Capítulo 3 – Recanto da Salvação
As ruas ecoavam o som das passadas apressadas, o ar pesado vibrando com o grito dos infectados à distância. A mulher misteriosa corria com firmeza, puxando Ingrid pelo braço com uma urgência feroz. Seu rosto era decidido, o olhar varrendo os becos e esquinas com a precisão de quem já sobreviveu a dias piores.
Sem parar, ela puxou do colete uma espécie de walkie-talkie preto e desgastado. Levou o aparelho à boca e, com um tom afiado como navalha, gritou:
— Atenção, três patetas… estão na escuta?! RESPONDAM, MERDA!
Ingrid mal conseguia acompanhar o ritmo da corrida. O coração batia tão alto que abafava os sons à sua volta. Seus olhos se fixaram nas costas daquela mulher. Notou a corda enrolada sobre o ombro, os ganchos de metal, e uma lâmina fina e longa pendurada em uma das pontas. Aquilo não era uma arma comum — era improvisada, pensada, cruelmente funcional.
De repente, a mulher soltou seu braço com firmeza, girando o corpo para encará-la por um breve instante.
— Agacha agora. Segura esse rádio pra mim… e por nada nesse mundo sai do lugar. — O tom era direto, sem espaço pra discussão.
— O… ok…
— São seis. Se não derrubar logo, vira enxame. E a gente não vai querer ficar pra ver isso acontecer.
A mulher respirou fundo. Em seguida, agarrou a corda, girando a lâmina com maestria. O chiado cortante no ar era o prenúncio de algo letal.
Em um movimento rápido e cirúrgico, ela lançou a lâmina contra o primeiro infectado que se aproximava pela lateral. O impacto foi seco — direto no peito. A lâmina atravessou o corpo com facilidade. Antes mesmo que o cadáver tocasse o chão, ela puxou a corda com força, recuperando a lâmina como se fosse uma extensão do próprio braço.
Ingrid estava paralisada, os olhos arregalados, o sangue frio.
“Quem… quem é essa mulher?”
A pergunta queimava em sua mente, mas a resposta parecia tão distante quanto a chance de sair viva daquela rua.
Seus movimentos eram esquisitos, quase anormais. A corda com a lâmina girava no ar, estalando como um chicote vivo, atingindo os infectados à média distância com a precisão de um bote de cobra. Cada ataque era uma dança mortal. A mulher se movia como se dançasse — passos fluídos, giros ágeis, cortes limpos. Tudo perfeitamente sincronizado com o ritmo da morte.
Ingrid, atônita, mal piscava.
Então, o rádio em sua mão crepitou com uma estática leve, até que uma voz masculina irrompeu:
— Clara, tá na escuta? O que tá pegando aí?
Num pulo, Ingrid apertou o botão do walkie-talkie com as duas mãos, quase esmagando de desespero.
— OI! TÁ ME OUVINDO?! A GENTE PRECISA DE AJUDA, AQUI! POR FAVOR!
A resposta veio rápida, com o som do vento ao fundo:
— Já entendi, tô vendo vocês aqui de cima. Fala pra Clarinha correr pro trevo! Vou encontrar vocês no posto da rotatória. E tenta não levar a cidade inteira de infectados junto, valeu?
Clara ouviu a mensagem e apenas acenou para Ingrid, apontando para o lado com um gesto seco e direto. Não era hora de conversa. As duas dispararam em corrida, os pés batendo no asfalto rachado, enquanto os gritos dos infectados vinham cada vez mais perto, como um coral de pesadelo.
Logo, o ronco de um motor ecoou pelas ruas.
Um carro surgiu à frente — era o mesmo em que Ingrid havia chegado à cidade. Clara não pensou duas vezes: arrancou o walkie-talkie da mão de Ingrid, abriu a porta com brutalidade e ambas se enfiaram dentro do veículo, ofegantes, as mãos tremendo de adrenalina.
Dando partida sem hesitar, Clara falou ao rádio com tom debochado, mesmo ainda ofegante:
— Aê, cabeça de vento, a gente já tá de boa. Pegamos um carro. Aproveita que vocês tão chegando e tira essa merda horda da nossa cola, beleza?
Uma nova voz respondeu, firme e determinada:
— OK! Tamo na cola da horda!
Clara sorriu de canto, virando o volante com agressividade, os pneus gritando no asfalto.
— Perfeito. A gente vai direto pro Recanto.
Algum tempo depois…
Ingrid arregalou os olhos ao ver o que surgia à frente: portões altos de metal, cercas improvisadas e muros fechando o cruzamento das ruas ao redor. Uma fortaleza em meio ao fim do mundo.
— Ficou surpresa? — perguntou Clara com um leve sorriso, já puxando o walkie-talkie preso no colete tático.
Ingrid não conseguiu responder. Aquilo era surreal. Como tinham construído tudo aquilo em meio ao caos do primeiro dia? Enquanto tentava entender o que via, só conseguiu encarar Clara com um misto de assombro e admiração. A mulher, confiante como sempre, soltou um comando seco no rádio e os portões começaram a se abrir, pesados e rangendo alto.
Clara parecia uma chefona de filme, mandando e acontecendo.
— Ei… eu ainda não perguntei. Qual é o seu nome mesmo?
— Ingrid. Meu nome é Ingrid — respondeu, ainda sem acreditar no que estava vendo.
Clara assentiu com um meio sorriso, o olhar firme como aço.
— Muito bem, Ingrid… seja bem-vinda ao que eu chamo de Recanto da Salvação.
Os portões pesados rangeram devagar, revelando um corredor estreito entre placas de ferro e tapumes soldados às pressas. O som ecoava seco, metálico, como um anúncio: ali não era um abrigo qualquer. Era um reduto de resistência.
Clara manteve o passo firme, sem olhar pra trás. Ingrid a seguia de perto, sentindo o coração bater na garganta, os olhos varrendo cada canto daquele lugar.
Logo após a entrada, foram recebidas por um homem barbudo com um lenço vermelho amarrado no braço. Ele deu uma olhada rápida nas duas e assentiu para alguém no alto de um contêiner improvisado como posto de observação. Um sinal. Os portões se fecharam atrás delas.
— Limpo? — perguntou o homem jovem, já puxando um cigarro da orelha.
— Tudo certo. Essa aqui tava sendo perseguida. Precisa de descanso — respondeu Clara.
— Tá… então leva ela pro pátio da escola. Vai passar pela triagem antes de tudo. E vê se pega suprimento aproveitando que ainda muita coisa boa sobrando aqui — disse ele, soprando a fumaça sem pressa.
O lugar parecia uma pequena cidade cercada por muros e grades, que se espalhavam por várias ruas. Um imenso portão de ferro separava a área segura do resto do mundo — ou do que sobrou dele. Dentro daquele refúgio, havia um número surpreendente de jovens que sobreviveram ao ataque inicial e, em vez de cederem ao medo, transformaram a tragédia em força. O centro da antiga cidade havia sido moldado numa nova civilização improvisada — uma cidade dentro da cidade.
Clara tocou o ombro de Ingrid e puxou-a com leveza.
— Vem. Vou te mostrar onde tudo começa. Mas um aviso, Ingrid… — Ela parou por um instante e encarou a recém-chegada nos olhos. — Aqui dentro, você tá segura… não precisa se preocupar, tá bom? Eu vou te ajudar no que for preciso, ok?
Ingrid engoliu seco. Estava exausta, mas a adrenalina ainda fervia sob a pele. Não era só um abrigo. Era um novo começo.

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