Bruno estava caído no chão, o corpo pesado como chumbo, a respiração irregular. Sua visão embaçava, um zunido irritante preenchia seus ouvidos, e quando tentou se levantar, sentiu as pernas cederem como se fossem feitas de borracha.

    — Fodeu… Eu não consigo me levantar. — Ele bufou, cerrando os dentes enquanto forçava os músculos exaustos a reagirem.

    Iris se aproximou rapidamente, franzindo a testa.

    — Como assim, cara? Cê não consegue levantar?

    — O caralho! — Ele tentou de novo, sem sucesso. — Eu tô sem nenhuma força… Me ajuda aqui, porra.

    Iris varreu os arredores com o olhar e, a poucos metros de distância, avistou algumas casas com as portas escancaradas, rangendo ao sabor do vento. Um calafrio subiu por sua espinha. Algo naquele cenário estava errado.

    — Tem umas casas ali, portas abertas… Vou dar uma olhada. Se estiver limpo, a gente se abriga lá. Fica aqui e aguenta firme! — disse ela, já correndo para a construção mais próxima.

    Bruno respirou fundo e tentou manter a consciência enquanto esperava. O cansaço arrastava sua mente para um torpor estranho, e memórias se embaralhavam com alucinações. O cheiro metálico do sangue ainda impregnava suas roupas, misturado ao fedor podre dos infectados que ele havia massacrado.

    Iris avançou pela casa de forma cautelosa, os passos leves e a faca em mãos. Cada cômodo estava um caos de mobília revirada e poeira. Apesar da bagunça, não havia nenhum corpo ali dentro, nenhuma trilha de sangue recente. O silêncio absoluto era um alívio e, ao mesmo tempo, inquietante.

    Pouco depois, ela voltou até Bruno e passou o braço dele por cima dos ombros, puxando-o com dificuldade.

    — Aguenta aí, grandão. Cê é pesado pra caralho, hein!

    No caminho até a casa, passaram por uma rua coberta de cadáveres dilacerados, membros espalhados, entranhas expostas como se algo tivesse passado ali e feito um verdadeiro banquete de sangue. Moscas zumbiam sobre os corpos em decomposição, e um cheiro nauseante impregnava o ar.

    — Pelo visto, um grupo de sobreviventes passou por aqui e teve uma luta feia com esses infectados… Concorda comigo? — perguntou Iris, tentando puxar conversa enquanto o carregava.

    Bruno soltou uma risada fraca, sem humor, os olhos semicerrados.

    — Isso não foi um grupo de sobreviventes…

    Iris franziu a testa, sentindo um arrepio de inquietação.

    — Como assim?

    — Eu tava aqui quando aconteceu. — A voz de Bruno saiu rouca, sombria. — Foi na madrugada de ontem… E fui eu quem matou todos eles.

    O peso daquelas palavras caiu como chumbo entre os dois. Iris olhou para os cadáveres de novo. Olhou para Bruno. E, naquele instante, compreendeu algo.

    Não foram só os infectados que morreram naquela noite.

    Bruno havia se perdido um pouco mais de si mesmo.

    Ela não disse nada. Apenas o colocou no sofá da sala e, rapidamente, começou a trancar e escurecer toda a casa, garantindo que pelo menos, por aquela noite, eles estariam seguros.

    Assim que termina de escurecer e trancar toda a casa, Íris segue para a cozinha. Coloca a mochila sobre a mesa, abre o zíper e puxa um caderno. Na primeira página, um título rabiscado no topo:

    “Tudo o que eu sei sobre Bruno e sua mutação.”

    Ela coloca os fones de ouvido e começa a assistir a alguns vídeos postados na internet—relatos sobre pessoas que estão sofrendo mutações. Enquanto ouve e assiste, pega uma caneta e começa a registrar suas próprias observações.

    Ainda não entendo exatamente o que está acontecendo, mas novos tipos de infectados estão surgindo, assim como mutantes, que vi sendo relatados na internet desde ontem à noite. Pelo que dizem, todos esses infectados mutantes perdem completamente a consciência e se tornam monstros assassinos, massacrando qualquer um que cruze seu caminho.

    Cada um deles tem olhos de cores diferentes. Até agora, cinco foram identificadas nos ataques recentes: amarelo, branco, preto, roxo e azul. Segundo os relatos, cada cor indica características distintas, tanto físicas quanto comportamentais. Todos são extremamente agressivos e, de acordo com um vídeo que acabei de assistir, nenhum deles demonstra qualquer traço de humanidade.

    Bruno parece ser um deles… mas sua mutação é diferente. Seus olhos brilham vermelho.

    Eu acho que ele é único.

    Hoje, vi Bruno ser mordido no ombro durante uma luta. Mas quando olhei de novo, não havia nada. Nenhuma marca, nenhum ferimento. Como se a mordida nunca tivesse existido.

    O que sei até agora é que algum gatilho ativa a mutação no corpo dele, concedendo-lhe força e agilidade sobre-humanas. Quando isso acontece, ele se torna selvagem e sanguinário. O ar ao seu redor fica pesado, sufocante, como se uma pressão invisível estivesse prestes a esmagar tudo à sua volta. E ontem, percebi algo ainda mais estranho…

    Qualquer um que olha diretamente para os olhos vermelhos dele enquanto ele está fora de si parece ser afetado de alguma forma.

    Mas, apesar de tudo, ele ainda é ele. Sua mutação nunca acontece por completo. Ela se manifesta de forma parcial e gradual, conforme ele perde o controle.

    Hoje, vi o que acontece quando ele volta a si. Ou ele desmaia, ou perde completamente as forças, ficando tão fraco que precisa ser carregado. Não sei por quanto tempo ele conseguirá suportar isso. Mas vou continuar tentando entendê-lo, estudando suas mudanças. Afinal, ele é o nosso salvador.

    Se eu conseguir ajudá-lo a controlar essa transformação, ele será, sem dúvida, nossa maior arma contra os infectados.

    Íris se levanta da cadeira e segue até a sala para verificar Bruno. Assim que o vê, seu estômago se revira.

    Sua pele está avermelhada.

    O coração dela dispara. Ela se aproxima, hesitante, e toca sua testa.

    Queimando.

    O calor que emana dele é tão intenso que sua mão chega a formigar.

    — Caralho… — murmura, sentindo o pânico tomar conta.

    A febre dele está alta demais. Se não agir rápido, isso pode matá-lo.

    Ela precisa resfriá-lo. Agora.

    Bruno está desacordado no sofá.

    O desespero toma conta de Íris enquanto ela tenta acordá-lo. Suas mãos sacodem seus ombros com força, mas ele não reage. O calor que emana dele é absurdo—ele parece estar pegando fogo.

    — Bruno! Acorda, caralho! — ela grita, tentando puxá-lo para tirá-lo dali e levá-lo para o chuveiro.

    Ele se mexe levemente e abre os olhos, mas está tão fraco que mal consegue erguer a cabeça.

    — A… água… quero água… — sua voz sai falha, arrastada, quase um sussurro antes de seus olhos revirarem e ele quase apagar de novo.

    Íris corre para a cozinha, abre a geladeira e agarra a primeira coisa que vê: uma garrafa PET de 2 litros cheia de água gelada.

    De volta à sala, ela segura a cabeça dele e tenta fazê-lo beber. Bruno engole com dificuldade, os lábios rachados, o corpo tremendo. Mas então, algo a faz congelar.

    Veias negras começam a surgir no pescoço dele, avançando como raízes sob a pele.

    O pânico toma conta dela. Num impulso, ela afasta a garrafa da boca dele.

    — O que foi…? — Bruno murmura, a voz fraca e confusa.

    Íris não responde. Ela solta a garrafa no chão e, sem hesitar, começa a puxar a camisa dele para cima.

    — Gata, que isso…? — a voz dele sai arrastada, e um sorriso cansado aparece em seu rosto. — Eu tô fraco demais pra trepar agora…

    Íris trava.

    Ela o encara, perplexa, sem entender se ele está delirando ou apenas tentando fazer uma piada no meio do surto febril.

    Ignorando, ela continua puxando a blusa dele até arrancá-la completamente.

    Seu estômago se revira ao ver o que está acontecendo.

    As veias negras estão por todo o peito dele, grossas e pulsantes, se espalhando lentamente pelo corpo como se algo estivesse corrompendo-o de dentro para fora.

    O que quer que esteja acontecendo com Bruno, está piorando.

    E rápido.

    O olhar de Bruno mudou instantaneamente.

    Íris sentiu um arrepio percorrer sua espinha antes mesmo de entender o que estava acontecendo. Num movimento rápido e dominante, ele a agarrou pelo pescoço. Mas, diferente do que esperava, não havia brutalidade no toque. O olhar que ele lançava sobre ela não era ameaçador—era algo pior.

    Era sedutor.

    Hipnotizante.

    Ela se sentia presa, não pela força dele, mas pelo peso daquele olhar. O brilho vermelho nos olhos de Bruno parecia atravessar sua alma, despindo-a de dentro para fora.

    — M-me solta, Bruno… — Íris sussurrou, mas sua voz falhou.

    O canto da boca dele se curvou num sorriso provocador.

    — Meu nome não é Bruno.

    A voz era diferente. O tom, a forma como ele falava… não parecia ele. Algo havia mudado.

    — Que porra é essa? Isso é alguma brincadeira? — Íris tentou afastá-lo, mas seus braços se recusaram a obedecer. O coração martelava dentro do peito, e por mais que seu instinto dissesse para sentir medo, ela não conseguia. Algo nele a prendia de um jeito que ela não sabia explicar.

    Ele mordeu o próprio lábio inferior, e uma fina linha de sangue escorreu pela sua boca. Íris sentiu um calor subir pelo corpo quando ele passou a língua pelo ferimento, deixando visível o vermelho intenso.

    Os olhos dela ficaram arregalados.

    Ela queria desviar o olhar. Mas não conseguia.

    Ele se inclinou lentamente, como um predador que já sabia que sua presa estava rendida. Quando seus lábios tocaram os dela, o gosto metálico se espalhou por sua boca. Íris tentou resistir, tentou empurrá-lo, mas seu corpo não respondia. Seu sangue ferveu em suas veias no instante em que o contato foi selado.

    Foi então que sentiu algo diferente.

    Um calor… não. Uma corrente elétrica atravessando-a de dentro para fora.

    Seus olhos arderam.

    Quando Bruno—ou quem quer que fosse—se afastou, Íris estava sem fôlego. Suas pernas fraquejaram, e seu peito subia e descia descompassado.

    — Agora… você me pertence.

    A voz dele era grave, firme, absoluta.

    Íris piscou algumas vezes, confusa, até perceber que algo estava errado. Seu reflexo no vidro da janela mostrou o que havia mudado.

    Seus olhos.

    Eles estavam vermelhos. Iguais aos dele.

    O pânico subiu pela sua garganta, mas algo dentro dela a impedia de gritar. Um vínculo havia sido criado. Um laço que ela não conseguia compreender, mas que pulsava em cada fibra do seu ser.

    — Q-quem… quem é você? — perguntou, ainda sentindo a sensação quente do beijo na boca.

    Ele passou a mão pelos cabelos, afastando-os do rosto, e sorriu de canto.

    — Eu não tenho nome… mas pode me chamar de Mohammad.

    Íris engoliu em seco quando ele começou a tirar a própria camisa, revelando a pele marcada pelas veias escuras.

    — Agora me dê um banho gelado — ele disse, jogando a blusa de lado e virando de costas. — Ou o outro cara vai esquentar meu corpo até que nós três morramos… ou bebamos sangue para saciar a fome dele.

    Ela sentiu um arrepio gelado ao ouvir aquilo.

    — N-nós três?

    Mohammad soltou um suspiro irritado enquanto desabotoava a calça.

    — Essa é a segunda vez que eu saio. Aquele idiota do Bruno está ficando mais fraco cada vez que perde o controle… e o outro cara assume. — Ele parou por um segundo e virou parcialmente o rosto para ela, o olhar sombrio. — E eu não gosto nem um pouco disso.

    Íris permaneceu imóvel enquanto ele terminava de se despir e entrava no banheiro.

    Sua mente girava, seu corpo ainda sentia a presença dele… e, pior, aquele toque ainda queimava em sua pele.

    Algo dentro dela havia mudado.

    E, sem saber, esse vínculo de sangue apenas tornaria qualquer sentimento por ele ainda mais forte.

    Íris levou a mão aos lábios, como se tentasse apagar o gosto que ainda estava ali. Mas era tarde demais.

    Ela já era dele.

    E, por mais que quisesse, nunca mais poderia se afastar.

    Com o coração acelerado e sem entender o que acabara de acontecer, ela apenas o seguiu.

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