Capítulo 3 – Onde o perigo habita
A rua estava deserta à frente, mas o clima de incerteza pairava no ar. O som do vento soprando, cortando o silêncio, quase como uma advertência de que a calma era apenas temporária. Bruno respirou fundo, sem demonstrar um pingo de fraqueza, como se aquele momento fosse apenas mais uma prova de resistência. Ele estava mais calmo, como se já esperasse o pior. Na sua mente, não havia mais espaço para hesitar.
Bruno percebeu a intenção de Camille claramente. Sentiu como se ela estivesse tentando jogá-lo para baixo, testando seus limites. Ele sabia que, se permitisse que isso o afetasse, perderia o controle da situação. Com um sorriso arrogante estampado no rosto, ele se aproximou dela, o olhar fixo e confiante.
— Tá tranquilo, eu sei me virar… — disse ele, com um tom irônico, antes de completar, quase como se estivesse provocando deliberadamente. — Hum, lhe falta ódio otária. — Ele riu baixinho, como se estivesse se divertindo à custa dela.
Larissa, já exausta do comportamento sempre presunçoso de Bruno, não conseguiu se conter. Com um olhar de puro desgosto, ela o encarou e soltou, sem hesitar:
— Você é ridículo, sabia disso?
As palavras cortaram o ar, mas Bruno não parecia abalado. Na verdade, ele parecia quase esperar por isso. Seu sorriso se alargou enquanto ele respondia, com uma mistura de ironia e desprezo:
— É claro, essa é a grande graça do meu ser… — Ele fez uma pausa, deixando a frase no ar, antes de completar, com o mesmo tom sarcástico: — Mas, diferente de vocês, eu sou humilde o suficiente pra agradecer àqueles que me ajudam…
Larissa sentiu o sangue ferver. Ela sabia que ele estava certo, mas admitir isso estava completamente fora de questão. Para ela, agradecer a Bruno não era uma opção — ainda mais com a atitude insuportável que ele demonstrava. Decidida a manter sua postura, ela cruzou os braços e respondeu com uma falsa tranquilidade:
— É mesmo? Então por que se dispôs a me ajudar? Eu sempre pensei que não gostasse de mim.
Bruno percebeu a armadilha dela imediatamente. Ele sabia que aquilo era apenas um jogo para evitar o agradecimento, mas não se importava. Ele não tinha nada a provar para ninguém. E, para ele, era a oportunidade perfeita para virar a mesa e fazer uma provocação. Com um brilho de malícia nos olhos e um sorriso carregado de ironia, ele soltou:
— Bom, eu nunca disse isso… — Ele deu uma leve risada, aproximando o rosto dela para garantir que suas palavras tivessem o impacto desejado. — Mas fica tranquila, mais tarde seu cu não será perdoado. Minha preferência é um petegoéba rosinha. — Ele riu alto, satisfeito com a referência que sabia que poucos ali entenderiam. Larissa, por outro lado, ficou em silêncio, claramente irritada. A tensão no ar ficou palpável, mas Bruno parecia completamente à vontade. Para ele, aquilo era um jogo, e ele estava vencendo.
Tomada pela raiva, tentou dar um tapa na cara de Bruno. Ele, com reflexos rápidos, segurou suas mãos com firmeza, apertando com força suficiente para fazê-la parar. Seus olhos encontraram os dela, frios e carregados de um aviso silencioso: ele não hesitaria em reagir. Larissa sentiu o peso daquele olhar. Sem escolha, afastou os braços com um movimento brusco, virou o rosto e sussurrou, cheia de rancor:
— Vai tomar no cu, Mohammad.
João Paulo observou a cena e se incomodou imediatamente. Esse tipo de comportamento agressivo de Bruno era algo que ele não podia ignorar. Como de costume, agiu como a consciência que Bruno muitas vezes parecia ignorar. Sem pensar duas vezes, deu um tapa na cabeça dele e o repreendeu:
— Cara, que porra é essa? Pra que falar desse jeito com as meninas?
Bruno ergueu a cabeça, esfregando a parte onde havia levado o tapa. Ele lançou um olhar desafiador para João, mas sua expressão carregava algo mais — uma mistura de resignação e cinismo.
— Jão, experimente a cereja do bolo… — Ele falou com ironia, antes de soltar um suspiro pesado. — Cara, é o fim do mundo. Prefiro ser sarcástico e rir de tudo do que ficar me afogando nas atrocidades e escolhas de merda que a gente vai ter que enfrentar daqui pra frente.
Ele então apontou para Larissa e Camille, seu olhar endurecido e um sorriso sinistro surgindo no canto da boca.
— E, aliás, essas duas? São feministas, militantes que sempre acharam que as ideias delas tinham que ser empurradas goela abaixo de todo mundo. — Ele fez uma pausa, sua voz se tornando mais sombria. — Não esqueci das vezes que elas tentaram me humilhar publicamente porque eu era contra essas palhaçadas que elas defendiam. Ou das vezes que me fizeram parecer o babaca da história.
Bruno deu de ombros, sua expressão indiferente deixando claro que, para ele, ajudar as duas havia sido uma decisão puramente egoísta.
— Só pra deixar bem claro: ajudar vocês não foi por bondade ou altruísmo. Foi porque eu quis. Um capricho meu, só isso.
Camille, irritada com o cinismo de Bruno, não conseguiu ficar calada. Ela deu um passo à frente, o encarando com firmeza, sua voz carregada de incredulidade.
— Isso não faz o menor sentido! Se detesta tanto a gente, por que diabos se dispôs a nos ajudar?
Bruno respirou fundo, como se estivesse se preparando para uma explicação que, para ele, parecia óbvia demais. Ele a encarou, seus olhos transbordando indiferença. Sua voz, no entanto, veio carregada de rancor.
— Bom, Camille, você foi uma das minhas melhores amigas na infância. Por isso ainda tenho um restinho de respeito por você. — Ele então desviou o olhar para Larissa, seu sorriso arrogante voltando enquanto ele a provocava deliberadamente. — Já você, Larissa, é diferente. Eu simplesmente adoro a ideia de ter uma feminista de rostinho bonito pra perturbar. Dá um gostinho especial fazer piadas como: “Aê, mulher, quero minha carne mal passada e minhas roupas separadas por cores.”
Camille cruzou os braços, claramente irritada, enquanto Larissa estreitou os olhos, balançando a cabeça em frustração. Bruno, no entanto, parecia completamente alheio ao impacto de suas palavras. Larissa cruzou os braços, bufando, mas com uma expressão de quem finalmente achara o motivo para a atitude de Bruno. Ela respirou fundo antes de soltar:
— Cara, você é retardado por acaso? É tão difícil assim admitir que me ama? Eu já saquei faz tempo… Só que, olha, vou te poupar do esforço: você é feio pra caralho e ainda por cima um machista escroto. Zero chance contigo.
Bruno parou por um instante, absorvendo as palavras, e depois começou a rir alto, um riso cheio de deboche e desdém. Seus olhos brilharam de uma malícia fria enquanto ele balançava a cabeça lentamente.
— Oh, mas que coisinha bonitinha, hein? — Ele disse, com a voz carregada de sarcasmo. — Dá até vontade de fazer um carinho… mas sabe o que é engraçado? — Ele virou-se para João Paulo, fingindo ignorar Larissa. — Olha como certos insetos acreditam ter um ar de importância, essa praga vai morrer assim que sair de perto de mim.
Larissa estreitou os olhos, mas decidiu não responder. Já Camille suspirou, claramente cansada daquela troca incessante de provocações. João Paulo, percebendo que a conversa não ia a lugar algum, deu um tapa leve no ombro de Bruno para ele deixar de ser grosso e ignorante com as meninas.
— Oh, viado, vamos logo. Já perdemos tempo demais com essa palhaçada.
Bruno, ainda com um sorriso cínico, olhou para as meninas uma última vez. Ele sabia que, cedo ou tarde, elas poderiam acabar precisando dele. Decidiu, então, deixar uma porta aberta, mas sem demonstrar nada além de arrogância.
— Beleza, Jão, bora. — Ele virou-se para Larissa e Camille, falando em um tom que misturava condescendência e indiferença. — Olha, se as coisas apertarem pra vocês, o ponto de encontro é o mercado. Dá pra se virar bem lá. Saionará, garotas.
Sem esperar resposta, Bruno e João começaram a correr, seguindo pelas ruas em direção à outra escola, que ficava a algumas quadras de distância. Enquanto as meninas caminhavam em direção às suas casas, João Paulo quebrou o silêncio, olhando de lado para Bruno.
— Aliás, o termo certo é femismo, tá ligado? Não feminismo.
Bruno parou de repente, franzindo a testa, confuso.
— É o quê?
João Paulo revirou os olhos, com um suspiro pesado, e explicou com um tom de deboche.
— Quando uma mulher acha que é superior aos homens, o termo é femismo. Feminismo é outra coisa, sua mula.
Bruno balançou a cabeça, bufando em irritação, antes de voltar a caminhar.
— Tô pouco me fodendo pro termo certo, Jão. Bora logo.
João deu uma risada curta com uma certa indignação e o seguiu, enquanto as ruas desertas à frente pareciam tão silenciosas quanto perigosas.
Enquanto caminhavam pelas ruas desertas, Larissa e Camille mantinham os passos leves, atentas a qualquer som ou movimento. O silêncio ao redor parecia amplificar os pensamentos de Larissa, que não conseguiu conter a revolta. Com o rosto ainda tenso e as mãos fechadas em punhos, ela desabafou, tentando se acalmar ao dividir sua frustração:
— Camille, eu não suporto aquela praga do Mohammad. — Sua voz carregava uma mistura de raiva e medo. — Aquele moleque escroto, machista, psicopata do caralho… Minha vontade era enfiar a mão na cara dele! Mas, porra, aquele desgraçado me dá medo. Só de lembrar dele matando a diretora e a professora como se fosse nada… Dá um arrepio só de pensar.
Camille, que caminhava ao lado dela com a testa franzida, parecia absorver cada palavra. O choque misturado à incredulidade se refletia em sua expressão. Bruno, o amigo de infância que um dia ela conhecera, era agora um estranho. Ela suspirou, balançando a cabeça, e respondeu:
— Eu saí da sala logo depois do Jão, então não vi o que aconteceu. — A voz dela tinha um tom de dúvida e tristeza. — Não tô acreditando que ele as matou a sangue-frio… É bizarro. Lembro quando ele era mais novo… Ele não suportava ver ninguém triste. De verdade, ele era uma criança simpática pra caramba, sempre tentando animar todo mundo. Não é possível que tenha ficado tão ruim assim.
Camille olhou para Larissa, tentando encontrar alguma explicação que fizesse sentido. Talvez fosse o caos que estava transformando todos ao redor, mas Bruno parecia ir além do que ela podia entender. No fundo, ela queria acreditar que o menino de antes ainda estava ali, enterrado em algum lugar dentro dele, mas cada ação recente dele tornava isso mais difícil.
Larissa avistou o portão de sua casa ao virar a esquina. O coração acelerou em alívio, e sem pensar muito, ela interrompeu Camille, apontando para a direção:
— É ali! Minha casa é logo ali na esquina, vamos!
Ansiosa, ela começou a correr em direção ao portão, mas Camille a segurou pelo braço com firmeza, puxando-a de volta. O toque inesperado fez Larissa parar no meio do passo e encará-la, confusa.
— Espera aí, Larissa… — Camille sussurrou, os olhos varrendo os arredores com inquietação. — Tem algo errado aqui.
Larissa piscou, surpresa, e olhou para os lados, sem entender.
— O que foi? Alguma coisa errada? — perguntou, a pressa evidente em sua voz.
Camille não respondeu imediatamente. Seu olhar permanecia atento, como se tentasse encontrar o ponto exato que incomodava sua intuição. O silêncio das ruas era sufocante, especialmente após o caos ensurdecedor na escola. Ela finalmente respondeu, desconfiada:
— Na escola, estava um pandemônio… Gente gritando, correndo, infectados pra todo lado. Então por que as ruas aqui estão tão… vazias? Não faz sentido.
Larissa deu uma rápida olhada ao redor, os olhos passando pelas casas alinhadas e pelas calçadas desertas. As janelas estavam fechadas, as portas trancadas, e a sensação de abandono era quase palpável. Ela suspirou, tentando afastar a paranoia da amiga:
— Isso aqui é um bairro pequeno. Nem tem muita gente por aqui. Deve ser só isso.
Antes que Camille pudesse responder, um som invadiu o silêncio. Primeiro, eram ruídos abafados, quase imperceptíveis, mas logo cresceram em intensidade. Estalos secos, como madeira se partindo, gritos distantes e tiros ecoaram das casas. Os barulhos vinham de todos os lados, como um cerco invisível.
Larissa sentiu o sangue gelar. O que antes parecia ser um lugar seguro agora parecia uma armadilha prestes a explodir. Sem hesitar, ela disparou em direção ao portão de sua casa, o medo pela segurança de sua mãe ofuscando qualquer outro pensamento.
— MÃE! — gritou, enquanto atravessava o portão com pressa, ignorando os sons à sua volta.
Camille, por outro lado, ficou paralisada por um instante. Seu instinto gritava para que não entrasse. Cada fibra do seu corpo dizia que o perigo estava ali, escondido dentro das casas silenciosas e aparentemente normais. Ela olhou para Larissa, que já corria em direção à porta de entrada, e respirou fundo. Mesmo com o coração martelando no peito e o medo a consumindo, ela ignorou os próprios instintos e seguiu atrás da amiga.
As duas desapareciam pela porta enquanto os sons do lado de fora continuavam, cada vez mais altos e ameaçadores, como se algo estivesse se aproximando.
Ao entrar na casa, Larissa avançou direto pela sala, os passos apressados ecoando no silêncio inquietante. Sem hesitar, ela correu em direção à cozinha, o coração martelando de ansiedade. Camille, por outro lado, hesitou na porta. Algo não parecia certo. Seus olhos percorriam os cantos da casa, e seu corpo estava em alerta. Um arrepio percorreu sua espinha, mas antes que pudesse chamar Larissa, o grito ficou preso na garganta.
Larissa atravessava o corredor quando, de repente, uma figura emergiu das sombras da cozinha. Sua mãe, mas não mais a mesma. O rosto estava retorcido, os olhos completamente vazios e a boca entreaberta, pingando saliva misturada a sangue coagulado. Antes que Larissa pudesse reagir, sua mãe pulou sobre ela com força descomunal, derrubando-a no chão.
O impacto foi brutal. Larissa bateu a cabeça no piso com um baque seco, e um grito de dor escapou de seus lábios, interrompido quando as mãos da mãe agarraram seu pescoço. Os dedos magros e implacáveis apertavam com uma força que parecia impossível, esmagando sua traqueia e limitando o fluxo de ar. A cabeça dela foi batida contra o chão repetidas vezes, o som surdo misturando-se aos gemidos sufocados que escapavam de sua garganta.
Camille, parada no corredor, ficou congelada. O choque a consumiu por inteiro, e suas pernas fraquejaram. Ela queria correr, queria gritar, queria fazer qualquer coisa, mas seu corpo se recusava a obedecer. Seus olhos estavam fixos na cena horrível diante dela. O rosto de Larissa se contorcia em pânico, os olhos arregalados e brilhantes de lágrimas, enquanto implorava por ajuda sem emitir uma única palavra.
A tremedeira tomou conta de Camille, e uma sensação quente escorreu por suas pernas. Ela percebeu com horror que havia se mijado, mas isso não importava. Nada importava.
De repente, a mãe de Larissa fez algo ainda mais aterrorizante. Com um movimento grotesco, ela enfiou os dedos na boca da filha, forçando-a a abri-la. Então, como se um comando invisível tivesse sido acionado, sua cabeça jogou-se para trás em um espasmo bizarro. O corpo inteiro dela tremia como se estivesse prestes a explodir.
Larissa tentou gritar, mas tudo que conseguiu foi um gemido rouco e desesperado. Suas mãos arranhavam inutilmente as da mãe, enquanto os olhos buscavam os de Camille, implorando em silêncio. Mas Camille estava paralisada.
E então, com um movimento assustadoramente rápido, a mãe abaixou a cabeça novamente. Seus olhos, agora fixos em Larissa, estavam completamente desumanos. Ela soltou o pescoço da filha por um breve momento, e Larissa arfou, tentando sugar o ar com desespero. Mas antes que pudesse reagir, a mãe vomitou um líquido vermelho-escuro diretamente na boca de Larissa.
O líquido viscoso escorreu pela garganta da garota, que começou a engasgar, tossir e se debater freneticamente. O som era sufocante, quase animalesco. O corpo de Larissa começou a espasmar, os gritos misturados com tentativas de vomitar.
Camille finalmente conseguiu se mexer. O terror ativou um instinto primal dentro dela. Ela virou-se e correu com tudo que tinha, passando pela porta como um borrão. Sem pensar, puxou a maçaneta e trancou a porta atrás de si, prendendo Larissa e a mãe dentro da casa.
Ela não olhou para trás. O som dos gritos e das batidas ecoava em sua mente, mas Camille sabia que, se hesitasse, estaria morta. Lágrimas corriam por seu rosto enquanto ela corria pelas ruas, ignorando o caos ao seu redor. Os tiros e os gritos distantes não significavam nada.
As calças molhadas e o cheiro de urina a humilhavam, mas isso era insignificante comparado ao peso em seu peito. Larissa estava morta, e ela não fez nada. Camille não conseguia parar de chorar enquanto corria, desesperada, em direção ao supermercado.
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