Índice de Capítulo

    Pouco tempo depois que Bruno e os demais partiram, Reidner e Alonso se juntaram a Daniel e Edivaldo. Eles haviam decidido vasculhar as casas mais próximas para pegar o que fosse necessário. Antes de sair, cada um pegou uma faca, colocando-as na cintura enquanto paravam diante da porta lateral do mercado, prontos para enfrentar o que quer que estivesse lá fora.

    No alto da escada do escritório, Camille permanecia sentada, absorta no celular. Ela percorria fóruns e grupos online, onde o desespero se espalhava tão rápido quanto o vírus. Gritos de socorro, relatos de horrores, tentativas de criar comunidades e compartilhar informações sobre como sobreviver àquele inferno tomavam conta das postagens.

    Foi então que algo chamou sua atenção. Uma discussão recorrente estava surgindo: aquele vírus não era a CDW. Algo novo, mais imprevisível, estava acontecendo. Os padrões de infecção variavam demais para ser a mesma doença que muitos conheciam. Ela franziu o cenho, clicando em uma nova notificação.

    — Pessoal, venham ver isso daqui! — Camille chamou os quatro, sua voz carregada de urgência.

    Os rapazes pararam de discutir e foram até ela, curiosos e inquietos. Camille respirou fundo antes de ler o conteúdo de uma mensagem em voz alta:

    — “Atenção a todos: um novo tipo de infectado apareceu. Diferente dos outros, ele ainda parece estar sofrendo mutação. Foi capturado ontem, poucas horas após o surto começar. Compartilhem isso com o máximo de pessoas possível. É urgente. Preparem-se para o pior.”

    Um silêncio pesado se seguiu. Alonso foi o primeiro a quebrá-lo.
    — Tá de brincadeira… Quer dizer que vão surgir coisas ainda piores? — Ele encarava os outros com os olhos arregalados, a respiração já mais rápida.

    — Vamos ver o vídeo. Reproduz aí, Camille. — Disse Daniel, a tensão evidente em sua voz.

    Camille hesitou, os dedos pairando sobre a tela. Ela respirou fundo e apertou o play.

    A câmera tremia enquanto uma pessoa, cuja identidade não era revelada, começava a falar em um quarto mal iluminado. Ao redor, cinco pessoas cercavam uma cadeira, onde um homem estava amarrado. O narrador apontava a câmera para o prisioneiro, que mantinha a cabeça baixa, o corpo rígido e os olhos escondidos sob os cabelos desgrenhados.

    — Esse aqui é o Mikael. — A voz grave e cansada do narrador preencheu o ambiente. — Como vocês podem ver, o desgraçado tá inteiro, só com uns arranhões de uma luta que ele teve ontem contra uns infectados. Mas foi aí que tudo começou…

    O narrador ajustou o foco na cadeira. Mikael, imóvel, parecia respirar pesadamente, suas mãos presas com cordas começavam a mostrar unhas alongadas e afiadas.

    — Ele tava brigando com um infectado adulto, e no meio do caos caiu no chão. Quando o infectado foi pra cima dele pra morder, ele conseguiu segurar o cara pelo cabelo e cortou parte do pescoço com uma faca. Só que ele tava com a boca aberta, gritando. — A voz hesitou. — O sangue do infectado caiu direto na boca dele. Ele engoliu sem querer.

    Camille sentiu um arrepio subir pela espinha, mas não parou o vídeo.

    — Na hora, achamos que não ia dar em nada. Ele parecia imune. Nenhum sintoma, nenhum sinal. Até parecia sorte, mas conforme as horas passaram, o comportamento dele começou a mudar.

    A câmera deu um zoom no rosto de Mikael. Sua cabeça ergueu-se, revelando olhos aterrorizantes: a íris amarelo brilhante e o branco dos olhos agora totalmente negro, como um poço sem fundo.

    — Os olhos dele ficaram assim. E quando acordamos hoje de manhã, ele já tinha matado um infectado com as mãos nuas. O desgraçado parecia… beber o sangue dele.

    A voz ficou mais grave.
    — Quando fui tentar segurá-lo, ele veio pra cima de mim. Se não fosse outro cara me ajudar, eu tava morto. Na briga, deu pra ver que o rosto dele não era mais humano. Era como… um animal. As unhas ficaram como garras, e o cabelo preto dele tá quase todo grisalho agora.

    O narrador afastou-se um pouco, como se estivesse apavorado só de gravar.
    — A gente pensou em matá-lo logo de cara. Mas achamos melhor estudar o que tá acontecendo. Ver como ele tá mudando. Mas fica o aviso: se o sangue de alguém assim entrar em contato com seus olhos, boca ou feridas… é questão de tempo pra você se transformar nisso.

    A câmera desligou, e a tela do celular de Camille ficou preta.

    O silêncio na sala era esmagador. O som de sua respiração trêmula parecia ecoar. Com as mãos apertando o celular, ela finalmente quebrou o silêncio:

    — Gente… — Sua voz falhou. — O Jão me disse que o corte no rosto do Bruno foi feito com uma faca suja de sangue infectado.

    A reação foi imediata. Reidner e Alonso se entreolharam, incrédulos. Daniel empalideceu. Ninguém ali estava preparado para ouvir aquilo.

    No topo da escada, Samira, que havia se aproximado sem ser notada, caiu de joelhos. Ela tinha ouvido cada palavra. A lembrança de João Paulo comentando sobre a faca suja atravessou sua mente como uma lâmina afiada.

    — Não pode ser… — Murmurou ela, com a voz trêmula. O chão parecia desabar sob seus pés.

    O terror nos rostos de todos era palpável. A realidade de que Bruno poderia estar sofrendo uma mutação começou a se enraizar. O grupo estava mergulhado em um silêncio que só amplificava o som de seus corações disparados.

    Gabriel se aproximou do grupo com um sorriso meio desconfiado, balançando o celular na mão.
    — Aí, galera, cês viram? Tão falando que isso não é a tal da CWD!

    Edvaldo respondeu com pressa, como quem já sabia onde aquilo ia dar:
    — É, gente, acabei de ver isso aqui também!

    Gabriel franziu o cenho e abriu um chiclete, jogando na boca com a tranquilidade de quem ainda não percebeu a gravidade da situação.
    — E tão chamando isso de quê agora?

    Camille, segurando o celular com força, mal ergueu os olhos:
    — MutaVírus. Tudo por causa daquele vídeo… do novo tipo de infectado que apareceu. — Sua voz estava baixa, quase derrotada.

    O clima no grupo era sufocante. Gabriel, ainda tentando aliviar a tensão, lançou a pergunta como quem joga uma pedra no lago:
    — Tá, mas o que rolou pra cês estarem com essa cara de enterro?

    Daniel engoliu em seco antes de responder, já sentindo o peso das palavras:
    — A gente acha que o Bruno… tá sofrendo esse tipo de mutação.

    O silêncio caiu como um tiro. Reidner, percebendo que o grupo precisava agir rápido, cortou o clima com uma ordem seca:
    — Ainda precisamos pegar umas coisas pra passar a noite. Bora.

    Ele fez um gesto para os outros seguirem. Camille ficou para trás, as mãos tremendo enquanto pensava: Preciso mostrar isso pra Samira… agora.

    Gabriel, por sua vez, não parecia disposto a acompanhar a movimentação.
    — Vou ali mostrar isso pro Arthur e pro Anael.

    Sem esperar resposta, ele foi até o corredor dos salgadinhos, o vídeo ainda rodando na tela do celular. No fundo, pensava no caos que seria se Bruno realmente se transformasse ali dentro.

    Enquanto isso, Camille subia as escadas. Ao encontrar Samira encolhida num canto, as lágrimas da garota eram quase um grito mudo. Ela se aproximou, mas Samira nem levantou a cabeça:
    — Eu já sei… ouvi o seu celular… e a conversa de vocês.

    A voz dela era entrecortada pelos soluços. Camille, percebendo a profundidade do medo da garota, se sentou ao lado dela, tentando pensar em algo para dizer. Mas as palavras não vinham.

    As duas ficaram ali, mergulhadas no silêncio pesado, enquanto o mundo lá fora parecia desmoronar.

    ***

    Reidner e os outros saíram pela porta lateral do mercado, os passos leves como sombras, os olhos atentos a cada movimento na rua. Do lado de fora, os infectados estavam espalhados, mas a tensão no ar era densa. Daniel vasculhou o cenário com o olhar, contando mentalmente os monstros que vagavam como predadores silenciosos.

    — Aí, Reidner, seja rápido lá dentro! Você também, Alonso! — sussurrou Daniel com cautela. — Eu e o Edvaldo ficamos de guarda. E, pelo amor de Deus, sem barulho. Não quero chamar aquele bando no fim da rua.

    Os infectados, em um amontoado sombrio ao longe, pareciam esperar o menor som para se lançarem como uma onda faminta.

    Reidner abriu a porta da casa que ficava em cima de uma loja. A madeira rangia de leve, e Alonso entrou primeiro, uma faca na mão trêmula. Atrás da porta, uma escada estreita subia para uma segunda porta, entreaberta. Reidner, atento, deixou a porta de entrada aberta. Qualquer barulho errado, e aquilo seria a única chance de fuga.

    Subindo os degraus com passos cuidadosos, os dois chegaram à porta do topo. Alonso empurrou-a devagar, o coração martelando no peito. A casa parecia vazia, o silêncio pesado, mas traiçoeiro. Ele atravessou o limiar, e Reidner murmurou atrás dele:
    — Acho que tá tudo limpo. A casa parece…

    A frase morreu na garganta quando uma infectada adulta emergiu da sombra como um pesadelo, pulando em suas costas. Reidner tropeçou, o grito preso na garganta enquanto tentava afastá-la.

    — MAS QUE DROGA! — Alonso exclamou, o susto arrancando-lhe um chute instintivo. O golpe atingiu a cabeça da infectada, que caiu no chão, se contorcendo como um animal selvagem.

    Reidner se levantou, mas o horror não acabou ali. Dois outros infectados surgiram de um corredor, gritando de forma gutural, o som tão alto que ecoou pelas paredes. O barulho atingiu a rua como um alarme, e os monstros lá fora começaram a se mover, atraídos como abutres pelo cheiro da morte.

    — Merda, merda, merda! — Reidner praguejou enquanto Alonso recuava.

    Lá fora, Daniel e Edvaldo viram o caos se formar. Os infectados no final da rua já estavam se virando, os corpos torcidos começando a avançar em direção ao mercado.

    — Eles chamaram a porra de uma horda! — Edvaldo gritou, segurando um pedaço de ferro com força.

    Dentro da casa, Alonso e Reidner desceram as escadas em disparada, os gritos dos infectados atrás deles ecoando como uma sentença de morte. Eles mal conseguiram alcançar a saída antes que os monstros invadissem o corredor, os dedos deformados tentando agarrá-los.

    Os quatro correram pela rua, o som das dezenas de infectados atrás deles transformando o ar em um pesadelo. Mais de quinze monstros adultos, ferozes e famintos, perseguiam o grupo, cada passo um lembrete cruel de que não havia escapatória fácil no mundo em que viviam.

    Quando chegaram ao portão do mercado, os infectados começaram a surgir de todas as direções, como uma onda inevitável. Aos poucos, o mercado foi sendo cercado. O ar ficou carregado com gritos de desespero: vozes clamando, implorando que abrissem a porta lateral antes que fosse tarde demais.

    Arthur, Anael e Gabriel estavam no meio de uma conversa, discutindo planos para um futuro que parecia mais uma sentença de morte inevitável nesse mundo apodrecido pelo sangue. O som de batidas desesperadas ecoou pela porta lateral, interrompendo qualquer lógica. Os gritos imploravam para entrar.

    Arthur arregalou os olhos e, sem pensar, correu até a porta. No momento em que a abriu, o caos explodiu. Daniel e Edvaldo já estavam lutando para segurar os infectados, travados numa batalha de puro instinto. Alonso e Reidner passaram correndo, a expressão de pânico gravada em seus rostos.

    Arthur não hesitou: viu Daniel lutando contra um infectado que quase conseguia agarrar seu pescoço. Com uma pequena faca pontuda na mão, Arthur avançou. Ele a cravou entre o pescoço e a clavícula do infectado com toda a força. Mas o monstro não reagiu. O olhar vazio e a força bestial permaneceram intactos. O coração de Arthur disparou. O desespero cresceu como fogo no peito dos dois.

    Arthur puxou a faca, e um jato de sangue escuro e viscoso os cobriu. A cena era grotesca, o cheiro de sangue insuportável. Em pânico, Arthur tentou novamente. Enfiou a faca em outro ponto, mas nada aconteceu. O infectado avançava, inabalável, como se o próprio inferno o movesse.

    Foi Daniel quem reagiu. Com um chute rasteiro bem colocado, ele derrubou o monstro no chão. Arthur e Daniel não esperaram para ver o resultado. Correram para dentro, ofegantes, os olhos arregalados, enquanto os infectados se acumulavam como uma maré da morte. Agora, todos estavam cercados. O mercado inteiro tremia com os ruídos dos infectados tentando invadir, um cerco de puro terror.

    Os portões, portas e paredes do mercado tremiam como se estivessem prestes a ceder. Cada pancada dos infectados parecia um trovão, ecoando pelo espaço e deixando claro que eles fariam de tudo para destruir a entrada. O terror era palpável, quase sufocante. Lá dentro, ninguém conseguia desviar o olhar dos portões, enquanto o frio na barriga e o nó na garganta congelavam cada movimento.

    Arthur sentia o coração disparar. Ele sabia que precisava agir antes que fosse tarde demais.

    — CORRAM PARA O ARMAZÉM, AGORA! — ele gritou, tentando soar firme, mas sua voz carregava o peso do medo.

    As três meninas, no entanto, pareciam congeladas. Camille e Gislaine estavam paralisadas, com os olhos arregalados, enquanto Samira perdeu completamente as forças e caiu de joelhos.

    — Socorro… irmão… — sussurrou Samira, a voz trêmula e quase inaudível. Lágrimas rolavam por seu rosto, enquanto o pânico tomava conta de sua mente.

    O desespero no mercado aumentava a cada segundo.

    — TODO MUNDO PEGANDO ALGO PRA SE PROTEGER… VÃO LOGO! — gritou Reidner, sua voz carregada de pavor. Ele corria de um lado para o outro como um animal acuado, procurando algo que pudesse usar para lutar, mas sem qualquer plano.

    Arthur, Anael e Raziel não tinham tempo a perder. Pegaram Samira, Gislaine e Camille pelos braços, praticamente arrastando-as em direção ao armazém. Nas mãos, eles seguravam grandes facas de cabo branco, lâminas lisas e feitas para churrasco, mas que agora seriam a única defesa contra a morte iminente.

    Assim que entraram no armazém, Arthur correu para fechar a porta. Suas mãos tremiam enquanto tentava trancar o lugar, mas foi interrompido por Gabriel, que surgiu correndo, os olhos cheios de pânico.

    — ESPERA! Eu também… eu… — Gabriel arfava, segurando a porta com força.

    Arthur olhou para ele, o rosto um misto de urgência e dúvida. Lá fora, os sons das pancadas ficavam ainda mais altos, quase ensurdecedores. Não havia tempo para pensar, apenas para sobreviver.

    Os mesmos quatro que atraíram a grande horda de infectados para a frente do mercado agora estavam presos ali, com nada além dos portões como barreira entre eles e a morte certa. As pancadas incessantes já haviam começado a deformar o metal, fissuras surgindo nas juntas enfraquecidas.

    Alonso estava pálido como um cadáver, o medo transparecendo em cada músculo tenso de seu rosto. Ele olhou para Reidner, buscando um fio de esperança, uma ideia, algo que pudesse salvá-los. Mas tudo o que viu foi outro adolescente, tão aterrorizado quanto ele, segurando uma faca com as mãos tremendo tanto que parecia que cairia ao menor sopro de vento.

    Enquanto Alonso hesitava, Daniel e Edvaldo decidiram agir. Correram até o portão, enfiando suas facas com força através das frestas abertas pelas pancadas. O metal rangia, os gemidos dos infectados do lado de fora ecoavam como um coro infernal. Alonso, ao ver os dois lutando com tanta determinação, sentiu algo surgir dentro de si. Não era coragem; era mais um impulso primitivo, uma tentativa desesperada de sobreviver. Ele apertou os punhos e juntou-se a eles.

    Reidner, no entanto, permaneceu paralisado. Suas pernas estavam bambas, a faca em sua mão parecia inútil. Ele observava, com o coração disparado, os três atacando o portão, mas logo percebeu o óbvio: aquilo não estava funcionando. Nenhum dos infectados parecia estar sendo derrubado.

    — É INÚTIL FAZER ISSO! CORRAM! SE ESCONDAM ANTES QUE ELES ENTREM! — gritou Reidner, e suas palavras saíram com mais força do que ele mesmo esperava. Sem esperar por uma resposta, ele virou as costas e correu em busca de um esconderijo.

    Daniel, Edvaldo e Alonso se entreolharam, ofegantes. Reidner estava certo. Não havia tempo. Sem hesitar, eles largaram o portão e correram para o armazém, onde o resto do grupo já estava escondido.

    As batidas desesperadas na porta do armazém ecoaram pela pequena sala.

    — Abram! Pelo amor de Deus, abram! — gritavam, suas vozes carregadas de desespero.

    Arthur abriu a porta com um movimento brusco, o rosto contorcido de raiva e frustração.

    — Vocês trouxeram essa merda pra gente! — Ele apontou para os recém-chegados, a voz baixa, mas carregada de ódio. — Se escondam onde quiserem, mas façam silêncio! Não entreguem a posição de ninguém, entenderam?

    Sem esperar resposta, Arthur fechou a porta com força, trancando-a novamente.

    Poucos minutos depois, o inevitável aconteceu. O portão da entrada principal finalmente cedeu, tombando com um estrondo que parecia anunciar o fim. Os infectados invadiram a área de compras, mas o espaço estava vazio. Sem encontrar ninguém, começaram a vasculhar, avançando lentamente, farejando como predadores famintos à caça de suas presas.

    ***

    Enquanto sua irmã, seus primos e amigos enfrentavam o perigo dentro do mercado, Bruno e os outros se aproximavam, completamente alheios ao caos que os aguardava.

    Dentro da Fiorino, o calor era sufocante, e Bruno parecia estar sendo consumido por uma febre. Suor escorria pelo seu rosto, e as veias de seus braços estavam inchadas e pulsantes. João Paulo, sentado ao lado dele, não pôde ignorar.

    — Mano, sei que tá quente, mas porra, tu saiu do banho agora e já tá suando assim? Tá errado isso aí.

    — Parça, tô de boa… — Bruno respondeu, a voz meio rouca, enquanto sentia como se seu corpo estivesse em chamas. Ele ignorava, mas algo estava mudando dentro dele. Do fundo de suas pupilas, uma tonalidade vermelha, semelhante ao sangue, começava a surgir.

    Na parte de trás do carro, Guilherme mal conseguia suportar o calor. Ele abriu um pouco mais a porta traseira, na tentativa de deixar entrar um resquício de ar fresco.

    — Sei que tá um inferno aí atrás, Gui, mas é perigoso deixar a porta aberta com o carro em movimento. — comentou Alicia, enquanto ajeitava os cabelos, visivelmente incomodada com a situação.

    De repente, Bruno pisou no freio com força. O carro deu um solavanco brutal, e a porta traseira bateu com estrondo. Tudo que estava lá dentro tombou, espalhando-se pelo chão.

    — MAS QUE MERDA É ESSA, MOHAMMAD?! CÊ NÃO SABE DIRIGIR NÃO, SEU PORRA?! — gritou Pedro, tentando se levantar, mas sendo esmagado por Guilherme, que havia caído em cima dele.

    João Paulo e Bruno congelaram. Seus olhos estavam arregalados, fixos na cena diante deles. Na entrada do mercado, uma horda de infectados avançava como uma maré de destruição, atravessando o portão arrombado.

    Bruno sentiu uma onda de ódio tomar conta dele. Seu corpo inteiro ficou tenso, os músculos contraídos a ponto de seus dedos estralarem quando fechou as mãos em punhos. Ele respirava rápido, tentando processar o que via.

    “Mas que merda… E agora?” pensou ele, os pensamentos tomados por uma fúria crescente. “Será que eu meto o louco estilo Mad Max e passo o carro por cima desses filhos da puta?”

    O calor parecia ferver dentro dele, como se estivesse prestes a explodir. A vermelhidão em suas pupilas se intensificava, um reflexo silencioso da transformação que começava a consumir Bruno por dentro.

    João Paulo observava a cena com o coração disparado. Ele não sabia o que fazer, cada segundo que passava parecia uma eternidade. Pedro e Guilherme, ainda atordoados, saíram do carro, tentando entender o que estava acontecendo.

    — Puta merda… fodeu de vez! — exclamaram os dois irmãos em uníssono, o medo estampado em seus rostos.

    Enquanto isso, Bruno se agachou no chão, o joelho esquerdo e a mão esquerda pressionados contra o asfalto quente. A mão direita cobria o rosto como se ele estivesse tentando conter algo que vinha de dentro. João Paulo o observava, atônito, sem saber se deveria se aproximar ou manter distância.

    Os músculos de Bruno estavam tensos, e uma leve camada de suor brilhava em sua pele. Pelos de seu corpo se eriçavam, como se reagissem a uma força invisível, e João Paulo notou algo estranho: fios brancos começavam a surgir no cabelo de Bruno, contrastando com sua cor natural.

    — Fiquem aqui e se escondam! — gritou Bruno de repente, sua voz rouca, quase gutural, enquanto se levantava de forma abrupta e disparava na direção do mercado.

    — Entrem no carro, AGORA! — João Paulo gritou, a voz carregada de desespero. Ele estava dividido entre correr atrás de Bruno, tentando impedir o que claramente era uma loucura, ou ficar para proteger os outros. Mas, no fundo, sabia que estava apavorado. O mercado era uma visão de puro terror, e ele temia o que teria de enfrentar para descobrir o que restava de quem estava lá dentro.

    Bruno corria como se sua vida dependesse disso. Cada passo era cheio de uma energia explosiva, quase sobre-humana, mas seu corpo parecia ceder. Quando estava perto da horda, ele tropeçou e caiu, ofegante, com a visão começando a escurecer.

    Deitado no chão, sentindo o peso do cansaço, Bruno pensava apenas em uma coisa: Por favor, que alguém ainda esteja vivo. Minha irmã… Samira… meus primos… alguém…

    Os infectados mais próximos o notaram. Um grupo deles virou-se e começou a correr em sua direção, a fome e a loucura estampadas em seus rostos deformados. Bruno tentou se levantar, mas o corpo não respondia. O desespero o consumia.

    Foi então que aconteceu.

    Com um esforço final, Bruno se ergueu, soltando um grito que ecoou como um trovão na noite. Não era humano. Era um rugido gutural, profundo, como se viesse das profundezas de algum abismo sombrio. Sua voz reverberou pelo ar, assustando até mesmo os infectados que avançavam.

    Veias negras surgiram em seus braços e pescoço, pulsando de forma grotesca. Seus olhos brilharam com uma intensidade carmesim, ardentes como brasas, enquanto sua expressão assumia algo monstruoso, quase animalesco. Por um momento, ele parecia mais uma fera selvagem do que um ser humano.

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