Mais cedo naquele dia, no trevo do Paulo VI, João Paulo e Alonso uniram seus dois grupos em busca de ferramentas, além de procurar por novos sobreviventes no caminho para a nova base feita na escola.

    João Paulo, enquanto atravessava a BR, comentou com Alonso:

    — Aê Alonso, eu tava aqui pensando, cara. Se o Bruno tivesse aqui, ele seria o primeiro a querer sair pra fazer isso que vamos fazer, não acha?

    Alonso ergueu a cabeça, olhando para ele, e respondeu:

    — De rocha, mas eu acho que talvez a gente tivesse até um pouco mais adiantados, até mesmo porque nós ficamos um bom tempo parados sem fazer nada…

    Anael, que ouvia a conversa, interveio:

    — Eu duvido muito que ele sairia atrás de possíveis sobreviventes e eu tenho certeza de que ele ia tá mais preocupado em saber onde é mais perigoso pra nóis andar, Zé.

    Samira, mais atenta ao redor, comentou:

    — Acho que vocês deviam ficar mais atentos à nossa volta, deem uma olhada ali na frente.

    João Paulo, percebendo o tom da conversa e o ambiente, alertou a todos:

    — Todo mundo pegando as facas nas mochilas, pelo visto estamos entrando em uma área perigosa.

    Alonso assumiu a liderança da situação e disse:

    — Quero todos montando a formação em flecha como ensaiamos antes de sair.

    Os seis sobreviventes que estavam com João e Alonso rapidamente se posicionaram, formando o desenho de uma flecha enquanto caminhavam para dentro da Santa Matilde…

    Conforme o grupo avançava em direção à praça Santa Matilde, o som dos passos apressados ecoava na rua silenciosa. De repente, um grupo de infectados apareceu à frente, avançando com fome e instinto. João Paulo, já com experiência em combates anteriores, assumiu a liderança sem hesitar. Com voz firme, ordenou:

    — Formem linha, mantenham a calma e sigam a formação!

    Os sobreviventes tentaram manter a compostura, mas à medida que os infectados se aproximavam, o pânico começou a se espalhar, especialmente entre as meninas. Samira, visivelmente nervosa, foi a primeira a quebrar a formação, correndo na direção oposta. Gislaine, tomada pelo medo, a seguiu. O caos se instalou, e Anael, sem pensar, foi atrás delas, deixando a linha totalmente desfeita.

    — Merda! — João Paulo gritou, observando a formação se desintegrando. Ele tentou se manter calmo, mas a situação estava ficando crítica.

    O grupo estava completamente exposto, e os infectados se aproximavam cada vez mais rápido. A respiração pesada de João Paulo se misturava ao som dos passos apressados enquanto ele buscava uma saída. O portão da Farid estava ali à frente, mas a reação das meninas ao verem o portão se abrir repentinamente foi de puro pânico.

    Elas se afastaram ainda mais, mas então, uma jovem de pele clara, cabelos castanhos e olhos claros apareceu à porta, fazendo um gesto urgente para que entrassem.

    — Vem, rápido! — ela gritou.

    João Paulo viu a oportunidade de salvar sua equipe e reagiu rapidamente. Ele olhou para Alonso e Arthur, e com um olhar determinado, disse:

    — Levem elas para dentro do galpão, agora! Eu e Alonso seguramos aqui.

    Sem perder tempo, João Paulo correu na direção dos infectados, brandindo sua faca com destreza. Alonso seguiu logo atrás, mantendo uma expressão de foco total. Arthur, ainda em choque pela situação, hesitou um instante antes de correr, mas logo se recompôs, e a luta começou.

    O primeiro infectado avançou, seus olhos vazios fixados na presa. João Paulo foi o primeiro a agir, avançando com um golpe preciso de facão, cortando a garganta do monstro antes que ele tivesse chance de atacar. O sangue jorrou para todos os lados, mas João não teve tempo de celebrar a vitória; outros dois infectados estavam logo atrás.

    — Cuidado! — Alonso gritou, vendo um infectado agarrar o braço de Arthur. O infectado estava quase mordendo a carne do braço dele, mas Alonso foi rápido. Em um movimento ágil, puxou o infectado pelo cabelo e, com uma força brutal, enfiou o facão em seu peito, arrancando-o de Arthur.

    Mas o caos não terminou. Outro infectado se jogou sobre Arthur, suas mãos garras tentando alcançar o pescoço dele. João Paulo viu a ameaça em um piscar de olhos e avançou com uma lâmina afiada, cortando a cabeça do monstro de forma cirúrgica antes que ele tivesse chance de causar mais dano. O corpo sem vida do infectado desabou no chão com um estrondo seco.

    Enquanto isso, Alonso continuava combatendo, sua faca menor cortando e fincando-se nas gargantas e estômagos dos infectados. A luta era caótica, violenta, mas a cada segundo que passava, eles avançavam para o portão.

    Finalmente, quando os infectados caíram um por um, derrotados pela habilidade e velocidade do grupo, João Paulo fez um gesto rápido para Alonso.

    — Vamos! — gritou ele.

    Com os dois lados limpos e sem mais ameaças à vista, Alonso, Arthur e João Paulo correram para o portão de Farid, onde as meninas estavam esperando, já a salvo dentro do galpão.

    Ao entrarem no galpão, João Paulo e seu grupo foram recebidos por um ambiente escuro e úmido, iluminado apenas por algumas velas espalhadas em cantos estratégicos. O cheiro de madeira velha misturava-se ao odor de comida enlatada e suor acumulado. No centro do espaço, um grupo de oito pessoas observava os recém-chegados com olhares cautelosos.

    Um rapaz de estatura média se adiantou, estudando João Paulo com um misto de curiosidade e reconhecimento antes de se apresentar.

    — Lucas Costa.

    João Paulo franziu a testa, tentando puxar da memória aquele nome, mas foi Samira quem reagiu primeiro, arregalando os olhos em surpresa.

    — Lucas?! Caramba! Você é o mesmo Lucas da igreja?!

    O rapaz esboçou um sorriso de canto.

    — Pois é… fazia tempo que não nos víamos, né?

    João Paulo então se lembrou. Lucas Costa era um velho amigo de infância de Bruno, da época em que ele frequentava a igreja evangélica. O contraste entre a lembrança de um Bruno mais pacífico e o que ele havia se tornado nos últimos tempos fez João sentir um estranho aperto no peito.

    Enquanto isso, Samira cruzou os braços, ansiosa, e perguntou:

    — E suas primas? Sahra e Raissa? Elas também estão aqui?

    Lucas suspirou e passou a mão pelos cabelos, um gesto que evidenciava seu cansaço.

    — Raissa tá deitada no escritório. Não tá se sentindo muito bem. Já a Sahra saiu com o namorado pra buscar mantimentos.

    O semblante de Samira murchou um pouco, desapontada.

    — Ah… entendi. Bom, de qualquer forma, vou lá ver como a Raissa tá.

    Enquanto Samira se afastava, Lucas voltou sua atenção para o restante do grupo.

    — E vocês? Quem é o líder?

    João Paulo abriu a boca para responder, mas Alonso foi mais rápido, cruzando os braços e se adiantando.

    — A gente divide a liderança. Eu e o Jão organizamos as coisas, mas temos núcleos pra delegar funções e manter tudo mais eficiente.

    Lucas assentiu, parecendo ponderar sobre aquilo.

    — Hm… faz sentido. Mas o grupo de vocês tem um nome?

    João Paulo trocou um olhar rápido com Alonso antes de responder.

    — Temos, sim. Somos a COHAB, já que a maioria do grupo e a nossa base ficam no final dessa parte do Paulo VI… Não é o nome mais criativo do mundo, mas funciona pra gente.

    Uma voz feminina suave e carregada de devoção se fez ouvir do fundo do galpão.

    — Nós somos “A Mão de Deus”.

    A dona da voz era uma jovem de aparência delicada e expressão serena. Seu olhar transparecia uma fé inabalável, o que contrastava com a dura realidade ao redor.

    — Nome forte… — Alonso coçou o queixo. — Mas como vocês estão se virando aqui? O lugar de vocês tá praticamente cercado por infectados.

    A garota, que agora eles sabiam se chamar Rafaela, puxou uma cadeira, sentou-se com a postura tranquila e abriu um sorriso gentil.

    — Deus proverá… Além disso, eles também servem de proteção.

    Alonso franziu o cenho, confuso.

    — Como assim?

    Rafaela entrelaçou os dedos e explicou com calma:

    — Os infectados entram num estado quase vegetativo à noite.

    O comentário fez Alonso se inclinar para frente, intrigado.

    — Tá de brincadeira? Tá me dizendo que é seguro andar de noite?

    Ela assentiu, satisfeita.

    — Sim. Eles só reagem se forem tocados ou se você jogar luz nos olhos deles. Ninguém tentou entender como eles funcionam? Quais são seus pontos fracos?

    O silêncio tomou conta do galpão. João Paulo, com um olhar distante e pesado, respirou fundo antes de responder, sua voz carregada de melancolia.

    — No nosso grupo… só consigo pensar em uma única pessoa que faria esse tipo de coisa…

    Lucas olhou para João Paulo, estreitando os olhos, como se tentasse decifrar o que ele quis dizer.

    — Você tá falando do Bruno?

    João abaixou a cabeça por um instante, cerrando os punhos. Seu olhar era carregado de raiva e frustração quando finalmente respondeu:

    — Sim. Ele mesmo. E, aliás, já quero deixar um aviso pra vocês…

    Lucas cruzou os braços, intrigado.

    — Que aviso?

    João Paulo ergueu a cabeça e o encarou com seriedade.

    — Fujam. Fujam como se suas vidas dependessem disso.

    O tom sombrio da resposta fez Lucas arregalar os olhos, pego completamente de surpresa.

    — Mas… por quê? Ele virou um dos infectados?

    O rapaz parecia apreensivo, como se já estivesse se preparando para ouvir uma confirmação horrível.

    João Paulo soltou uma risada seca, sem humor.

    — Antes fosse…

    Lucas ficou ainda mais confuso, mas João continuou antes que ele perguntasse de novo:

    — Olha, eu não sei se você sabe, mas tem algo muito pior do que os infectados surgindo lá fora. Pessoas que sofrem mutações depois de entrarem em contato com sangue de infectados. Eu não sei o motivo, nem como isso acontece, mas… uma coisa eu sei: Bruno, agora, deve ser o mais perigoso de todos eles.

    O silêncio se espalhou pelo galpão, e um arrepio percorreu a espinha de João Paulo enquanto flashes do confronto no mercado invadiam sua mente. O olhar maníaco de Bruno, os movimentos absurdamente rápidos, a forma como ele rasgava qualquer um que entrasse no seu caminho… era como se o vírus tivesse dado a ele um propósito: caçar e matar.

    Anael, percebendo o peso da conversa e tentando aliviar o clima, se virou para Rafaela e perguntou:

    — E vocês? O que planejam fazer por aqui? Imagino que não tenham intenção de sair tão cedo, já que esse lugar parece bem protegido.

    Rafaela se animou um pouco e respondeu com entusiasmo:

    — Ah, a ideia é aumentar nosso grupo e expandir nosso território. Além disso, estamos estudando esses… “seres” lá fora. Tentando entender melhor como funcionam.

    Lucas, que ainda olhava para o portão de entrada, franziu a testa ao ouvir um som abafado de batidas.

    — Seja como for… Deus proverá…

    A frase saiu em um tom quase automático, mas carregado de incerteza.

    Rafaela então se virou para João Paulo e declarou com um sorriso tranquilo:

    — Bom, agora que vocês fizeram toda aquela bagunça lá fora, vão ter que ficar aqui até anoitecer. Esse é o único horário em que eu tenho certeza de que eles não vão atacar vocês.

    O grupo se entreolhou. Nenhum deles gostava da ideia de ficar ali, presos. Mas, no fundo, sabiam que não tinham escolha.

    Arthur pegou o celular do bolso, olhou a tela por alguns segundos e franziu o cenho, como se esperasse encontrar algo diferente. Com um suspiro, guardou o aparelho de volta e comentou, balançando a cabeça:

    — É, mano… ela tem razão. Aliás, Rafa… eu tava reparando, ocê fala bem certinho, hein.

    Rafaela sorriu de leve, inclinando a cabeça com um ar modesto. Com calma, abriu a bolsa e tirou de lá uma Bíblia, segurando-a com delicadeza, como se fosse o objeto mais precioso do mundo.

    — O lance é que eu leio muito a Bíblia, sabe?

    Ela estendeu o livro para Arthur, que pegou meio sem jeito, como se segurasse algo quente demais. Ele virou a capa, folheou rapidamente algumas páginas e soltou um riso curto antes de empurrar o livro para João Paulo.

    — Frago… Mas, sinceramente, eu não tô mal o suficiente pra ter que ler isso. Tá na mão, João, ocê tá precisando mais do que eu.

    João pegou o livro sem pressa, seus dedos deslizando sobre a capa gasta. Ele ficou em silêncio por um momento, encarando a Bíblia como se estivesse diante de um velho fantasma. Seus lábios se moveram quase sem som quando murmurou para si mesmo:

    — Faz muito tempo que eu não leio… Zé buceta.

    Alonso, sentado numa cadeira de ferro enferrujada, inclinou-se para frente com um sorriso malandro e cutucou João com o cotovelo.

    — E aí, João, faz uma oração aí pra nóis. Afinal, ocê não era líder de célula lá da Quadrangular do bairro?

    João Paulo ergueu os olhos devagar, seu rosto se fechando como uma tempestade prestes a estourar. Seu olhar pesado encontrou o de Alonso, carregado de uma amargura antiga.

    — Infantil, Zé… e eu detestava aquela porra.

    O tom seco fez o sorriso de Alonso murchar um pouco, mas antes que a conversa azedasse de vez, Rafaela interveio, batendo palmas baixinho para chamar a atenção. Seu rosto exibia uma serenidade quase inabalável.

    — Ótima ideia! Por que não oramos pelos que morreram até agora?

    Anael bufou, cruzando os braços e inclinando o corpo para trás, recostando-se contra a parede de concreto com uma expressão de puro deboche.

    — Cê só pode tá zuando, né?

    Rafaela nem piscou. Mantendo o mesmo sorriso gentil, ela simplesmente pegou nas mãos de Anael e apertou de leve, como se aquilo fosse suficiente para dissipar toda a descrença dele.

    — Claro que não! Vem, vai ser legal.

    O silêncio que se seguiu foi denso. Anael olhou para as próprias mãos, depois para Rafaela, e finalmente para os outros. Seu rosto mostrava claramente que preferia estar enfiado no meio dos infectados do que ali, naquela cena esquisita.

    Rafaela se virou para reunir todos para a oração, seu vestido justo moldando o corpo esbelto com perfeição. O movimento rápido fez seu quadril balançar de maneira hipnotizante, e foi nesse instante que Anael sentiu sua atenção sendo sugada para um único ponto: a bunda empinada e bem definida dela.

    Ele piscou algumas vezes, engolindo em seco. Aquilo era quase uma revelação divina para ele. Até aquele momento, sua vida girava em torno de Free Fire, armas virtuais e combates frenéticos no celular. Mas, de repente, um novo tipo de adrenalina percorreu seu corpo, uma descoberta carnal e avassaladora.

    Seu pau endureceu na mesma hora.

    Rapidamente, ele enfiou a mão no bolso da calça para disfarçar e desviou o olhar, murmurando para si mesmo em pensamento:

    — Meu Deus, que bunda gostosa…

    Respirou fundo, tentando afastar a ideia, e seguiu o grupo. Todos se juntaram para a oração. Rafaela liderava, fechando os olhos com devoção, enquanto alguns murmuravam palavras baixas e outros apenas mantinham a cabeça baixa, respeitando o momento. Anael, ainda um pouco desconcentrado, apenas ficou ali, sem saber muito bem o que fazer.

    Após a oração, Ingrid, Lucas, Raissa e Samira se reuniram para discutir a gravação do áudio que usariam para atrair sobreviventes sem abrigo. A ideia era simples, mas eficiente: rodar pela cidade em um carro com uma caixa de som, chamando aqueles que precisavam de um lugar seguro.

    O dia passou lentamente, cada um ocupado com suas funções e pequenas conversas. Mas quando o sol finalmente se pôs, um silêncio pesado tomou conta do ambiente.

    Lá fora, os infectados cessaram seus movimentos. Como se desligados de repente, estavam parados, alguns com os olhos fechados, outros com os olhos abertos e vazios. Mas o detalhe mais grotesco era a baba densa e avermelhada que escorria de suas bocas, pingando no chão em fios pegajosos.

    Raziel, que observava a cena pela janela, franziu o cenho e chamou a atenção dos outros:

    — Gente… vocês sabem o que é essa gosma nojenta saindo da boca deles?

    Houve um breve silêncio. Ingrid, que havia passado mais tempo lidando com infectados nas ruas, cruzou os braços e encarou os cadáveres vivos por alguns segundos. Depois, respirou fundo e deu sua teoria:

    — Então… baseado no que vi sobre como eles transmitem o vírus, acho que isso funciona como o veneno de uma cobra. Basicamente, acredito que essa gosma seja o principal meio de infecção deles.

    Anael, que terminava de colocar uma garrafa d’água dentro da mochila, jogou a mochila nas costas e bateu as mãos, encerrando o assunto:

    — De rocha, até que faz sentido… Mas agora, sem braba mesmo, acho melhor a gente não ficar parado teorizando.

    Ele olhou para os infectados imóveis e franziu a testa, sentindo um arrepio subir pela espinha.

    — Bora sair fora!

    Sem mais hesitações, todos pegaram seus pertences e começaram a se mover com cautela, caminhando para a saída sob a vigília silenciosa das criaturas adormecidas.

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