma mão, e eles vão querer seu braço. A exigência de pagamento servia a múltiplos propósitos.

Primeiro, se eu tiver sucesso, a visão será frustrada, pelo menos a parte com a qual realmente me importo. Segundo, isso mostrou a eles que não sou um fantoche. Só soldados obedecem sem questionar, e só idiotas e santos trabalham de graça quando poderiam receber a compensação justa.”

Solus refletiu sobre essas palavras. Antes, ela as teria descartado, considerando-as frias e cínicas, mas agora não tinha mais tanta certeza.

Depois que Lith saiu do escritório do diretor, Velagros começou a organizar os últimos detalhes da missão, enquanto Linjos não conseguia parar de suspirar.

— É esta a sociedade que realmente queremos criar? Um mundo onde os heróis são, na verdade, assassinos a sangue frio? A esta altura, não me importa o que a Rainha fará comigo. Acho muito mais aterrorizante a ideia de que, se ele tiver sucesso, tal pessoa se tornará um modelo a ser seguido.

— Eu esperava que a criação vencesse a natureza, mas parece que eu estava errado mais uma vez.

O capitão Velagros riu alto dessas palavras.

—Caro Diretor, não sei onde o senhor morou até agora, mas quando eu estudava no Grifo da Água, era um pesadelo. As brincadeiras, a competição, o estresse. Então, de que educação o senhor está falando? O senhor mima os alunos daqui? Pega na mão deles?

Linjos balançou a cabeça, corando um pouco de vergonha.

— Já vi muita gente assim. Geralmente acabam na cadeia, ingressam no exército ou se tornam comerciantes de sucesso. Depende de quanto conseguem se conter. geralmente escolhendo empregos onde podem legalmente arruinar a vida de outras pessoas ou usar a violência.

— Pense nos aventureiros e especuladores. A maioria é como ele, mas todos sonham em enriquecer com missões ou serem aclamados como homens que conquistaram o seu próprio caminho. Você já parou para pensar em quanta morte se esconde por trás de suas fortunas?

— Se ele fizer seu trabalho e não sair matando alguém, então, para mim, ele está ótimo.

Nem um minuto depois de Lith ser chamado ao escritório de Linjos pelo sistema de anúncios públicos da academia, uma ligação foi feita de dentro da Grifo Branco para o Arquimago Lukart.

— Lukart, seu idiota, a Rainha pediu nossa ajuda.

— Quem se importa? — Lukart não gostou de ser insultado, mas decidiu deixar para lá. Ter um traidor na academia valia a pena aguentar uma boca suja.

— Já me certifiquei de que Manohar conseguisse o ingrediente que procurava, então ele está fora de cena. Segundo Hatorne, não há mais ninguém que possa entender a natureza da ‘praga’. Apesar do acidente no laboratório, tudo está indo bem.

— Bem? — Zombou a voz. — Desencadear uma quarentena e alertar o mundo inteiro sobre seus experimentos está longe do que eu chamaria de ‘está indo bem’. Além disso, Linjos acabou de invocar Lith de Lutia¹, então é melhor você agir rápido.

— Quem se importa com uma criança? Ele pode morrer num incêndio, junto com sua vilazinha imunda.

A voz riu alto.

— Se você continua subestimando o mesmo ‘garoto’ que salvou a filha de Distar do seu veneno cobiçado, tirando o único lado positivo do seu fiasco total de tentativa de assassinato e, mais tarde, impediu o colapso espacial sem nenhuma vítima, apesar da minha sabotagem, então você é um idiota maior do que eu pensava.

Lukart rosnou, ambos os fracassos ainda assombravam seus sonhos. O primeiro deveria eliminar toda a família da Marquesa Distar, mas, devido à presença de Ainz, eles só conseguiram ferir a filha.

A segunda foi ainda pior. A morte dos estudantes teria causado um alvoroço, preparando o terreno para o próximo passo, levando à execução de Linjos e forçando a facção do novo nobre a abandonar todas as suas reivindicações ou iniciar uma guerra civil.

Ambos os cenários eram perfeitos, já que, na mente de Lukart, terminariam da mesma forma. Sua facção venceria e os plebeus teriam que se submeter ou morrer.

— Você não pode simplesmente desligar o sistema de proteção e matá-lo?

— Você é mesmo idiota. Depois da sabotagem, nossos anéis perderam várias funções. Agora, só o próprio Diretor pode interagir com o sistema de controle da academia.

— Você é realmente inútil! — Lukart bateu o punho na mesa, sangrando um pouco.

— Inútil? — A voz ofegou, indignada.

— Organizei minhas aulas para que fossem muito mais fáceis para seus filhos. Garanti que os Clackers assombrassem o local onde os plebeus mais promissores aparecessem. Desativei todas as proteções para que uma turma cheia de alunos pudesse ser dizimada.

— Se eu sou inútil, o que dizer da sua preciosa prole, que continua sendo superada pelos plebeus? Estou começando a achar que tudo isso é um grande erro. Talvez devêssemos simplesmente aceitar a mudança.

— Nunca! — Incapaz de suportar mais aquela bobagem, o Arquimago Lukart desligou a ligação.

1. Só pra avisar, Lutia ou Luthia, não importa, ambos estão corretos[↩]