Capítulo 39 – Desafiando os tempos [1/2]

No dia seguinte, Lith estava feliz e relaxado. Ele continuou cantarolando o tempo todo enquanto limpava a casa e preparava o café da manhã, aquecendo os doces para fazê-los recuperar um pouco de sua fragrância.

A longa permanência na mansão do Conde provou a ele o quão estressante era ser constantemente forçado a esconder suas habilidades e poderes. Ter nascido em uma vila remota, onde ninguém sabia nada sobre magia, era uma bênção disfarçada.

Ele estava tão acostumado à liberdade e ao isolamento que viver em uma fazenda lhe garantia, a ponto de que se conter e fingir constantemente usar magia falsa por um longo período ser uma tortura para ele.

Depois de uma longa discussão com Solus sobre o problema, eles decidiram que encontrar uma maneira de evitar frequentar qualquer academia de magia seria a melhor opção.

De acordo com os anuários de magia que ele havia lido nas últimas semanas, era possível se tornar um membro da Associação dos Magos mesmo sendo educado em casa. Só exigia uma sessão de exames mais longa e difícil.

As maiores diferenças entre um aluno educado em casa e um aluno formado em uma academia de magia eram apenas uma questão de fama e prestígio.

Ao ser admitido e passar com sucesso nos testes elaborados por mágicos famosos e talentosos, o aluno certamente teria mais facilidade em qualquer caminho que escolhesse.

Um educado em casa, em vez disso, não importa a pontuação que ele pudesse alcançar, sempre seria visto como um mágico desonesto sem referências. Ele primeiro precisaria provar a si mesmo, seja realizando serviço militar voluntário ou se tornando um aventureiro.

Alcançar méritos era a única maneira de um mago desonesto ter acesso a um emprego prestigioso e bem pago. Lith não se importava com nada disso, ele só queria desenvolver seus poderes, ficando longe dos holofotes até completar dezesseis anos.

Nesse ponto, ele seria considerado um adulto e poderia finalmente deixar Lutia para começar a explorar o mundo e buscar uma solução para seu problema de reencarnação.

Se alcançar a morte verdadeira fosse impossível, ele precisaria encontrar uma solução alternativa: se tornar imortal ou vincular sua alma ao seu mundo atual.

Esse seria o pior cenário, mas pelo menos se ele morresse, ele ainda renasceria com todo seu conhecimento de magia e teria Solus ao seu lado.

Graças ao dinheiro que recebeu do Conde por salvar sua família, Lith não precisava mais continuar trabalhando como curandeiro. Somente quando Nana estava em visitas domiciliares ou ausente por questões pessoais, ele a substituía no escritório central.

Muitos fazendeiros dependiam de sua presença e dos preços com desconto para pagar por todos os cuidados médicos de que precisavam. As tarifas habituais de Nana eram caras demais para eles.

Só porque naquele momento ele não precisava de uma renda extra, não significava que ele já tivesse esquecido o quão ruim era para uma família ser forçada a ver um de seus entes queridos sofrer, o desamparo sentido quando o dinheiro ditava a diferença entre viver e sobreviver.

Lith passava a maior parte das manhãs explorando a biblioteca do Conde, em busca de livros para pegar emprestado.

Era um cômodo com o dobro do tamanho de sua casa, com pelo menos cem metros quadrados, localizado em um canto do edifício principal.

Tanto o lado oeste quanto o norte da sala tinham janelas enormes, dispostas de forma que o sol conseguisse iluminá-las perfeitamente até o anoitecer.

As estantes foram colocadas de parede a parede, paralelas entre si, e espaçadas de modo a evitar o ridículo efeito dominó caso uma delas caísse, criando quatro corredores. No centro da sala, havia uma luxuosa escrivaninha e algumas poltronas.

Os livros cobriam todos os tópicos, não apenas magia. Era a soma de todo o conhecimento que o Conde havia acumulado ao longo dos anos. Toda vez que Lith voltava da biblioteca para casa, ele carregava um pequeno baú cheio de iguarias.

Hilya nunca o deixaria ir embora de mãos vazias.

O primeiro livro que Lith pegou foi o livro de regras da Academia Grifo Relâmpago. Junto com informações inúteis, como ‘como enviar sua inscrição e quais eram os testes de admissão mais comuns’, ele encontrou uma resposta para uma velha questão.

A academia duraria cinco anos, e a cada ano o aluno precisaria provar um nível crescente de maestria em magia. O primeiro ano exigia aprender pelo menos vinte magias de nível um, o segundo trinta magias de nível dois, e assim por diante.

“Então é por isso que os feitiços são divididos em níveis. É para identificar o nível de habilidade do mágico em comparação ao curso acadêmico oficial.”

Os níveis de um a três eram compostos de magias simples com um único efeito. O nível três era basicamente o mesmo que o nível um, mas muito mais poderoso e com requisitos maiores em termos de talento e habilidade.

No nível quatro, os efeitos seriam muito mais complicados, como quando Lith entrelaçou diferentes magias com magia verdadeira. Os níveis quatro e cinco, com base no que ele conseguiu encontrar, pareciam ser muito semelhantes à magia verdadeira.

“É provavelmente por isso que a maioria dos magos nunca aprende a verdade sobre a magia. Uma vez que eles acham que atingiram o auge, eles simplesmente param de fazer perguntas. Eles colocam muita atenção no destino e muito pouco na viagem em si.”

Além da magia, Lith também estava sobrecarregado por um problema pessoal irritante. Depois de ver sua família, o Conde implorava a ele diariamente para ajudar sua filha a se livrar de sua acne.

“Por favor, o Baile de Debutantes é quando uma jovem nobre é apresentada à sociedade como adulta, na presença da Corte do Rei. É um evento muito importante que pode afetar toda a sua vida.

Isso pode mudar não apenas suas chances de encontrar um bom marido, mas ela também pode ser escolhida pela Rainha como sua assistente pessoal ou até mesmo uma dama de companhia.”

Não que Lith não entendesse, tais eventos também existiam na Terra. Era mais como se ele não se importasse muito. Ele acreditava firmemente que apenas uma pessoa poderia guardar um segredo. Duas eram um risco, três uma multidão inteira. Adicionar uma quarta pessoa não era muito do seu agrado.

“Solus, o que você acha que eu deveria fazer? O Conde fez e ainda faz muito por mim. Um passe duro seria extremamente rude da minha parte. Ao mesmo tempo, não sei o quanto posso confiar em Keyla, sendo que ela é uma adolescente.”

“Eu diria para jogar com inteligência. Nana foi extremamente vaga sobre o que você fez, e o Conde não tem ideia sobre o antes e o depois, já que ele só viu sua família depois do tratamento.

Explique a Keyla os perigos em que você está se colocando apenas por ajudá-la, e depois que tiver certeza de que ela entendeu, cure apenas a acne dela, nada mais. Isso minimizará os riscos.

O fato de você ter salvado a vida dela deveria importar para ela. Sem mencionar que depois do que a mãe dela fez Keyla passar, ela não deveria mais ser tão ingênua. Ela sabe o que significa viver sob a espada de Dâmocles¹.”

Seguindo o conselho de Solus, Lith e o Conde explicaram a ela todas as possíveis consequências de quebrar sua confiança, tanto para Lith quanto para sua família.

Keyla era uma garota inteligente, então ela se sentiu meio ofendida ao receber avisos tão óbvios.

“Primeiramente, obrigado pela sua confiança. Você já salvou minha vida, e agora está disposto a arriscar sua própria segurança para salvar minha vida social também. Essa é uma dívida que nunca poderei pagar integralmente.

Segundo, você não tem razão para se preocupar com meu silêncio. Uma vantagem é chamada de vantagem porque você é o único que a tem. Eu preferiria cortar minha língua do que permitir que minha concorrência colocasse as mãos em algo assim.

Sem ofensa, pai, mas eu sei muito bem que somos apenas nobres de segunda categoria em um Condado atrasado. Preciso de toda a ajuda que puder obter. Mesmo sem acne, com nosso status e riqueza, ainda estamos léguas atrás das grandes famílias nobres.”

Lith decidiu agir com segurança, fazendo com que o processo durasse semanas em vez de segundos, para que seu tratamento de pele passasse despercebido.

Eles mantiveram Jadon no escuro, e ele só percebeu as mudanças quando a pele dela ficou mais lisa e sua maquiagem muito mais clara.

Graças a Solus, ele também conseguiu manter a equipe feminina sob sua supervisão e, quando nem elas notaram nada de estranho, Lith finalmente pôde suspirar de alívio.

Naquela época, a mansão do Conde estava novamente com pessoal completo, e a casa inteira estava ocupada se preparando para uma grande festa. O Conde queria comemorar dois eventos felizes.

A primeira foi a anulação, enquanto a segunda foi algo completamente inesperado. Com base em seu acordo pré-nupcial, a Coroa decidiu atribuir a ele todas as terras e anuidades dos Ghishals após seu desaparecimento prematuro.

Infelizmente, ele queria que Lith comparecesse para apresentá-lo a toda a nobreza vizinha.

“É muito importante para você, consegui que até a Marquesa Mirim Distar comparecesse. Ela é para mim o que eu sou para todos os Barões e Baronetes do Condado. Seu Marquesado abrange toda a região e seus Condados.

Se puder, prepare um bom presente para ela. A única sugestão que posso lhe dar é que prepare algo com suas mãos, ou melhor ainda, com sua magia!”

Lith não ficou impressionado e nem interessado, mas tendo que viver mais oito anos no Condado de Lutia, ele só podia engolir e seguir em frente. Fazer um presente para uma mulher já era difícil, fazer um para alguém muito mais rico do que ele era um desafio.

“Ela gosta de jogos?”

“Sim, ela ama todos os tipos de jogos de estratégia. Ela é uma mulher inteligente e astuta. Se houver uma guerra, os deuses a proíbam, ela seria uma excelente general.”

“E suponho que ela seja a chefe da família Distar, certo?”

“Mais uma vez correto. O esposo dela se casou com alguém da família dela. Ele é como um príncipe consorte, seu título de Marquês é puramente nominal. Não me diga que você já tem algo em mente?”

Lith assentiu e foi embora, muito triste com a ideia de desperdiçar uma tarde e uma noite inteiras sendo um figurante.

Seu destino era semelhante ao do cadáver de Gerda, algo para mostrar e se gabar, antes de ser esquecido completamente e passar para a próxima fofoca.

1. significa perigo iminente ou os riscos inerentes à posição de mando⤶