Capítulo 4 – Carnificina no Colégio
Após se despedirem das meninas, Bruno e João Paulo subiram o morro correndo, os passos rápidos ecoando nas ruas desertas. O som dos próprios batimentos parecia mais alto do que o caos que os aguardava na escola onde Samira estudava. Quando chegaram, o cenário já era puro desespero.
Os gritos de dor e pânico vinham de todos os lados, misturados ao som de coisas sendo quebradas e os gemidos grotescos dos infectados. Bruno parou por um momento, analisando a situação com olhos frios e calculistas. A escola estava quase toda dominada, e o portão principal da rua não resistiria por muito tempo antes que os infectados espalhassem o caos pelo bairro inteiro.
“Temos que ser rápidos,” ele murmurou, mais para si mesmo.
Os olhos de Bruno focaram no muro baixo da escola. Sem perder tempo, ele agachou-se e entrelaçou as mãos para dar pezinho a João Paulo. “Sobe, Zé. Vai.”
João Paulo hesitou por um segundo, mas logo se impulsionou para cima, agarrando o topo do muro e puxando o corpo com esforço. Quando estava em segurança, estendeu a mão para Bruno, que tomou distância, correu e saltou, agarrando-se ao muro e subindo com agilidade.
Do lado de dentro, o cheiro metálico de sangue e o ar pesado de tensão eram quase sufocantes. Ambos mantinham passos leves, movendo-se furtivamente até a laje da escola, que oferecia uma visão mais ampla do caos.
Assim que alcançaram a laje, Bruno e João observaram tudo com atenção. A visão era um pesadelo. O portão principal estava escancarado, completamente destruído por um carro que havia colidido violentamente ali, deixando destroços espalhados pelo chão.
“Pelo menos temos uma saída,” Bruno comentou, analisando a destruição. Um leve sorriso despontou no canto da boca, mas desapareceu rapidamente. Ele sabia que Samira não era atlética. Saltar um muro ou correr rapidamente não estava exatamente dentro de suas habilidades. Já começava a formular uma estratégia para protegê-la durante a fuga.
Enquanto Bruno estava absorto em seus pensamentos, João Paulo olhava ao redor, os olhos cheios de preocupação e medo. Ele murmurava baixinho, quase como uma oração, enquanto procurava por sinais das meninas.
Foi então que algo chamou sua atenção. “Ei, Zé…” ele puxou a manga de Bruno e apontou. “Os infectados… Estão indo pro refeitório. Olha isso.”
Bruno seguiu o dedo do amigo, observando os movimentos coordenados dos infectados. Eles se moviam como se fossem atraídos para o mesmo lugar, uma concentração incomum para aquele tipo de comportamento.
“O que você acha que pode ser?” João perguntou, nervoso.
Bruno abriu um sorriso discreto e orgulhoso, algo perigoso e quase insano. Ele sabia o que aquilo significava.
“Ela se lembrou,” ele murmurou, mais para si mesmo do que para João Paulo.
“O quê?” João franziu a testa, confuso.
Bruno continuou olhando para o refeitório, a certeza crescendo em sua mente. “Samira… Ela deve ter lembrado do que eu sempre dizia quando a gente ficava jogando RPG.”
João Paulo parecia surpreso e um pouco esperançoso, mas ainda estava apreensivo. “Você acha mesmo que ela tá lá dentro? E se—”
“Ela tá,” Bruno cortou, os olhos fixos no caminho à frente. A determinação em seu rosto não deixava espaço para dúvidas. “E a gente vai tirá-la de lá antes que seja tarde.
Ele então dá um tapa pesado nas costas de João e com toda confiança e convicção ele diz:
— Cara e certeza de que a Samy deve estar lá com a Hadassa. O que você acha de a gente arriscar dar uma olhada?
João Paulo fica meio inseguro de tentar ir para lá sendo que ele mesmo não estava acreditando tanto assim que realmente elas estariam lá. Sem ter muita certeza de que seria uma boa ideia se arriscar tanto, ele questiona Bruno:
— Que a Samira e a Hadassa não se desgrudam, disso eu já tô ligado, mas como ocê pode ter certeza de que são elas no refeitório fora que está cercado cara, cê não acha que vale apena né?
Bruno ouve daquela direção alguns gritos pedindo por socorro misturados aos gritos dos infectados e ele ao mesmo tempo reconhece a voz da minha irmã no meio dos outros gritos. Ele se sentindo orgulhoso de sua irmã ter dado ouvidos às suas ideias de quando costumavam jogar RPG, ele volta o seu olhar para João e diz com um brilho nos olhos:
—Porra cuzão é a voz dela lá… vê se tranca o cu e bora descer lá carai!
Antes que Bruno saísse precipitadamente João Paulo o interrompe para que eles não fossem descer lá sem um plano de ação.
— Cara não viaja, quer mesmo descer lá assim, sem nenhum plano em mente? Espera um pouco e vamos aproveitar que eles os infectados ainda não notaram a gente…
João Paulo da alguns passos para frente e chegando na ponta da laje e diz.
—Hum… não é tão alto pra descer por aqui, agora só falta pensar em como vamos tirar elas de lá… Você tem alguma ideia?
Bruno não precisou parar para pensar muito antes de responder a João:
— Até que tenho sim.
João Paulo curioso olha para Bruno e pergunta:
— É mesmo qual?
Bruno começa a caminha na direção de João com um leve e confiante sorriso no rosto. E quando ele se aproximou da beirada aonde João Paulo estava, ele olha para baixo na direção dos infectados e então responde como se não fosse nada demais dizendo:
— Um de nós vai descer lá embaixo, o outro fica aqui em cima, chamando a atenção deles para um canto contrário ao que o outro está. E então quando eles vierem dar busca no que ficou aqui em cima, o outro vai até lá embaixo tirar elas de lá o mais rápido possível. O ponto de encontro vai ser o mercado Serve Bem e se possível tentem fugir por aquele portão ali em baixo que talvez seja mais fácil para vocês pode ser?
João Paulo ouviu o plano, pensou rapidamente, mas sabia que não tinha ideia melhor. Resignado, ele deu um aceno curto com a cabeça.
— Nó, Zé… De rocha. Mas, e aí? Quem vai descer lá embaixo?
Bruno sorriu de canto, soltando um suspiro pelo nariz enquanto levantava a mão esquerda até o peito. João Paulo já sabia o que aquilo significava. Revirando os olhos, ele resmungou:
— Mas que filha da puta!
Sem mais palavras, os dois jogaram pedra, papel e tesoura. No primeiro lance, João Paulo jogou papel, e Bruno, com a tesoura, venceu. O resultado arrancou uma expressão indignada de João Paulo, que logo soltou:
— No Zé, cê é um arrombado mesmo, sabia? Se alguém tinha que descer até lá, era ocê, mano! Vagabundo… Cê corre bem mais do que eu, carai!
Bruno deu de ombros, se afastando enquanto falava com aquela tranquilidade irritante que só ele tinha:
— Mano, pensa comigo: eu não consigo correr rápido se tiver que acompanhar as meninas pra fora do portão. Além disso, é muito mais fácil pra mim ficar dando cobertura e distraindo esses desgraçados do que tentar carregar elas daqui. Agora, bora! Corre lá e já fica no jeito pra quando eu começar a gritar.
João Paulo bufou, mas sabia que Bruno estava certo, ainda que aquilo doesse em seu orgulho. Sem mais argumentos, ele começou a descer cuidadosamente para o chão, enquanto Bruno se apressava sobre o telhado, buscando um ponto onde pudesse gritar e atrair os infectados sem ser pego.
Quando Bruno se posicionou, soltou um grito alto e inconfundível:
— Ô Samy! Se prepara, caralho! O irmão e o gordão já tamo indo tirar vocês daí!
Samira ouviu a voz de Bruno ecoando pelo refeitório. O coração dela disparou, mas era uma mistura de alívio e adrenalina. Ela olhou para as outras duas meninas que estavam com ela e murmurou, tentando soar firme:
— É agora. Fiquem atrás de mim e sigam o que eu fizer, tá?
Enquanto isso, Bruno começou a gritar sem parar, usando toda a força de sua voz. Ele batia em uma estrutura metálica próxima, fazendo barulho suficiente para chamar a atenção de qualquer coisa viva — que estivesse por perto. Os infectados, atraídos pelo escândalo, começaram a deixar a entrada do refeitório, movendo-se de forma desajeitada e frenética na direção de Bruno.
João Paulo, que já estava no chão, se posicionou próximo à porta do refeitório, esperando o momento certo para agir. Seu coração parecia uma bateria descontrolada, mas ele manteve o foco. Os infectados estavam se afastando, exatamente como Bruno havia planejado.
Bruno continuava sua performance no telhado, gritando insultos e provocações com um sorriso nervoso no rosto:
— Vem, seus desgraçados! É aqui em cima experimentar dessa minha maravilhosa linguiça toscana! Bora, caralho!
Os infectados respondiam com grunhidos e uivos, correndo na direção do som, enquanto João Paulo se preparava para o momento decisivo.
João Paulo desceu pelo outro lado da laje e começou a se aproximar da área por onde deveria passar, observando que o caminho estava ficando mais livre. Dentro da cozinha da cantina, a colega de Samira, que estava observando pelas frestas da porta, percebeu que a saída estava ficando desobstruída. Desesperada para fugir, ela abriu a porta apressadamente. A porta, que se abria para fora, acertou em cheio a cara de João Paulo, que acabara de chegar ali.
Tomando um susto enorme, a menina que abriu a porta deu um grito estridente. Isso foi péssimo tanto para elas quanto para João, que agora estava mais exposto do lado de fora da cozinha. Os infectados que haviam saído dali voltaram seus olhares para João e começaram a abandonar a perseguição a Bruno, que estava no telhado, para se lançar atrás dele, que se tornaria uma presa fácil.
Percebendo o perigo iminente, Samira agarrou a mão da outra menina que estava ao seu lado e, sem hesitar, saiu pela porta, se preparando para correr. Ela agradeceu a João, mas ele a interrompeu com uma pergunta:
— Samira, cadê a Hadassa???
Samira, desesperada para sair dali, respondeu com pressa:
— Não sei. Não vejo ela desde que o recreio acabou e tudo começou…
João Paulo, ainda com esperança de encontrar sua irmã, decidiu que procuraria por ela na escola. Ele se voltou para Samira e as outras meninas e disse, com urgência:
— O Bruno disse para vocês três correrem para o supermercado agora. Eu vou procurar a Hadassa!
Ao ouvir isso, Samira se lembrou do que Bruno sempre dizia: se algo assim acontecesse, ele faria tudo o que fosse possível para salvar todos ao seu redor.
Enquanto isso, as meninas começaram a correr em direção ao supermercado, mas, à medida que faziam isso, infectados começaram a aparecer de todos os lados, cercando João. Bruno, vendo que o local começava a ficar lotado de infectados, correu para o outro lado da laje, tentando ganhar alguma vantagem para descer dali antes que o número de infectados aumentasse ainda mais.
Descendo da laje o mais rápido possível, Bruno correu disparado. Porém, ao longe, ouviu o grito de Samira pedindo por socorro mais uma vez.
O rosto de Bruno mudou completamente de expressão, passando da preocupação para um ódio intenso. Seus planos, que pareciam fáceis, estavam indo por água abaixo. Sem hesitar, ele ergueu a mão empunhando uma faca e começou a atacar todos que encontrava pela frente. Mesmo vendo que havia pessoas não infectadas tentando fugir, ele as ignorava, parecendo mais um monstro do que um ser humano, atropelando tudo o que estava no seu caminho. Ele não se importava se eram crianças, adolescentes ou infectados adultos. O que aparecia em sua frente, ele matava.
A adrenalina tomou conta do seu corpo de tal forma que tudo ao seu redor parecia se mover lentamente. Seu coração batia tão rápido que dificultava a respiração, e, por onde ele passava, corpos caíam e sangue jorrava. Mas, por mais caótico que fosse, o único som que ele conseguia ouvir era um ruído branco, ficando cada vez mais agudo e alto, a ponto de parecer que o mundo tinha perdido o som.
João Paulo, por sua vez, não conseguia reagir diante da situação em que se encontrava. Sem coragem para matar alguém, ele corria de um lado para o outro, tentando se salvar e, ao mesmo tempo, encontrar sua irmã. Samira, por outro lado, agia com a determinação de quem queria sobreviver, fazendo tudo o que era possível para fugir dali com suas amigas. O pânico era tão grande que ninguém conseguia pensar em mais nada além de como escapar.
Quando Samira estava quase chegando ao portão, que havia sido derrubado por um carro e com um infectado preso no banco do motorista, a menina que segurava sua mão, mais nova e mais lenta, foi pega pelo braço por um infectado. A outra amiga de Samira conseguiu sair pelo portão, para sua sorte, sem muitos infectados prestando atenção no local.
Samira, sem outra opção para não ser pega, soltou a mão da menina e, com lágrimas nos olhos, saiu correndo pelo portão. Enquanto os infectados devoravam a pequena criança, Samira fugia com a única esperança de sair dali com vida.
João já estava em um estado extremo de desespero. Seu coração batia tão rápido que ele teve que lutar contra o próprio corpo para conseguir respirar. No calor da emoção, ele, sem querer, brandiu a faca que segurava na mão direita, instintivamente, quando sentiu que seria pego pelas costas. Só quando o golpe foi desferido e ele percebeu que a lâmina havia se cravado no peito de alguém é que se deu conta do que havia feito. Virando-se rapidamente, viu que a criança que ele havia acertado era sua irmã mais nova.
O grito de João, cheio de desespero, mal conseguia sair de sua garganta. Ele estava tão sobrecarregado pela dor e culpa que parecia não ouvir sua própria voz. A visão de sua irmã caída, sem vida, o fez vomitar, e seu braço esquerdo foi pego por um infectado. Em um acesso de pura raiva e instinto de sobrevivência, João, antes que o infectado pudesse morder-lhe, cravou a faca com força no pescoço do monstro, atravessando-o de baixo para cima até o cérebro. O sangue jorrou, e, com a faca ainda ensanguentada, João, tomado pelo pânico, começou a distribuir golpes de forma completamente aleatória, cegamente, para todos os lados.
Bruno, que observava tudo de longe, via aquele cenário com uma estranha sensação de distanciamento. Em sua mente, tudo parecia tão fora da realidade que ele se viu, por um momento, como se estivesse atuando em um filme de ação, no papel de um assassino impiedoso e sanguinário. O som das facas cortando carne, o cheiro de sangue no ar, tudo estava tão desconexo que ele não conseguia sentir mais nada além da lâmina escorregadia de sua faca, cada vez mais ensanguentada.
A cena só parou quando Bruno percebeu que havia matado todos os infectados que se aproximaram. Ele nem notou que estava perto de João, que, em um estado de frenesi, havia acabado de matar quatro infectados. Quando Bruno finalmente parou, ao seu redor estavam os corpos de pelo menos 15 infectados, todos mortos por sua faca.
Bruno se aproximou de João, que estava de costas para ele, e tentou chamá-lo para saírem dali. Mas no reflexo de quem ainda estava em pânico, João, completamente desorientado, fez um movimento rápido e desajeitado com a faca. O corte foi certeiro, atravessando a bochecha de Bruno e começando pelo maxilar, deixando um longo e doloroso corte.
O susto foi tão grande para ambos que Bruno reagiu instintivamente, dando um chute forte na boca do estômago de João, que caiu no chão, ainda chorando e se contorcendo de dor. Quando João se deu conta do que havia feito, seus olhos se encheram de arrependimento. Ele se levantou rapidamente, soluçando, e pediu desculpas a Bruno, sentindo-se culpado por ter ferido o amigo em um momento tão crítico.
Bruno olhou para trás, e seu olhar caiu sobre o corpo ensanguentado de Hadassa, jogado no chão. João Paulo, ainda em um estado de lamento irreparável, não conseguia parar de derramar lágrimas. Bruno, vendo seu amigo naquele estado, não conseguiu mais sentir raiva. Ao contrário, uma onda de empatia o invadiu, e ele estendeu a mão, ajudando João a se levantar.
Após levantá-lo, Bruno disse com firmeza, mas com uma leveza que refletia o momento:
— Mano, a gente tem que ir atrás das meninas… Afinal, ainda deve dar tempo de alcançá-las antes que mais tragédias aconteçam…
João Paulo respirou fundo, um suspiro pesado, e os dois começaram a correr. O cansaço, já quase insuportável, tornava cada passo uma luta contra o próprio corpo. Ambos estavam exaustos, mas não podiam parar. A sobrevivência dependia disso.
Quando finalmente alcançaram as meninas, Bruno, bufando de cansaço e coberto de sangue, olhou ao redor e sentiu que algo estava profundamente errado. Ele parou abruptamente e olhou para todos com um olhar tenso.
— Aê… pessoal… espera aí… tem algo muito errado aqui…
Samira, já acostumada com a postura de seu irmão em momentos de tensão, olhou ao redor e imediatamente percebeu o que ele estava tentando dizer. As ruas estavam vazias, o silêncio era profundo, e a única coisa que se ouvia eram os gritos distantes, misturados com os barulhos estranhos e distantes dos infectados. Ela franziu a testa, um calafrio subindo pela espinha.
— Você tem razão, dá pra ouvir gritos de longe, fora os barulhos… mas…
A colega de Samira, a única que havia conseguido escapar até ali, se aproximou e confirmou o que Samira já intuía:
— Isso é verdade… Não tem ninguém na rua. Está tudo quase deserto…
A sensação de que o pior ainda estava por vir pairava no ar, como uma sombra prestes a engolir a todos. A tensão só aumentava à medida que o silêncio da rua tomava conta de todos, e a sensação de estarem sendo observados parecia mais real do que nunca.
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