Capítulo 77 - Interlúdio [1]

Depois do almoço, o grupo adormeceu. O estresse e a fadiga dos últimos dois dias pesaram muito sobre todos, mas Lith e Phloria foram os mais afetados.

Eles estavam na ponta dos pés sem parar desde a chegada na floresta, os únicos momentos de descanso eram aqueles que passavam na caverna. Lith havia forçado tanto seu corpo durante aqueles dias que ele estava dolorido por todo o corpo.

Ele usou Revigoração o máximo que pôde, e isso significava muito pouco. De seus experimentos com as poções, Lith sabia que as que melhoravam o físico tinham efeitos colaterais, assim como a magia de fusão, que apenas um descanso adequado poderia remover.

Revigoração poderia compensá-los, mas como ele poderia justificar sua velocidade ridícula de recuperação? Sua mente continuou buscando uma solução, mas sem sucesso. Inquieto, ele começou a reconsiderar a situação de seu grupo e as chances de sucesso.

Quanto mais ele pensava nisso, menos o exercício fazia sentido.

“Como diabos um grupo de adolescentes pode durar uma semana inteira? Sem aviso prévio e sem alguém capaz de caçar, não consigo ver nem um gênio passar do terceiro dia.

As feras mágicas do diretor atacavam uma vez por dia, e cada vez era muito pior. Se amanhã elas ficarem sérias, será o nosso fim. E isso é só a cereja do bolo, tem também o medo, a necessidade de procurar comida e abrigo.

Sem mencionar coisas como aquelas aranhas que só querem te comer.

Claro, poderíamos simplesmente nos esconder na caverna, mas se Solus estiver certa, então correríamos o risco de prejudicar nossas notas. Não sei por quanto tempo ainda posso aguentar. A coabitação forçada está me levando à beira da insanidade.

Meu ódio e minha raiva estão me comendo por dentro, é só uma questão de tempo até que eu enlouqueça.”

O grupo de Phloria acordou apenas para um jantar frugal, às custas do estoque de comida de Lith, antes de voltar a dormir.

A lua brilhava forte no céu e, de seu lugar favorito, Scarlett contemplava a última peça do quebra-cabeça que havia caído em seu colo.

O Scorpicore estava no topo da colina mais alta da floresta, o único lugar de onde algo do seu tamanho poderia sentar-se confortavelmente enquanto observava seu domínio.

“Primeiro, um grupo de cinco filhotes de homem com seis núcleos de mana. Só isso já era mais do que estranho, mas com os Clackers devastando a floresta, eu quase tinha esquecido disso. Mas então, de alguma forma, um desses filhotes de homem consegue remover de seu corpo o veneno do Stunner Clacker sem que ele perca muito de sua potência.

Eu sei que não é grande coisa desintoxicá-lo com magia ou um antídoto, mas extraí-lo de uma vítima? Nem mesmo uma besta mágica capaz de usar magia de luz seria capaz de realizar tal feito. Muito menos um humano, com sua imitação tola de magia.

Seria necessário ser capaz de localizar e manipular o veneno que corre pelo corpo com precisão cirúrgica. Isso é algo que somente um Desperto como eu seria capaz de fazer. Preciso ter uma conversa com esse filhote, antes que essa charada chegue ao fim.”

O esquadrão de elite de Scarlett estava em sono profundo, descansando para se recuperar dos muitos ferimentos recebidos naquele dia. O Scorpicore colocou uma barreira poderosa ao redor de seus amados lacaios, para que ninguém pudesse incomodá-los sem incorrer em morte súbita.

Então, com um poderoso bater de asas, Scarlett decolou, usando seu pince-nez encantado com aro dourado para encontrar onde a anomalia estava escondida. Restavam apenas algumas dezenas de grupos, entre isso e sua velocidade, encontrar a caverna era uma tarefa simples.

Uma vez lá fora, de repente percebeu que havia esquecido um grande problema.

“Droga, como diabos eu começo uma conversa sem assustá-lo pra caramba?” Scarlett coçou a orelha direita dele com a pata traseira, procurando uma solução.

“Eu me acostumei tanto a falar com Linjos e seus servos, que quase esqueci que minha aparência pode ser bem intimidadora. Sequestro não é um bom quebra- gelo. Eu poderia entrar depois de me transformar em um gato, mas por que ele deveria falar comigo?

Droga, isso vai ser mais difícil do que eu esperava.”

Depois de andar de um lado para o outro por um tempo, esperando que Lith de alguma forma notasse sua presença e acordasse, Scarlett decidiu mudar sua abordagem. Graças ao pince-nez, ele pôde ver que a anomalia era um anel.

O artefato era diferente de tudo que Scarlett já havia encontrado. Sua curiosidade era mais aguçada a cada segundo. Scarlett decidiu que, se o dono não estivesse disponível, ele sempre poderia tentar com o artefato.

Scarlett enviou um fio de mana, fino como um fio de seda, para conectar seu núcleo de mana ao de Solus, estabelecendo uma ligação telepática.

“Seja lá o que você for, exijo uma explicação. O que você está tentando realizar em meu domínio? Por que você está sugando energia de um filhote indefeso? Fale, ou eu vou esmagá-lo entre minhas presas!”

Scarlett não gostava muito de humanos, mas ainda era educada com eles, esperando evitar conflitos inúteis. Mas ao encarar objetos amaldiçoados, não demonstrava misericórdia, abaixando-se ao nível deles e falando a única língua que eles conheciam: violência.

Ao ouvir aquela voz alienígena ressoando em sua mente, Solus ficou aterrorizada, acordando instantaneamente. Foi uma intrusão tão violenta que até Lith recuperou os sentidos, sua consciência arrastada junto com a dela.

“O que está acontecendo?” Ele perguntou.

“Não sei, tem uma voz na minha cabeça e um monstro gigante lá fora.”

Usando Visão da vida, Lith podia ver através das paredes da caverna a silhueta e a assinatura energética de Scarlett. Sua boca ficou aberta diante da maior e mais forte criatura mágica que ele já tinha visto.

“Solus, qual é o núcleo de mana dele?” Sua boca ficou seca, Lith precisou se encostar na parede para não cair de joelhos com o choque.

“Azul brilhante, mas tem algo estranho. A quantidade de mana que ele contém está além das palavras. É como se a energia do mundo estivesse voluntariamente se infiltrando em seu corpo. É semelhante à sua técnica de respiração, mas inacreditavelmente mais forte. Lith, estou com medo.”

“O mesmo. Onde diabos estão os professores? Sem eles, estamos mortos!”

Sabendo que não havia muito que pudesse fazer, Lith ativou a Revigoração, rapidamente reabastecendo todas as suas reservas de mana e restaurando sua força física. Se tivesse que morrer, morreria lutando sem se conter.

Observando a energia do mundo fluir dentro do filhote através de seu pince-nez, Scarlett estremeceu de alegria. Uma de suas perguntas já estava respondida. Ele era claramente um Desperto também, agora o problema era verificar o quão profundamente ele havia sido corrompido.

Usando outro fio de mana, Scarlett criou um vínculo mental separado com Lith.

“Não tema, não quero fazer mal, senão eu teria feito a colina desabar, enterrando todos vocês vivos. Eu só quero entender o propósito e o objetivo do objeto amaldiçoado. Eu não quero matar você, mas se você tentar defender aquele parasita, você não me deixará escolha.”

Lith ficou tão chocado ao ouvir outra voz em sua cabeça, que começou a acreditar que estava realmente ficando louco. Tudo estava acontecendo rápido demais, e ele não conseguia entender nada daquelas palavras.

“Que objeto amaldiçoado? Quem é você e o que quer de mim?”

Felizmente, diferentemente de sua ligação mental com Solus, esta era ativa, não passiva. Exigia a vontade de Lith para passar informações ou pensamentos, para que ele pudesse canalizar sua raiva e esconder seu medo.

“Você nega ter um ser vivo em seu dedo?”

Como o monstro sabia tanto, Lith percebeu que mentir seria inútil, o melhor que ele podia fazer era esconder parte da verdade.

“Não. Mas é apenas um anel dimensional, não faz mal.” A verdadeira natureza de Solus tinha que ser mantida escondida, caso contrário a criatura poderia tomá-la para si.

“Seu idiota!” Scarlett zombou. “Quem daria vida a um objeto tão trivial? Você não percebe o quão profundo é o engano? Não acredito que, apesar de Desperto, você seja tão estúpido. É claramente uma mentira, e você sabe disso!”

“Eu sou o quê?!” Lith perguntou. Aquela conversa estava fazendo cada vez menos sentido.

Scarlett bufou, amaldiçoando os humanos e sua incapacidade de cuidar dos seus.

“Outro autodidata? Nada mal, filhote. Um Desperto é alguém que aprendeu a manipular seu próprio núcleo de mana. Não só permite que ele use magia da mesma forma que as bestas mágicas, guiando-a com a mente em vez do corpo.

Mas também torna possível refinar o núcleo de mana, atraindo a energia do mundo e adicionando-a permanentemente à sua. É o que você acabou de fazer, filhote.

Agora me diga, como você chama seu talento? Cada um de vocês que conheci dá a ele um nome diferente: primeira magia, a arte suprema, magia original, seja lá o que for.”

“Magia verdadeira.” Lith deixou escapar sem pensar duas vezes. Ele finalmente conheceu alguém que poderia lhe explicar a magia verdadeira.