Já haviam se passado algumas horas desde a nossa partida de Graldrak. Esse lugar continuava a me impressionar; tudo era novo para mim. Mas isso também era um problema, sim, por causa dela. 

    — Olha, Saito, você viu aquele coelho? Ele parecia ser muito fofo! Ahh, eu queria abraçar ele. Para a carroça um pouco. 

    — Não podemos parar. 

    — Olha, olha, você tá vendo aquela árvore cheia de lindas flores rosas? — Ela agarrou meu ombro e ficou me balançando enquanto apontava. 

    — Eu não sei se você sabe, mas estou vendo a mesma coisa que você. 

    — Olha essas flores, que lindas! 

    Quando olho para o lado, vejo Clarice quase se inclinando e prestes a cair para fora da carroça. Rapidamente, agarro sua roupa e a puxo para dentro. 

    — Você quer se machucar? 

    — Aquelas flores tinham um cheiro incrível. 

    Clarice se movia de um lado para o outro da carroça, os olhos arregalados de curiosidade, parecendo uma criança encantada. De vez em quando, avistava animais diferentes. Com a ajuda do livro de Sylvain, consegui identificar alguns, mas a diversidade era enorme. Eles não pareciam violentos, mas ainda assim, era melhor ter cautela. 

    Dos animais que consegui identificar, alguns eram:  

    Mofurial, o pequeno esquilo saltitava entre os galhos, sua pelagem macia emitindo um brilho a cada movimento. Ele ergueu a cabeça e me observou com olhos brilhantes, antes de desaparecer suavemente entre as folhas como um sopro do vento. 

    Aurilume, elas flutuavam no ar como pétalas soltas ao vento, suas asas translúcidas iluminadas por um brilho suave, como se estivessem carregadas de estrelas minúsculas. Uma delas pousou delicadamente na ponta do meu dedo, deixando um rastro dourado em sua passagem. 

    Plumiflor, o grande pássaro caminhava pelo campo com a graça de um nobre, suas penas abertas como um leque repleto de pétalas. Quando ele se sacudiu, as pequenas flores se soltaram de suas asas, flutuando até tocar o solo como um jardim ambulante. 

    Nebulhama, a pequena raposa se enrolava sobre si mesma, sua pelagem branca e etérea ondulando suavemente como névoa ao vento. 

    Elypuff, o pequeno ser parecia mais uma nuvem do que um coelho, sua pelagem tão fofa e volumosa que mal se viam suas patas. Ele pulava levemente pelo campo, e cada passo parecia não fazer peso algum sobre a grama. 

    Antes da noite cair, decidi parar a carroça próximo ao rio. Começamos a organizar as coisas para acampar. Peguei alguns galhos secos e coloquei pedras ao redor para impedir que o vento apagasse o fogo. Clarice se abaixou ao meu lado com alguns galhos secos e tapou o nariz com a mão. 

    — Nossa, Saito, você tá fedendo. 

    Cheirei minha roupa e era verdade. 

    Agora que parei para pensar, já fazia um bom tempo desde meu último banho e a última vez que lavei minhas roupas. Acho que este é o momento ideal. 

    — Melhor eu tomar um banho agora. 

    — Verdade, já faz alguns dias que tomei banho também.  

    — Então vá primeiro, vou cuidar do fogo por enquanto. 

    — Tá, tira sua roupa. 

    — Que? 

    — Não vá pensar coisa errada, é pra eu lavar. 

    — Eu posso fazer isso. 

    — Vamos logo, quero ajudar também. Assim, você economiza tempo. 

    — Tá. — Suspiro, tiro minhas botas e as coloco no canto, depois removo minha roupa. 

    — Não vá pensando que é tudo, A cueca você lava. 

    — É claro que eu sei. Tá achando que eu sou algum tipo de pervertido? 

    — Certo, vou procurar um lugar pra tomar banho. 

    — Não vá longe — alertei, agachando-me para preparar o fogo. 

    Em seguida, percebi que Clarice estava parada atrás de mim, me encarando. 

    — Você quer que eu fique perto pra me espiar? Né? 

    — Hã? Eu falei isso porque não sabemos o que tem nessas florestas. Pode ter animais perigosos. 

    — Sei… Olha, ver o corpo de uma santa é um pecado irreparável. 

    Ela foi até sua bolsa, pegou uma muda de roupa limpa e começou a se afastar, lançando olhares furtivos para mim de tempos em tempos. Agora ela vem com essa de que é uma santa… Eu simplesmente não entendia essa garota. Tenho um objetivo e não posso me distrair com esse tipo de assunto.  

    Ela fala essas coisas só porque sabe que é bonitinha e tem um corpo atraente… Dou uma olhada discreta em sua direção, mas logo balanço a cabeça, afastando esses pensamentos. 

    Levantei-me e me espreguicei, então decidi treinar um pouco. Comecei a fazer algumas flexões para me aquecer e logo percebi que não era minha imaginação: sem dúvida, meu corpo estava mais leve. Na luta contra o Corrompido, consegui realizar movimentos que, mesmo após muito treino, antes não conseguia executar.  

    Testei alguns golpes de artes marciais e notei que estava significativamente mais rápido. Parei por um momento e cocei a cabeça, sem entender o que estava acontecendo com meu corpo. Minha resistência também estava bem maior. Isso começou depois que adentramos a Floresta da Noite Eterna. Mesmo sem saber exatamente o que estava acontecendo, era algo positivo; eu conseguia aprimorar meus movimentos muito mais rapidamente. 

    Após o treino, retornei para perto do fogo e me sentei. Coloquei a água para ferver e tirei os legumes da bolsa. Estava faminto e me arrependi de não ter comprado carne; nem me lembrava da última vez que comi um pedaço. Logo notei que Clarice estava voltando, com um brilho animado nos olhos. 

    — Saito, você não vai acreditar! Eu vi um coelho com orelhas enormes, ele era tão bonito! Mas quando me aproximei, ele correu. 

    — Eu falei pra não fazer esse tipo de coisa. E se fosse um animal violento? 

    — Um coelho tão fofo não pode ser violento. 

    — Mesmo assim, não faça mais isso. Estamos em um lugar completamente desconhecido. 

    — Tá bom. Eu encontrei um lugar incrível, tem um canto onde a água cai de umas pedras. 

    — Você deve tá falando da cachoeira. 

    — Aquilo se chama cachoeira? 

    — Sim. Fica aí e após a água ferver, coloca os legumes pra fazer a sopa. 

    — E então, o que achou? 

    — Do que? 

    — Ah, para! Não tá vendo? Minha roupa nova. 

    Nova? Encarei-a por alguns segundos. A roupa era praticamente igual à anterior, a única diferença era que a blusa tinha um decote ombro a ombro, realçado por rendas e pequenos detalhes bordados. A cor permanecia a mesma. 

    — Ficou bom. Agora cuide das coisas. — Era melhor falar logo o que ela queria ouvir do que tentar discutir. 

    — Certo. Enquanto isso, vou costurar os buracos na sua roupa. Tá parecendo uma peneira. Haha. 

    Fui até minha mochila e guardei meu pingente, não podia me arriscar a perdê-lo. Em seguida, peguei minhas botas e segui na direção indicada por Clarice. Ao atravessar alguns arbustos, deparei-me com um cenário deslumbrante. A cachoeira caía majestosamente, criando um arco-íris conforme as gotas de água se dispersavam ao vento.  

    Acima de mim, alguns Mofurial saltavam entre os galhos, suas silhuetas se destacando contra a luz do sol. A água era incrivelmente cristalina, revelando a presença de peixes que nadavam tranquilamente. Talvez valesse a pena tentar pescar mais tarde. 

    Tirei a cueca, lavei-a bem e a pendurei em um galho para secar, depois fiz o mesmo com as botas. 

    Assim que terminei, mergulhei no rio. A água estava surpreendentemente agradável. Deixei meu corpo flutuar, os olhos fechados, aproveitando a leveza do momento. Quando os abri, vi alguns pássaros cruzando o céu. Tudo ao redor parecia pacífico e relaxante. 

    Passaria horas ali, mas o anoitecer se aproximava. O melhor era retornar e organizar as coisas, já que não sabia quais animais poderiam aparecer à noite. 

    Ao sair da água, vesti minha cueca e peguei as botas. Dei alguns passos quando, de repente, ouvi um barulho nos arbustos próximos. Abaixei-me lentamente e, ao espiar, vi um dos coelhos que Clarice havia mencionado. 

    Logo o reconheci do livro, era Saltiflor. O pequeno animal estava parado à minha frente, as longas orelhas balançando suavemente com a brisa. 

    Suas patas, desproporcionalmente grandes, pareciam feitas para saltos impossíveis. A pelagem curta cintilava em tons suaves de cinza, refletindo a luz de forma quase mágica. 

    Minha boca começou a salivar só de imaginar a carne desse coelho. Movi-me lentamente até me aproximar o bastante para pegá-lo. Assim que me avistou, ele começou a se preparar para pular, mas eu já previa esse movimento e me lancei rapidamente um pouco mais à frente. No entanto, não esperava que ele fosse tão rápido; com uma finta ágil, escapou facilmente, e eu acabei caindo no chão. 

    Um pouco irritado, notei um galho seco ao meu lado e tive uma ideia. Peguei um pedaço de fio e improvisei um arco. Em seguida, estiquei outro pedaço em um galho e apontei uma flecha. Agora estava preparado. 

    Avancei por alguns arbustos até encontrar outro coelho. Pulei à sua frente, e ele rapidamente saltou para o lado. Esperei e não atirei, pois sabia que ele tentaria fintar novamente. Assim que realizou o movimento, disparei a flecha enquanto ainda estava no ar, acertando-o em cheio com um golpe preciso, garantindo uma morte instantânea e sem sofrimento. 

    Peguei o coelho e notei que era bem pesado, o que renderia bastante carne. Satisfeito com a caça, retornei ao acampamento. Ao me aproximar, percebi Clarice sentada de costas para mim, concentrada enquanto mexia na panela.  

    Quando notou minha chegada, levantou-se e se virou em minha direção. Com um sorriso, ergui o coelho para ela, mas seu olhar imediatamente se arregalou de choque. A concha que segurava caiu de sua mão, e, em seguida, seu rosto se contorceu em uma expressão de pura tristeza antes que as lágrimas começassem a rolar. 

    — SEU MONSTRO! — Seu grito ecoou por todos os lados. 

    ✧༺⚔༻✧

    A noite começou a cair, e eu estava agachado terminando a sopa. O cheiro da carne de coelho era irresistível, e minha boca se enchia de água só de sentir o aroma. Ao provar um pouco, o sabor era incrível; a carne estava macia e suculenta, e o caldo, bem encorpado. Apenas algumas mordidas eram suficientes para sentir minha energia se renovar. Aproveitei e pré-assei alguns pedaços para levar, assim não estragariam rapidamente. 

    Ao olhar para o lado, clarice estava sentada olhado pro outro lado, ela ainda estava emburrada por eu ter matado o coelho. 

    — Não vai comer? 

    — Você é um monstro… igual aqueles monstros que encontramos. 

    Peguei um pouco de comida, coloquei na tigela e a estendi para ela, esperando que aceitasse.  

    — Aqui, coma. 

    — Não quero. 

    Uma leve brisa soprou, carregando o aroma da comida na direção dela. Sua barriga roncou alto. 

    — Se não comer, vai ficar fraca. Precisa entender que eu não matei esse coelho sem motivo. Sua carne vai nos alimentar. 

    Ela virou o rosto ligeiramente em direção à tigela de comida e engoliu em seco. Com bastante resistência, estendeu a mão e pegou a tigela. Ao provar a comida, seus olhos se arregalaram de surpresa. 

    — Está muito bom… 

    — Você precisará se acostumar com isso. Nossos suprimentos não duram pra sempre. 

    — Eu sei… O que é aquilo vermelho no fogo? 

    — Estou derretendo metal. 

    — Pra que? 

    — Pra fazer meus fios. 

    — Como? 

    — Com isso aqui. — Peguei da minha mochila um pequeno dispositivo que o mestre criou. Coloquei o metal derretido nele e comecei a girar. Após alguns minutos, ele esfriou um pouco e então retirei um carretel de fios. 

    — Nossa, que incrível. 

    — Ainda tá quente. Quando esfriar completamente, coloco aqui no meu braço. — Abri uma escotilha no meu braço e mostrei a ela. 

    — Então, foi com isso que você derrotou aquele monstro? 

    — Sim, tem duas carretilhas, uma ligada ao meu anelar e outra ao meu dedo médio. Elas são resistentes, mas se pressionadas com força, também podem ser cortantes. 

    — E essa terceira? 

    — Esse é o mais fino, ligado ao meu indicador. É extremamente cortante e, mesmo com essas luvas e botas especiais, pode cortar minha pele. Só consigo os usar com meu braço esquerdo e minha perna esquerda. 

    — Mas se você deixar esses fios para trás, outras pessoas não podem se machucar? 

    — Com a luz do sol, eles se rompem rapidamente, especialmente o mais fino. No começo, foi bem difícil, quase desisti de os usar, mas o mestre adaptou as pontas dos meus dedos para que, quando o fio estivesse neles, se encaixasse em uma pequena bolinha de aço. Isso tornou o lançamento muito mais fácil. 

    — Seu mestre deve ser extremamente inteligente pra conseguir criar tudo isso. 

    — Sim… Ele salvou minha vida e me deu uma nova chance de lutar. 

    De repente, Clarice se levantou e ergueu o olhar para o céu. Em seguida, voltou-se para mim com uma expressão radiante de animação. 

    — Você viu? Uma estrela passou pelo céu bem rápido. E essa quantidade de estrelas… não são lindas? 

    — Sim. É bem raro, mas se tivermos sorte, talvez consigamos ver um Noctilume. 

    — Noctilume? O que é isso? 

    — Eles são uma espécie de raposa. A pelagem escura reflete minúsculos pontos de luz, como se carregasse consigo um fragmento do céu noturno. 

    — Deve ser maravilhoso, adoraria ver um de perto. 

    — Tem um ali. — Apontei por cima do ombro, indicando a direção. 

    — Cadê? — Clarice se virou rapidamente. — Hmm? Não estou vendo nada. 

    Poucos segundos depois, um Noctilume saltou de entre os arbustos. Suas crinas esvoaçavam como água ao vento, e a cada passo deixava um rastro efêmero de luz prateada, dissipando-se como poeira de estrelas, antes de desaparecer novamente entre a vegetação. 

    Clarice ficou de olhos arregalados, completamente hipnotizada com a graciosidade do animal. 

    — Que lindo… Como você sabia que tinha um ali? 

    Como? Essa pergunta ecoava em minha mente. Aquela sensação estranha me consumia novamente, como se, de alguma forma, eu já soubesse que ele apareceria ali.  

    Virei-me, observando o fogo crepitante, tentando encontrar alguma resposta. Eu já havia sentido isso antes, no vilarejo de Hasol. Por mais que tentasse entender o que estava acontecendo, minha mente não encontrava nenhuma explicação lógica para aquilo. 

    — Nunca imaginei que viria pra um lugar assim. Obrigada, Saito, por ter deixado eu vir junto. 

    — Deixado? Você simplesmente me seguiu o tempo todo. 

    — Mas, se não fosse por você, eu ainda estaria presa naquela vila. 

    — O melhor agora é nos prepararmos para dormir. Temos um longo caminho pela frente amanhã. 

    — Sim. 

    Peguei os sacos de dormir e os coloquei próximos à fogueira, contra o vento, para evitar que as brasas fossem lançadas para o nosso lado. Como sempre, assim que Clarice se deitou, adormeceu profundamente.  

    Decidi permanecer acordado por um tempo para vigiar, alimentando o fogo com mais alguns galhos para garantir que durasse a noite toda.  

    Na floresta, os sons dos animais se mesclavam em uma sinfonia natural, compondo uma melodia suave e hipnotizante. Como nada indicava a presença de predadores, finalmente me deitei para descansar. Sob um céu pontilhado de estrelas cintilantes, deixamos para trás as preocupações e encerramos nosso primeiro dia naquele lugar.

    Uma obra de: Matheus Andrade.

    Mapa do Mundo.

    Abra este link se quiser dar zoom: https://ibb.co/1fdX60sM

    A escala não é exata, já que fui eu quem fez e não sou bom nisso kkk. É apenas para termos uma ideia de onde estamos. Ele vai se revelando ao decorrer da história.

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