Voltando para o Paulo VI, João e os outros se depararam com um mar de infectados bloqueando as ruas. A visão era aterradora: corpos trôpegos, balançando suavemente na penumbra, como se estivessem presos em um transe macabro, movendo-se lentamente, quase como se não houvesse mais controle sobre eles. A rua estava tomada por aquele exército de carne podre, e o ar estava pesado, impregnado com o cheiro fétido de sangue e podridão.

    Alonso, tentando manter a calma do grupo, falou, sua voz tensa:

    — Pessoal, não tem como dar a volta. Vamos com calma, sem tocar neles, e vai ficar tudo bem.

    Mas, no fundo, ninguém acreditava muito nisso. O medo estava estampado em seus rostos. Cada passo dado, mesmo o mais silencioso, parecia amplificado na sua mente. O suspense era quase insuportável. Cada um dos membros do grupo sentia o peso da situação em seus ossos.

    Avançaram, cautelosos, tentando não se destacar, mas a cada movimento o caminho se estreitava ainda mais. O espaço entre os infectados estava desaparecendo. Anael sentia uma pressão crescente no peito, um frio cortante que lhe invadia a espinha. Suor escorria de sua testa, misturado com o pânico que corria em suas veias. As pernas pareciam de chumbo, e o estômago, uma mistura de nó e vazio, ameaçava se revirar a qualquer instante.

    Samira, a respiração ofegante, quase não conseguia segurar o medo. Sentia-se como se estivesse sendo engolida, como se o chão fosse desaparecer sob seus pés a qualquer momento. O ar estava carregado de poeira e o medo de que um movimento errado fosse o fim.

    Foi quando uma rajada de vento seco cortou o ar e levantou uma nuvem de poeira que se espalhou pelo grupo. Raziel, tentando controlar a respiração, não conseguiu evitar. Ele inalou demais e, de repente, sua tosse ecoou no silêncio absoluto. Foi como um disparo de pistola. A tosse era uma sentença de morte.

    O pânico tomou conta. Todos congelaram, os olhos se arregalaram. Mas o pior estava por vir: Raziel, tentando se recompor, perdeu o equilíbrio e esbarrou em um dos infectados. A criatura, com movimentos rápidos e brutais, virou a cabeça em direção ao som. Seus olhos vazios se fixaram em Raziel.

    Em um movimento brutal e animalesco, a boca do infectado se abriu, revelando dentes afiados como facas. Num piscar de olhos, ele cravou as mandíbulas no pescoço de Raziel, arrancando a carne com uma força insana. O sangue jorrou como uma fonte, espirrando em todas as direções, tingindo o ar com um vermelho grotesco. Raziel gritou, um som estrangulado, que logo foi abafado pela sua própria carne sendo dilacerada. Outros infectados, atraídos pelo cheiro de sangue, se lançaram sobre ele, como um bando de animais famintos.

    Anael, ao ver seu irmão sendo consumido na frente de seus olhos, não conseguiu mais controlar a raiva. O ódio se misturou ao desespero e, num grito, ele avançou, pronto para arrancar a cabeça de qualquer um daqueles monstros. Mas, antes que pudesse fazer qualquer movimento, Arthur o agarrou com força, impedindo-o de se jogar no meio do massacre.

    — NÃO! — gritou Arthur, a voz feroz e cheia de pânico. Ele puxou Anael para trás com uma força desesperada, como se fosse a única coisa que poderia mantê-lo vivo.

    O caos se instaurou imediatamente. O grupo se dividiu, pessoas correndo para todas as direções, atropelando uns aos outros, em pânico absoluto. Os infectados, ainda cegos e famintos, começaram a atacar por reflexo, mas, por um momento, o terror foi maior que a racionalidade.

    Anael, Arthur e Samira, desesperados, perceberam algo crucial: os infectados eram cegos à noite. Eles não caçavam, apenas atacavam quando algo os tocava. Era a brecha que precisavam.

    — Vamos, agora! — gritou Arthur, impulsionando seus primos em direção ao supermercado mais próximo. O desespero os impulsionava, a adrenalina corria em suas veias, e o medo ainda os apertava, mas eles precisavam correr, e rápido.

    Enquanto isso, João observou Gislaine correr para um beco escuro. Ele não pensou duas vezes. A visão de ela indo para o perigo, sem nem olhar para trás, ativou seu instinto de sobrevivência. A lógica se foi. A única coisa que importava agora era salvar quem ainda pudesse ser salvo.

    João, respirando pesadamente, agarrou uma pedra que estava no chão e se preparou. Ele sabia o que precisava fazer. Matar um infectado não era diferente de matar uma pessoa comum, exceto que eles não sentiam dor. Eles continuariam até o fim, atacando, tentando destruir tudo. E, até que fossem detidos, ele também teria que continuar.

    João olhou para Gislaine uma última vez, com o rosto tenso de quem sabia que o fim estava por vir, mas sem outra escolha.

    — Fica atrás de mim — ele ordenou, sua voz dura e carregada de uma necessidade urgente.

    E com isso, ele foi em frente, calculando cada movimento, pronto para enfrentar o que fosse necessário para mantê-la viva.

    Naquele momento, João Paulo se lembrou de algo que Bruno havia dito certa vez, quando os dois saíram da escola para salvar suas irmãs:

    “Aê, viado, tava aqui pensando…
    Parça, lutar contra esses infectados me fez perceber uma coisa: não é como nos filmes. O lance é que, pra morrer, basta estar vivo. Eles não tão mortos. Têm os mesmos pontos fracos que a gente. A diferença é que não sentem dor e nem param de atacar…”

    A lembrança fez João cerrar os punhos. Seus olhos varreram o chão ao redor, até que encontrou um monte de brita acumulado no canto da calçada. Entre as pedras menores, haviam algumas grandes o suficiente para causar estrago.

    Ele pegou uma delas, sentiu o peso na mão, mirou e atirou contra um infectado que estava parado na entrada do beco. A pedra atingiu o crânio da criatura com um estalo seco. João Paulo observou, coração acelerado. O infectado cambaleou por um segundo e então caiu no chão, imóvel.

    — Então era isso… Eles são completamente cegos a essa hora… Agora é a hora de testar essa sua teoria, Bruno. — murmurou para si mesmo.

    Com a adrenalina pulsando nas veias, João pegou outra pedra. Respirou fundo e atirou em outro infectado. Acertou de novo. Mais um corpo tombou no asfalto.

    Mas a cada pedra lançada, a sensação de peso aumentava. Suas mãos tremiam. Seus braços ficavam mais rígidos. Não era só cansaço… Era a consciência de que estava derrubando pessoas. Talvez não fossem mais humanas, mas a aparência ainda era a mesma. Seus olhos, mesmo mortos e vazios, pareciam fixá-lo em julgamento antes de cair.

    A última pedra escapou de seus dedos com dificuldade. O corpo de João estava trêmulo, sua visão embaçada. O peito subia e descia como se seu coração estivesse prestes a saltar pela boca.

    Foi quando sentiu um toque suave.

    Gislaine saiu do esconderijo e foi até ele. Assim que ela chegou perto, João se virou… e não aguentou mais. Caiu de joelhos e começou a vomitar.

    Lágrimas quentes escorriam pelo seu rosto, misturando-se com o suor frio.

    Gislaine se abaixou e, sem hesitar, o abraçou apertado.

    — Obrigada, Jão… Muito obrigada mesmo… — sussurrou contra seu ombro.

    João Paulo respirou fundo, tentando recuperar o fôlego. Sem olhar para ela, murmurou, com a voz rouca:

    — Segura minha mão… e não solta. Eu vou tirar a gente daqui. Fica quieta. Anda agachada. Não quero que fale nem se distraia.

    Ela assentiu e, mesmo tremendo, apertou a mão dele com força.

    Olhou de relance para os infectados ao redor, ainda imóveis no escuro, e sussurrou:

    — Eles se espalharam… Deve ser mais fácil passar agora.

    Sem mais palavras, os dois seguiram em silêncio, desviando dos corpos espalhados pelo chão. O medo ainda pairava sobre eles como uma sombra invisível, mas a necessidade de sobreviver os movia.

    Pouco depois, exaustos e ofegantes, João Paulo e Gislaine finalmente alcançaram o mercado. Assim que entraram, seus corpos cederam. Anael, Arthur e Samira estavam lá dentro, igualmente desgastados.

    Por um momento, ninguém disse nada. Só respiravam, tentando acreditar que ainda estavam vivos. Mas a noite estava só começando.

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