Abri os olhos devagar, piscando algumas vezes enquanto tentava reconhecer o lugar. Estava deitado em uma cama. Ao olhar pela janela, notei a luz suave da manhã filtrando-se pelo vidro. Instintivamente, levei minha mão até o ferimento que havia recebido, mas logo percebi que não estava mais lá. Virei minha cabeça para o lado e vi Henry, sozinho, sentado ao meu lado. Ele tinha uma expressão abatida, como se não tivesse dormido nada. 

    — Que bom que você acordou. 

    — O que aconteceu? 

    — Ontem, assim que Bertha nos avisou, começamos a procurar por todos os cantos. Quando vimos a casa em chamas, corremos pra lá e encontramos vocês. 

    Passei minha mão novamente sobre o local onde havia recebido o ferimento. A sensação era estranha: meus sentidos insistiam que ele ainda estava lá, mas não havia nenhum vestígio de dor ou ferida. Talvez fosse apenas reflexo de algo tão recente. 

    — Não precisa se preocupar. Clarice curou você ontem e o trouxemos para a taberna. 

    — E Anne? 

    Henry desviou o olhar para o chão, tentando disfarçar as lágrimas que ameaçavam cair. Ele retirou os óculos com cuidado e pressionou os olhos com os dedos, numa tentativa de recompor-se. 

    — Anne perdeu muito sangue e infelizmente…. não sobreviveu. 

    — Sinto muito. 

    Será que, se eu fosse um pouco mais rápido, ela teria sobrevivido? Não… não tinha muito o que fazer. Quando chegamos à cabana, eu vi como ela já estava pálida. 

    — Obrigado por ter tentado salvar ela e proteger minha filha. Ela me contou que você a ajudou mesmo sem ter nada a ver com você. Fiquei surpreso quando vi o que você fez sozinho. 

    — Vocês deviam ter matado aqueles lixos quando tiveram a chance. É isso que acontece quando confia nas pessoas. 

    — Todos disseram pra eu fazer isso. Eu também senti essa vontade, mas não tive coragem… Não queria carregar o fardo de tirar uma vida, mas agora vou carregar esse peso pelo resto da minha vida. 

    — Que tolice. Lixos devem ser descartados. 

    Lixos não merecem segunda chance. Este é o preço de uma decisão errada: uma vida inocente foi tirada. 

    — Esse seu braço e perna. Bertha levou um susto quando foi limpar suas roupas. Você já deve ter passado por muita coisa. 

    Sentei-me na cama, colocando a mão na cabeça. Sentia uma leve dor de cabeça, mas acreditava que passaria com o tempo. 

    — Como aqueles caras acharam ela? 

    — Algumas pessoas disseram que viram Rowan indo embora da vila ontem. É possível que tenha sido ele quem contou. 

    Quando viram o poder de Clarice, comentaram que alguém tinha falado sobre ela. Com certeza foi ele. Mas isso pouco importa agora. tá na hora de partir! 

    — Onde estão minhas coisas? 

    — Tão ali no canto. Também deixei do lado os suprimentos que prometi. 

    Levantei-me, fui até a minha mochila e comecei a organizar minhas coisas. Em seguida, uma mulher apareceu na porta. 

    — Henry, todos já tão na igreja. Vamos começar o funeral. 

    — Já vou. Saito, boa viagem. 

    — Obrigado. 

    Ele se levantou e começou a caminhar em direção à saída. Ao chegar à porta, parou e se virou para mim. 

    — Ah, quase esqueci… cuide bem dela. 

    — Hã? 

    Ao me virar para ele, o sino da igreja tocou, chamando minha atenção para a janela. Quando voltei meu olhar para a porta, Henry já havia ido. Apenas ignorei. Terminei de organizar minhas coisas, coloquei minha mochila nas costas e comecei a caminhar para fora da taberna. 

    Ao chegar no salão, notei que Clarice estava em pé, sozinha, organizando algumas coisas dentro de uma bolsa. 

    — Meu pai falou que você acordou. Que bom que tá bem. Já vai partir? 

    — Sim. 

    Passei ao lado dela, abrindo a porta da taberna. Ao sair, notei que o lugar estava vazio; provavelmente todos haviam ido para o funeral. Peguei o mapa que estava no bolso da mochila.  

    O plano agora era seguir para a próxima vila, a cerca de sete dias de caminhada. De lá, poderia pegar um transporte mais barato para a cidade próxima à floresta, uma viagem que levaria cerca de 15 dias. Por sorte, no caminho havia alguns lagos onde poderia coletar água. Nessas terras, havia poucos animais para caçar, mas com os suprimentos que Henry havia me dado, a jornada prometia ser tranquila. 

    Ao caminhar um pouco mais à frente, notei algo estranho. Ao virar ligeiramente o rosto, percebi Clarice próxima a mim. Continuei andando por mais alguns metros, até perceber que ela estava me seguindo. Parei e me virei para ela. 

    — O que tá fazendo? 

    — Eu vou. 

    — Pra onde? 

    — Com você. 

    — Só pode tá brincando comigo. Vai, vai, volta lá pro seu papai. — Fiz um gesto com a mão enquanto me virava para indicar que ela deveria ir embora. 

    Voltei a caminhar em direção à saída da vila. Poucos metros depois, Clarice ainda estava me seguindo. Parei novamente. 

    — Dá pra parar de me seguir. 

    — Eu já falei que vou com você! 

    — E o funeral? 

    — Já me despedi dela. 

    — E sua família? 

    — Papai e minha irmã, concordaram. 

    — E sua mãe? 

    — … Papai vai falar com ela. 

    — Se quer tanto ir, vá com outra pessoa. 

    — Não tem mais ninguém, e não quero ir sozinha. 

    — Esquece, não quero ninguém me seguindo. 

    — Por que? 

    — Não confio em você. 

    — hã? Mas eu curei você. 

    — Pra começo de conversa eu nem deveria tá aqui. Perdi foi meu tempo. E você só iria me atrapalhar. 

    — Mas meu poder de cura pode te ajudar. 

    Parando pra pensar, é um poder bastante útil. Ainda assim, não posso ter alguém ao meu lado; isso só me atrapalharia. 

    — Já disse que não. Vaza. 

    — Eu vou! 

    Essa insistência realmente me irritou. Virei-me e me aproximei dela rapidamente. 

    — Escuta aqui, pra onde eu vou, sabe o que acontece com alguém como você, que tem esse poder e é diferente? Chamam de bruxa, escravizam, torturam, enforcam, queimam… e fazem coisas ainda piores. Então, esqueça isso e volte pra sua vidinha tranquila de santa com seus admiradores. 

    Sua expressão mudou para uma de surpresa e medo. A verdade era dura, mas esse é o mundo em que vivemos. Acreditei que ela compreenderia e desistiria. Com isso em mente, voltei ao meu caminho sem olhar para trás. 

    ✧༺⚔༻✧

    Alguns quilômetros depois, com o sol começando a se pôr, encontrei um lugar adequado para acampar. Recolhi alguns galhos secos e comecei a preparar a fogueira. Como eu já imaginava, nessas terras áridas seria difícil encontrar animais para caçar. Decidi, então, comer apenas um pão e deixar para fazer uma refeição mais reforçada no dia seguinte. No entanto, havia um grande problema…  

    Ao olhar para o lado, vi Clarice sentada ao meu lado comendo pão. Essa garota tinha mesmo vindo, apesar de tudo o que eu havia dito. 

    — Olha, como eu já disse, você só vai comigo até a próxima vila. A partir de lá, não me siga mais! 

    — Por que você é tão teimoso? 

    Eu? Eu sou teimoso? Cerrei os punhos, bastante irritado, respirei fundo para me acalmar.  

    Pouco depois, tirei o manto e o colete, deixando apenas as luvas, e os coloquei ao lado da minha mochila. 

    — Ei, por que tá tirando a roupa? Você é algum tipo de pervertido? 

    Essa garota… Eu vou enlouquecer antes de chegar à próxima vila. 

    — Eu vou treinar. Não quero encharcar minhas roupas de suor. 

    Afastei-me um pouco e comecei a me alongar. Corri para aquecer e depois fiz algumas flexões, agachamentos e abdominais. Também pratiquei alguns socos e chutes, ajustando minha postura e movimentos. Queria treinar mais com meus fios, mas tinha pouco metal para repô-los. Como não sabia o que encontraria mais à frente, decidi economizá-los até conseguir mais suprimentos. 

    Após pouco mais de uma hora, retornei à fogueira. Clarice ainda estava sentada lá, segurando alguns panos na mão. Ao me aproximar, percebi que eram as minhas roupas. Rapidamente, puxei elas de volta. 

    — O que tá fazen… 

    — Ai. — Ela fez uma expressão de dor.  

    Ao olhar para a mão dela, percebi que estava pingando sangue. Ao observar mais atentamente, notei que ela havia furado o dedo com algo que parecia uma agulha. Examinei minha roupa e vi que ela havia costurado os buracos causados pelo corte que eu tinha recebido.  

    — Por que consertou minha roupa? 

    — Desculpa, só queria ajudar. 

    Logo depois, curou o próprio ferimento com seu poder. Fiquei observando-a por alguns segundos. 

    — Obri… 

    — Seu mal-educado, poderia ao menos esperar eu terminar! 

    Sentei próximo à fogueira, irritado. O que há com essa garota?  

    — Primeiro, eu não pedi pra você fazer isso! Segundo, não mexa mais nas minhas coisas! 

    Ela começou a mexer em sua bolsa, que carregava no ombro. Não era grande para alguém que planejava viajar, mas logo tirou algo que parecia um papel. 

    — O papai me deu um mapa pra ajudar. Como estamos indo por esse lado, a próxima vila é… aqui, Myrelis. 

    Ao observar melhor o mapa que ela carregava, percebi que ele mostrava apenas as terras do sul e o reino de Duskrim, localizado após a Floresta da Noite Eterna. Parecia um mapa antigo e bem meia boca, contendo apenas nomes principais e nenhuma referência às terras do norte além do mar. Podia-se dizer que representava apenas um terço do mundo. 

    — Nossa, o mundo é grande. Você veio aqui de Bartton, né? Vai ser incrível… 

    — Pfft. 

    — Que foi, por que riu? 

    — Nada. 

    Abaixei-me na mochila e peguei meu saco de dormir. O melhor era descansar para recuperar energia para o próximo dia. Ao olhar para Clarice, notei que ela ainda estava admirando seu mapa. 

    — Não vai dormir? 

    — Dormir? Ah, sim. — Ela guardou o mapa. 

    — Cadê seu saco de dormir? 

    — Saco? Essa não! o papai falou pra pegar, mas eu esqueci. 

    — E agora? Vai dormir no chão? 

    — Não tem problema, eu fico aqui perto da fogueira. — Ela se abaixou próxima à fogueira e se encolheu. — Tá vendo? Nem tá frio. 

    Poucos segundos depois, soprou uma brisa bastante fria, e ela começou a tremer. Soltei um suspiro. 

    — Aqui pega. — Estendi meu saco de dormir para ela. 

    — E você? 

    — Tenho um pano aqui que dá pra me cobrir, junto com meu manto. 

    ✧༺⚔༻✧

    O que deveria ser uma viagem de sete dias acabou se estendendo para nove, graças à presença dessa garota. 

    — Finalmente chegamos, meus pés tavam me matando. 

    Enfim, eu poderia me livrar dela. Ela passou a viagem inteira falando e fazendo perguntas sobre Bartton, o que já estava me deixando exausto. Com a noite começando a cair, decidi procurar uma pousada; dependendo do preço, poderia acampar nas proximidades. Ainda assim, nada se compara ao conforto de uma cama para aliviar as dores nas costas. 

    Por sorte, logo na entrada da vila havia uma pousada. Assim que pisei na tábua da entrada, ela quebrou, e meu pé esquerdo ficou preso. Com esforço, consegui soltá-lo. Ao entrar na pousada, fui recebido por um cheiro de madeira úmida e podre. O local estava em péssimas condições, parecia abandonado. Não havia ninguém ali, além de um homem bastante magro, parado atrás do balcão. 

    — Vou querer um quarto pra uma noite. 

    — São 7 cruzeiros. 

    — 7? Que roubo é esse? você não ouviu que é só uma noite? 

    — Os quartos de cama de casal é mais caro, ou sua mulher vai dormir no chão? — Ele apontou pra Clarice que estava sentada alisando seus pés. 

    — Ela não é minha mulher, vou querer um quarto com uma cama de solteiro. 

    — É 5 então. 

    — 5? — Senti uma vontade imensa de socar a cara dele, mas me controlei. 

    Após muito negociar com aquele maldito, consegui por 3 cruzeiros. Não queria voltar e acampar. Ao entrar no quarto, percebi que tudo estava velho e desgastado. Quando me sentei na cama, ela rangeu tanto que achei que fosse quebrar comigo em cima. Além disso, os panos da cama estavam impregnados de cheiro de mofo, então os joguei no canto e usei os meus próprios. 

    Após uma noite mal dormida devido ao calor sufocante e às péssimas condições do local, acordei com as costas encharcadas de suor. Saí da pousada em busca de alguém que pudesse me levar à cidade de Sylvaris. Depois de procurar por um tempo e precisar me esquivar de vários vendedores chatos, avistei um homem com uma carroça e me aproximei dele. 

    — Olá, você faz viagem pra Sylvaris. 

    — Sim. É 50 cruzeiros. 

    — 50? Só tem ladrão nessa cidade, é? 

    — Se não quer, vá a pé. Só leva um mês. 

    Peguei minha bolsa de moedas e comecei a contar. Restavam apenas 40 cruzeiros. Eu realmente precisava encontrar uma maneira de conseguir mais dinheiro. 

    — Tudo o que tenho é 40 cruzeiros. 

    — Com essa roupa? 50 ou vá a pé. 

    — Pode deixar, eu completo — disse Clarice, aproximando-se atrás de mim. 

    — Eu não quero seu dinheiro. 

    — Como vai conseguir viajar? E por que não me esperou? 

    — Eu já tinha dito que você só iria comigo até esta vila. 

    — Para de ser teimoso. — Clarice pegou uma bolsa de moedas e começou a contar calmamente. 

    — Senhorita, você pode me dar um pouco de comida? — perguntou uma garotinha, puxando a roupa de Clarice. 

    — Ah, desculpa, é que eu tenho pouco… 

    Quando Clarice se virou e viu a garotinha, sua expressão mudou instantaneamente. Era algo esperado, mas até eu fiquei surpreso. A criança estava extremamente desnutrida, com roupas rasgadas e sujas. Mesmo assim, ela sorria, estendendo as mãos, enquanto seus dentes, quase todos podres, revelavam a dura realidade em que vivia. Era impossível não sentir pena dela.  

    Ao observar melhor ao redor, agora com a luz do dia, percebi que a vila estava em um estado lamentável. Era difícil acreditar que as pessoas conseguiam viver assim. Meu mestre estava certo quando mencionou a pobreza extrema deste lugar. 

    Clarice levou a mão à boca, tentando conter o choro. Em seguida, pegou um pão de dentro de sua bolsa e o entregou à criança. Os olhos da pequena brilharam de alegria ao segurar o pão em suas mãos. 

    — Giselle, o que você tá fazendo? — repreendeu uma mulher enquanto vinha correndo. Ela pegou o pão da mão da garotinha e o devolveu para Clarice — desculpe por minha filha, mas não temos dinheiro pra comprar. 

    — Eu não estou vendendo. Aqui, pegue. — Ela entregou o pão para a mulher. 

    — Hã? Você vai me dar um pão? inteiro? Tem certeza mesmo? 

    — Sim, não tem problema. Pode ficar, é seu. 

    — Muito obrigada. — Os olhos da mulher se encheram de lágrimas, e ela fez uma reverência profunda, expressando sua gratidão. 

    — De nada.  

    — Vamos, Giselle. Vou preparar esse pão pra a gente comer. 

    As duas se afastaram, e Clarice virou de costas para mim, passando as mãos pelo rosto. Era evidente que estava lutando para conter as lágrimas. Meu coração também estava apertado, mas eu sabia que não havia nada mais que pudesse ser feito. 

    — Então, vamos? Vou contar o dinheiro. — Ela se virou para mim, forçando um sorriso. 

    — AAAAHH. — Um grito cortante de uma mulher ecoou de um beco próximo. 

    Eu e Clarice corremos rapidamente até o local. Ao chegar, encontramos a mulher de antes caída no chão, pressionando as mãos contra um ferimento. Giselle estava ao lado dela, sentada e chorando. Mais adiante, no final do beco, vi uma criança correndo com uma faca na mão e o pão que Clarice havia dado a ela. 

    — Clarice cuide dela. 

    Sabia que, com o poder de Clarice, ela poderia curar a mulher. Corri atrás do garoto e, no final do beco, vi que ele entrou em uma casa. Apressei-me e, ao chegar, abri a porta com força. Caminhei com cuidado, examinando os cômodos, até chegar a um quarto. O que vi foi uma cena horrível: o garoto desnutrido, estava à minha frente segurando uma faca com as duas mãos. Ele parecia proteger uma mulher deitada na cama, provavelmente sua mãe. Ela estava em péssimas condições, completamente desnutrida, e não parecia ter forças para sobreviver por muitos dias. 

    Me virei e comecei a caminhar lentamente em direção à saída da casa. Aquela cena realmente mexeu comigo. Ao sair, fiquei parado, de cabeça baixa. 

    Onde está o rei? Como ele pode permitir que seus cidadãos sejam abandonados dessa forma?  

    Respirei profundamente e levantei o olhar, reunindo forças para seguir em frente.  

    O que estou pensando? Os humanos só pensam em si mesmos: ganância, poder… é tudo o que importa pra eles, pouco se importam com a vida dos outros. 

    Voltei para o beco onde as garotas estavam. A mulher estava sentada, encostada na parede, enquanto Clarice estava ajoelhada próxima a ela. Giselle, ainda chorando, permanecia ao lado delas. 

    — Como ela está? 

    — Eu curei ela, mas parece que tá muito fraca. 

    — Como você fez isso? Meu ferimento sumiu. 

    — Isso não é importante agora. Consegue se levantar? 

    — A mamãe vai ficar bem? — Giselle, chorando, agarrou o braço de Clarice, que a abraçou com força. 

    — Eu tou bem querida, não se preocupe. 

    Ela tentou se levantar, mas não teve forças. Devido à desnutrição, aquele pequeno sangramento foi suficiente para deixá-la perigosamente fraca. Ela precisava de descanso urgente, alimentação adequada e hidratação. No entanto, esse era o problema: onde encontraria comida em um lugar tão miserável? 

    — Onde fica sua casa? — Perguntei. 

    — Um pouco depois do final do beco, ali. — Ela apontou com a mão trêmula. 

    — Vou te carregar até lá. 

    — Você consegue? 

    Peguei-a com facilidade; era muito leve. Comecei a caminhar na direção indicada e, pouco depois, chegamos à casa dela. Entrei e a coloquei cuidadosamente em sua cama. Clarice trouxe um pouco de água para ela, colocando o copo ao alcance de sua mão com delicadeza. 

    — Como alguém pode fazer isso? Saito, você não encontrou aquele garoto, não? 

    — Não… 

    Eu não queria mencionar o que presenciei. Ele roubou e machucou alguém, mas eu não sabia o que fazer. Afinal, ele só queria salvar a mãe, que estava à beira da morte. 

    Será que, nas mesmas condições, eu faria o mesmo? 

    Abri minha mochila, tirei um pedaço de pão e uma batata cozida que havia preparado para depois, e os coloquei próximos a ela. 

    — Não precisa me dar sua comida. 

    — Não tem problema. Qual é seu nome? 

    — É Isabella 

    — Por que essa vila tá nesse estado? 

    — A vilas por esses lados sempre foram muito pobres, mas piorou muito nos últimos anos. 

    — Existe alguma razão pra isso? 

    — Nós recebíamos suprimentos da capital e da cidade de Sylvaris, mas por algum motivo Sylvaris parou de mandar. E o pouco que chega da capital aqui mal dar pra todos. 

    — Isso não pode, por que eles fariam isso? — perguntou Clarice irritada. 

    — Ninguém sabe, eles só pararam… Aqui e Caltrus foram as mais afetadas; as outras ainda conseguem peixe do mar. A cada dia que passa, fica mais difícil conseguir comida. 

    Caminhei até minha mochila, coloquei-a nas costas e comecei a seguir em direção à saída. Aquilo deixava uma inquietação em mim, mas eu precisava ir.  

    — Onde você vai, Saito? 

    — Embora. 

    — Mas… desculpa, eu queria ficar mais um pouco, mas preciso ir. 

    — Não tem problema, muito obrigada a vocês dois. 

    Antes de sair, Clarice abriu sua bolsa rapidamente, pegou um pão e entregou a Giselle. 

    — Estou indo pra Sylvaris, vou tentar descobrir o que aconteceu. 

    Sem muitas opções, tive que aceitar que Clarice pagasse o restante da minha passagem, pois caminhar não era uma alternativa viável. No caminho, olhei para Clarice e notei que ela estava de cabeça baixa, visivelmente triste. 

    — Assim que chegarmos a Sylvaris, vou pagar o que te devo, e a partir daí, cada um seguirá seu caminho. 

    — Não precisa… 

    — O que tava pensando? Achou que faria uma viagem feliz, como nos contos de fadas dos livros? Esqueça, isso aqui é a realidade. 

    — Nós temos que ajudar! 

    — Ajudar? Como? Seu poder pode criar comida? Apenas agradeça por ter nascido em um lugar estável, porque essas pessoas sequer tiveram essa chance. 

    — … 

    — Enquanto muitos tão preocupados com o que vão comer, essas pessoas só querem qualquer coisa pra sobreviver. Quando alguém comenta sobre eles, é fácil dizer que sente dó enquanto permanecem no conforto de suas casas, mas só quem vive essa realidade sabe como ela realmente é. 

    Clarice abaixou a cabeça, permanecendo em silêncio. Esse era um fato: enquanto alguns têm muito, outros não têm nada. Sempre foi assim e, provavelmente, continuará piorando. Os humanos caçaram e exterminaram as outras raças apenas por ganância, e, no final, nem mesmo ajudam a própria espécie. 

    Com o peso desse silêncio e a realidade crua que nos cercava, seguimos para Sylvaris. 

    Uma obra de: Matheus Andrade. 

    Mapa do mundo.

    Abra este link se quiser dar zoom: https://ibb.co/RGQkGbQy

    A escala não é exata, já que fui eu quem fez e não sou bom nisso kkk. É apenas para termos uma ideia de onde estamos. Ele vai se revelando ao decorrer da história.

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