Capítulo 95 - Assuntos familiares
Enquanto Lith falava com a marquesa, todos conversavam com suas respectivas famílias, decidindo como enfrentar a tempestade que se aproximava.
Todos, menos Quylla, é claro. Ela não tinha parentes, portanto nunca gastou pontos preciosos em um amuleto de comunicação. No entanto, já era a segunda vez que ela estava pensando em obter um.
A primeira vez foi durante os quatro dias de folga.
Enquanto os outros retornaram para suas casas, ela permaneceu na academia. Mesmo em sua antiga vila, ela sempre esteve cercada de pessoas.
O barulho agitado das atividades diárias havia se tornado parte de sua vida.
Mas durante o intervalo, ela não tinha aulas para assistir, nenhum lugar para ir e ninguém para conversar. Desde que Quylla recebeu seu Voto de Sentença, ela se tornou uma pária, mas ela nunca realmente percebeu até aquele momento.
Ela sempre passava tanto tempo com seus amigos, que ficar sozinha de vez em quando era realmente agradável. Durante aqueles quatro dias, porém, o silêncio começou a assustá-la.
Caminhando pelos corredores vazios, Quylla sentiu como se estivesse viajando pela barriga de uma fera gigante morta, com apenas o eco de seus passos para lhe fazer companhia. Estar longe de Yurial ou Phloria era “meh”, enquanto de Lith era realmente bom, dava a ela tempo para organizar seus sentimentos.
A montanha-russa emocional que ela passava toda vez que se encontravam era tão frustrante que mais de uma vez ela quase se confessou, só para se livrar do desconforto. Até que o medo de ser rejeitada a atingiu, fazendo-a agradecer aos deuses por pará-la.
O que ela realmente sentia falta era da companhia de Friya. Ela não sabia se Lith era seu primeiro amor ou apenas uma paixão, ela nunca tinha experimentado nada parecido antes. O que ela sabia era que Friya era a coisa mais próxima de uma família que ela já teve.
Elas passavam horas juntas, não apenas estudando, mas também falando sobre seus sonhos e esperanças quando se formassem na academia. Ela ouvia todas as pequenas coisas estúpidas que passavam pela sua mente, seus medos e ansiedades e nunca a julgava por isso.
E agora, vê-los conversando com os pais, lhe dava uma sensação de estranhamento.
“Eu sei que é idiota, mas talvez se eu tivesse um também, se eu pudesse ligar para eles quando quisesse, eu não me sentiria tão… diferente.” Ela pensou.
Velan Deirus, pai de Yurial, ficou tão indignado que seus olhos quase saltaram para fora.
— Aquela escória do Lukart. Como ousa tratar meu filho como um cachorro? Eu estava disposto a ficar de fora, para ver de qual lado poderíamos lucrar mais. Mas essa falta de respeito flagrante mostra que se esses velhos idiotas fizerem o que querem, não haverá futuro para nós, a não ser servidão.
— O que você quer que eu faça, pai?
— Conte a Linjos o que aconteceu, pegue um Amuleto do covar… quero dizer, um Voto, e então espere minhas instruções. Não tente se vingar, se ele for esperto, Lyam também terá um Voto de Sentença.
— Esse pequeno ato provavelmente foi feito para fazer você se submeter, ou para te irritar o suficiente para retaliar e te expulsar. Tentar te recrutar desse jeito não faz sentido, a menos que eles quisessem nos fazer um exemplo para outras famílias mágicas jovens.
— Para mostrar que eles podem nos atingir tanto por dentro quanto por fora. Seria um bom plano, se fôssemos alguns idiotas nobres presunçosos e hipócritas. Vou jogar esse jogo pelas minhas regras.
— Não faça nada estúpido, filho. Pense antes de agir, e se algo novo acontecer, entre em contato comigo. Amo você.
A conversa entre Friya e sua mãe, a Duquesa Solivar, teve um tom diferente.
— Sabotar um novo diretor? Isso sempre aconteceu, até mesmo com o mais insignificante e mesquinho puxa-sacos. E muito menos com um jovem radical, indiferente a ganhos políticos. — Sua voz estava entediada.
— Todo mundo com meio cérebro sabe que há uma grande tempestade pela frente, e não planejo ser pega no meio dela. Permaneceremos neutros. Em toda guerra, o verdadeiro vencedor é aquele que não participa dela, lucrando com ambos os lados.
— Independente de quem chegar, eu estarei protegida.
— Entre em contato comigo somente se precisar sair da academia. Você é o primeiro mago real da casa Solivar, aja como um. Não corra riscos desnecessários.
Então ela desligou a ligação.
“Bem, eu também te amo, mãe. Obrigada por me perguntar se eu estava bem ou se eu precisava de alguma coisa. Foda-se você e sua preciosa família Solivar! Eu farei o que eu quiser. Pela primeira vez, eu estou no controle. Você precisa de mim, não o contrário!”
Friya estava tão brava que apenas o rosto preocupado de Quylla a impediu de jogar o amuleto de comunicação contra a parede.
O pai de Phloria, Orion Ernas, também estava bem informado, é claro. Ele estava profundamente envolvido em uma das facções mais próximas da Rainha, então nada do que ela disse foi realmente relevante, fora o ataque a Yurial.
Orion a manteve no escuro, porque ele não queria que ela crescesse assustada pelos rumores sobre a iminente guerra civil. Ele esperava que o impasse durasse até que ela fosse grande o suficiente para escolher o que fazer, mas o tempo estava se esgotando.
Ele contou a ela as mesmas coisas que a Marquesa Distar havia explicado a Lith.
— Eu acho que eles estão fechando fileiras. Atacar um membro de uma linhagem mágica significa que eles não estão mais dispostos a tolerar neutralidade. Ou você está com eles ou contra eles.
— O que posso fazer pela Rainha, pai?
— Você? — Orion riu pela primeira vez desde que a conversa começou.
— O que você pode fazer? Você é apenas uma criança, a verdadeira batalha está aqui, o que aconteceu é apenas um efeito cascata. Esta é apenas a última tentativa de sabotagem em uma longa fila. Eles simplesmente aumentaram um pouco a aposta.
— Em vez de se preocupar com a Rainha, aqui está o que você pode fazer por mim. Pegue um Voto, fique longe de problemas e, se a situação ficar crítica, ataque primeiro e faça perguntas depois. Sempre dê tudo de si, ninguém pode ser morto em uma academia, o castelo não permite isso.
— É a primeira vez que ouço sobre isso. Como você tem certeza?
— É suposto ser um segredo, mas quando seu pai era mais novo e tinha sangue quente, alguém ousou sacar sua espada contra mim. Eu perdi a paciência e… bem, digamos apenas que as Matrizes da academia salvaram muitas pessoas naquele dia. As coisas pioraram bastante.
— Se é um segredo, você não está quebrando alguma regra ao me contar?
— Você acha que eu colocaria um ‘segredo’ que só os deuses sabem quantos idiotas como eu sabem, acima da segurança da minha filha? Eu preferiria ver você segura e expulsa, do que deixar alguém colocar um dedo em você.
Nesse ponto, Lith já havia retornado para a sala. Não trocar gentilezas o poupou muito tempo. Apenas Friya já havia terminado com seu amuleto.
Lith não sabia o que fazer, ser um plebeu era uma faca de dois gumes naquela situação.
Isso significava que ele e Quylla tinham mais chances de ficar sozinhos, mas, ao mesmo tempo, não tinham como ajudar seus amigos.
Quando todas as conversas terminaram, com exceção de Lith, eles compartilharam as informações recebidas. A marquesa deixou claro desde o começo que ela já tinha o suficiente em seu prato.
Revelar a conexão deles só atrairia mais atenção, algo que ambos queriam evitar.
— Acho que nós dois precisamos de um Voto, agora. — Yurial suspirou. Ser uma vítima era uma sensação assustadora para ele. Seu sobrenome sempre foi a espada e o escudo mais fortes, mas agora estava reduzido a um alvo.
— Precisamos ir ao escritório de Linjos. — Phloria assentiu.
— E deixar todo mundo saber que até pessoas poderosas como você estão com medo? Isso significaria jogar nas mãos deles. — Lith objetou.
— O que você propõe então? Ignorar o conselho do meu pai e esperar pelo próximo movimento deles?
— Isso seria estúpido. Eu digo para ser inteligente. — Ele pegou seu Voto e apertou o botão duas vezes.
Um Passo de Dobra se abriu, e o Professor Trasque saiu dela. Quando viu onde estava, franziu as sobrancelhas em desaprovação.
— Garoto, um Voto não é um brinquedo. Não tente me dar essa merda de ‘eu sentei nela acidentalmente’.
— Precisamos ver o Diretor, é um assunto urgente. Tive que recorrer ao Voto porque não podemos permitir que outros saibam sobre isso. Peço desculpas se causei um alarme falso. — Lith curvou-se profundamente, embora, se necessário, faria de novo.
O interesse de Trasque foi despertado. Ele abriu outro portal, levando direto para o escritório do diretor. A sala estava imaculada como Lith se lembrava.
Sua mesa de madeira marrom estava bem em frente a uma parede de vidro, capaz de bloquear o excesso de luz do dia ou amplificá-la, mantendo a iluminação uniforme durante todo o dia. Vários pedaços de papel estavam se organizando em pilhas ordenadas depois que ele terminou de olhar para eles.
Ouvindo o Portal se abrir, ele se virou para eles. Parecia ter envelhecido dez anos desde a última vez que o viram.
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