Capítulo 85 - A surpresa de Lith

O primeiro instinto de Lith foi fugir e testar sua teoria, mas ele não havia retornado para casa para passar seu tempo trabalhando; ele realmente precisava de um descanso de verdade enquanto aproveitava o luxo de ser ele mesmo, sem amarras.

— Mãe, pai, obrigado. — Ele respondeu. — Eu sei o quão crueis as pessoas podem ser. Aprendi isso por experiência própria desde o dia em que comecei a trabalhar como curandeiro. Começou com aquele nobre tentando me matar, e continuou me mostrando o que um homem pode fazer com sua esposa, um pai com seus próprios filhos.

Ele evitou mencionar irmãos, pois, apesar do passar dos anos, o nome de Orpal continuava a causar muita dor no coração de seus pais.

— Esta vila não é perfeita, o mundo não é perfeito. Mas farei o meu melhor para permanecer fiel a mim mesmo e fazer com que todos vocês se orgulhem de mim.

Lith poderia dizer isso olhando-os diretamente nos olhos, já que a formulação da escolha não mencionava quais eram seus valores morais ou como ele pretendia atingir seus objetivos. Em sua mente, era tudo uma mentira branca para evitar que sua família se preocupasse com ele.

Ele se levantou e abraçou sua família, um de cada vez, sentindo o calor do abraço e do amor deles.

Depois de terminarem a refeição, Lith insistiu em ser o único a lavar a louça. Elina se opôs a princípio, mas antes que alguém pudesse sequer mover um prato, ele já tinha lavado e limpado louças, utensílios de cozinha e o cômodo inteiro.

— Exibido! — Tista fingiu repreendê-lo.

Eles passaram a hora seguinte discutindo os últimos preparativos para o casamento de Eliza, que atraiu vários ressentimentos do lado masculino da família, e a vida acadêmica de Lith, que atraiu vários ressentimentos do lado feminino da família.

Ele viveu toda a sua vida como um monge, indo de casa para o trabalho e vice-versa, e não fazendo mais nada. Eles esperavam que, estando cercado por tantas garotas, ele encontraria uma de sua preferência.

“Droga, primeiro Yurial tenta me arranjar um encontro, depois você, Solus, com todas as suas insinuações, e agora isso? Pelo amor de Deus, quem se importa com romance aos doze anos?”

“Você estaria sendo sensato…” Solus respondeu. “Se este não fosse um mundo onde as pessoas se casam por volta dos dezesseis e dezessete anos de idade. Só há tempo para sair por diversão ou fazer experiência com o sexo oposto.

A menos que alguém planeje se casar com sua primeira namorada ou tenha um casamento arranjado, é claro.”

Depois disso, todos tiveram que voltar ao trabalho. A luz do dia era preciosa, e apenas Lith estava realmente de férias. Antes de voltar para seu laboratório de forjaria, Lith visitou e tratou todos os animais da fazenda e os peões que seus pais empregavam.

Isso garantiria o aumento da reputação deles e economizaria bastante dinheiro.

Uma vez de volta à forma de torre em ruínas de Solus, ele finalmente pôde compartilhar sua iluminação. Ele realmente ofereceu que ela lesse sua mente, para parar de importuná-la, mas ela recusou.

Com a crescente confiança entre eles, eles raramente acessavam a mente um do outro, preferindo confiar em seu vínculo telepático, a menos que fosse absolutamente necessário.

— O problema com nossos experimentos anteriores é que estávamos apenas imitando a forma do feitiço de forja, não sua natureza.

“Significado?” Solus perguntou.

— Bem, replicar uma bola de fogo é fácil, é só uma chama explodindo. Mas o que exatamente os Mestres de Forja fazem? O que cada runa faz individualmente? Esse é o problema que negligenciamos. Magia falsa é como magia verdadeira com piloto automático.

Ele pegou o amuleto dimensional que havia comprado na academia e usou Revigoração nele, enquanto Solus fazia o mesmo.

Diferentemente de objetos normais não animados, o Revigoramento era capaz de rastrear o fluxo de mana que passava através de itens mágicos.

Ela revelou uma esfera de mana semelhante a um núcleo, mas muito mais áspera e simples, mantida estável por treze padrões de mana que a isolavam de influências externas.

“Pelo meu criador, como você teve a ideia de usar o Revigoramento desse jeito?” Solus ficou surpresa com essa descoberta.

— Na verdade, não. É tudo graças àquele Scorpicore. Lembra quando ele me passou seu pince-nez para analisá-lo? — A mente de Solus assentiu.

— Foi a primeira vez que fiz isso, mas naquela época eu estava com muito medo de entender a implicação da lição que a criatura me deu. Não sei se ela fez isso de propósito para me ensinar a reconhecer objetos amaldiçoados, ou se estava apenas tentando me convencer de sua boa fé.

— Seja qual for o seu propósito, ele me ensinou algo novo sobre a verdadeira magia e, por sua vez, a verdadeira natureza da Forjaria Mestre. Ao contrário de algumas hipóteses, o Forjamento não é sobre sentir o fluxo de mana em um objeto e aprimorá-lo.

— Pelo contrário, ele permite criar um pseudo núcleo de mana, que deve ser literalmente gravado em um objeto e então estabilizado por padrões precisos de mana, que se alimentam da energia do mundo para auto sustentação e evitam que o núcleo se dissipe.

— Diferentemente dos seus, os pseudo núcleos não têm consciência, apenas um propósito. Sem uma ligação externa, eles simplesmente se dissipariam no ar. Para checar minha teoria, vamos analisar os punhos do meu uniforme também.

O pseudo núcleo projetado para armazenar o Voto de Sentença era ainda menor que o do amuleto, mas mais refinado.

“Bem, isso faz sentido.” Solus ponderou. “O amuleto pode armazenar qualquer coisa, enquanto as algemas apenas o Voto. Para aplicar tal restrição, o núcleo deve ser mais complexo. Mas isso significa…”

— É. — Lith suspirou. — Isso significa que teremos que forjar todos os itens do livro com magia falsa, apenas para estudar seus núcleos e entender os princípios subjacentes, antes de criar algo realmente novo.

Lith precisou de várias tentativas para entender como esculpir os padrões dentro de um objeto sem olhar para ele via Revigoração. Cada teste exigia muito foco e gasto de mana, mas com cada falha, ele estava mais perto do sucesso.

“Bem, agora também sabemos por que os Mestres de Forja exigem tanta mana. Até mesmo um objeto inanimado oferece uma tremenda resistência à energia externa. Quanto mais complexo e poderoso o artefato, mais complexo o pseudo núcleo deve ser.

Se um objeto dimensional ‘simples’ está tomando tanto tempo e esforço, eu me pergunto quão poderoso era o mago que criou aquele pince-nez.” Disse Solus.

— Provavelmente era o trabalho da vida dele/dela. — Respondeu Lith.

“Sim, isso também explica porque as segundas tentativas de Forjaria são inúteis. Cada runa deixa uma escultura, se alguém cria um caminho errado para a mana, o objeto se torna inútil.”

Lith assentiu, notando algo incomum.

— Estranho, eu deveria ter esgotado minha mana muitas vezes, mas só agora estou começando a me sentir cansado e ainda não usei a Revigoração nenhuma vez.

“Talvez, graças ao nosso vínculo, você também tenha acesso ao gêiser de energia mundial.” Solus propôs.

— Isso explicaria por que nas lendas os magos eram considerados invencíveis em suas torres. Entre um suprimento quase infinito de mana e as defesas da torre, derrotá-los deveria ser quase impossível.

Lith e Solus continuaram trabalhando sem parar, e antes do pôr do sol eles já tinham percebido sua primeira pedra dimensional. Lith a trouxe para o quarto, e Solus a emoldurou bem ao lado da entrada, adicionando uma pequena etiqueta com a data e uma pequena incisão.

“Nosso primeiro trabalho juntos.”

Depois disso, eles criaram sete anéis dimensionais de nível baixo com magia verdadeira. Ele tinha certeza de que seria capaz de criar até mesmo os de nível alto, mas isso teria sido um erro fatal.

Anéis dimensionais não podiam ser mantidos escondidos, eles tinham que ser usados, caso contrário era como não ter nenhum. De acordo com os registros da academia, Lith criar objetos de nível baixo já era um feito impressionante.

Distribuir armas de alto nível gratuitamente seria loucura, assim como colocar um alvo no peito e nas costas dele.

Antes de voltar para casa, ele foi até a casa de Selia, sua primeira mentora, a mulher que o ensinou a sobreviver com suas habilidades de caça.

— Olha quem voltou! Ainda todo arrumado e tudo, pelo que vejo. — Selia o abraçou, deixando Lith bastante chocado. Ele nunca a imaginou como sendo do tipo afetuoso.

— Bem, sim. Este uniforme não pode ficar sujo e é quase indestrutível. Não tenho motivos para trocar de roupa. — Ele explicou retribuindo o abraço.

— Gostaria de ter um desses também. — Ela suspirou. — Desde que você foi embora, fazer as tarefas domésticas é um incômodo.

— Este discípulo está realmente arrependido, Mestre Selia. — Lith zombou dela. — Mas espero que isso torne sua vida mais fácil. — Ele lhe entregou um anel.

Ela não ficou nem um pouco impressionada.

— Você sabe, é normal um caçador ser mesquinho. Mas ser presunçoso enquanto entrega um anel barato como esse está abaixo até mesmo de nós.

Ao vê-la decepcionada, Lith riu alto.

— Admito que o anel não vale mais do que dez moedas de cobre sozinho, mas, assim como eu, é mais do que aparenta.

Ele explicou brevemente a ela como imprimir o anel. Até mesmo alguém que nunca havia praticado magia de tarefas domésticas conseguiu fazê-lo na primeira tentativa. Depois de perceber o que era, Selia ficou sem palavras.

— Eu mesmo fiz isso. — Lith explicou. — Ele só pode armazenar três metros quadrados, mas pelo menos você não será mais incomodada por seu equipamento e suas presas. Se você estiver com preguiça, pode até usá-lo para armazenar comida e mantê-la aquecida.

— Isso… isso é demais. Não posso aceitar. — Selia sabia que tal objeto valia mais de trinta moedas de ouro.

Alguém poderia construir uma casa de luxo em Lutia com todo esse dinheiro. Sem mencionar que era uma ferramenta inestimável para um caçador, mantendo as presas frescas antes de prepará-las no campo ou enquanto procurava um bom comprador.

Ela tentou devolvê-lo, mas Lith fechou a mão dela com as palmas das mãos.

— Você pode, e deve. Primeiro porque uma vez impresso, é inútil para qualquer outra pessoa, a menos que você morra, é claro.

— E segundo, porque apesar de você sempre ter sido uma Mestra mesquinha e chata que fazia acordos fraudulentos, foi somente por causa da sua ajuda que minha família foi salva da fome e da inanição, e essa é uma dívida que nem mesmo este anel pode saldar.