A casa estava silenciosa, exceto pelos ecos da respiração pesada e o som macabro de mastigação. A mãe de Bruno, agora completamente infectada, terminava de consumir as últimas partes do pescoço de Hanne, seus olhos vazios de humanidade, focados em algo que não existia mais. O sangue escorria de sua boca, e ela olhava em direção ao som vindo do banheiro.

    O choro de Haissa, desesperado e abafado, cortava o silêncio da casa. Era o grito de uma criança perdida, sem esperança, pedindo por socorro em meio ao caos que sua mãe se tornara. Ela estava sozinha, sem ninguém para protegê-la. O grito se intensificou, e a mãe de Bruno, com passos arrastados, se levantou, movendo-se lentamente em direção ao banheiro.

    O som de suas unhas arranhando a parede à medida que ela se aproximava da porta era o prenúncio do que estava por vir. Haissa, encurralada no banheiro, já sem forças para gritar, mas ainda assim lutando para respirar entre as lágrimas e os soluços, não sabia mais o que fazer. O pânico tomava conta dela, e sua voz, já rouca de tanto gritar, parecia se apagar.

    Quando a mãe de Bruno chegou à porta, ela começou a bater com a força de seu corpo contra a madeira, tentando arrombar. A casa, que antes era um refúgio, agora se tornava uma prisão para Haissa. Em sua mente ela gritava, implorando por um milagre, por um resquício de bondade, mas tudo o que havia ali era a fome insaciável do monstro que uma vez foi sua mãe.

    A porta tremia sob os impactos, e a cada segundo, Haissa sentia que o tempo estava se esvaindo, que aquele poderia ser o último momento de sua vida. A pressão de estar sozinha, de saber que não havia mais ninguém para ajudá-la, deixava tudo ainda mais angustiante.

    ***

    Enquanto Bruno dirigia em direção à sua casa, João Paulo, com a mente a mil, relembrava o que Camille havia dito sobre a mãe de Larissa, o que a fazia agir de forma tão desesperada. Um medo crescente se instalou em seu peito, uma preocupação com o que aconteceria caso encontrassem o pior cenário. Ele então se vira para Bruno e, com um olhar tenso, faz uma pergunta:

    — Ô viado… me responde uma coisa. O que você vai fazer se quando chegar lá e encontrar elas já mortas ou infectadas? Você vai ter coragem de matar elas se estiverem infectadas?

    Bruno suspira antes de olhar para João, seu olhar frio, como se já estivesse mentalmente preparado para qualquer coisa que viesse a acontecer. Ele responde sem emoção:

    — O que a situação pedir, porra. Não importa quão ruim isso possa ser, eu vou fazer, independente de qualquer merda.

    Após um tempo, finalmente chegam à casa de Bruno. Ele é o primeiro a sair do carro e corre em direção à entrada. Quando entra pela sala, a cena é grotesca. O corpo de Hanne está estirado no chão, o pescoço dilacerado, a carne exposta, com o osso hioide visível e as vértebras cervicais ainda ensanguentadas. O sangue mancha o piso preto da sala, e Bruno, ao ver a carnificina, engole a vontade de vomitar que sobe de sua garganta.

    Com um grito urgente, ele chama por Haissa. Mas não obtém resposta. O som de algo se movendo na parte de trás da casa chama sua atenção. Antes que possa pensar em mais alguma coisa, sua mãe, agora infectada, aparece na porta, com o rosto coberto de sangue e uma gosma preta escorrendo de sua boca. Ela começa a correr em sua direção, uma criatura movida apenas pelo instinto de matar.

    Bruno, com o peito apertado pela dor e o medo de tudo o que poderia ter acontecido enquanto ele estava fora, reage automaticamente. Sem pensar, ele se abaixa e, com agilidade, esquiva-se do ataque dela, passando por baixo de seus braços. Em um movimento rápido, ele a agarra pela cintura e, sem hesitar, a derruba no chão com um impacto brutal, fazendo com que ela batesse a cabeça com força.

    João Paulo, ainda paralisado ao lado de Hanne, observa sem reação. A visão do corpo de sua amada no chão, ensanguentado e sem vida, o deixou paralisado, sem forças para agir. Mas o som dos golpes de Bruno quebrando o silêncio trouxe ele de volta à realidade.

    Bruno, sem demonstrar qualquer emoção, sobe em cima da mãe e começa a golpear sua cabeça com a marreta repetidamente. O sangue e os miolos espalham-se pelo chão, mas ele não demonstra nenhum sinal de remorso. Os golpes são frios e calculados, como se ele estivesse apenas cumprindo uma tarefa que precisava ser feita.

    João Paulo, olhando para a cena, sente um nó na garganta. Não consegue entender completamente o que está acontecendo com Bruno. A brutalidade com que ele mata sua própria mãe parece ter apagado qualquer vestígio de humanidade que ainda restava nele. Mas ele não tem tempo para refletir sobre isso, pois sabe que a única coisa que importa agora é a sobrevivência. O mundo de antes já acabou.

    Após o último golpe, Bruno se levanta. O rosto coberto de sangue, ele não olha para trás, não encara o que restou de sua mãe. Ele sabe que não há mais tempo para sentimentos ou hesitações. O que importa agora é encontrar Haissa, garantir que ela esteja viva, e fazer o que for preciso para que o resto da família também sobreviva.

    Ele grita novamente, chamando por Haissa, mas o silêncio ainda é a única resposta.

    João Paulo, ainda de pé, observa a cena com uma mistura de angústia e desespero. Ele sabia que Bruno havia mudado, mas nunca imaginou que a transformação fosse tão profunda. A perda de tudo o que ele amava, a morte de sua mãe, e o peso de suas ações estavam fazendo de Bruno uma pessoa diferente.

    Quando Bruno parou de bater no seu rosto, ainda não havia qualquer expressão em seu semblante. Mas, de repente, uma lágrima escorreu de um dos seus olhos. Ele sentia o coração disparado, como se fosse explodir de tanto bater, e uma fraqueza imensa tomou seu corpo, algo que ele nunca havia experimentado antes. Era como se seu corpo pesasse toneladas, e ele mal conseguia se sustentar em pé.

    João Paulo estava ali, assistindo, mas incapaz de dizer qualquer coisa. E então, diante de Bruno, sua irmã caçula, com a testa cheia de galos e um dos olhos roxos, caminhava lentamente em sua direção. O que restava de sua mãe infectada ainda sujava seu rosto com a gosma preta, enquanto ela arrastava uma das pernas, mordida pela própria mãe. À medida que se aproximava, Bruno via as lágrimas rolando pelo rosto de Haissa, que agora estava longe de ser a garotinha sorridente de antes. Ela estava infectada, arrastando a perna que faltava um pedaço, arrancado pela sua mãe. A dor apertava o peito de Bruno, deixando-o sem palavras.

    Ele sentia uma pressão esmagadora. Sua boca tremia, os dentes batiam uns contra os outros, e ele não conseguia respirar. Seus olhos começaram a lacrimejar. Antes de se entregar ao choro, com a voz trêmula, ele sussurrou:

    — Não… já chega…

    Ao ouvir aquelas palavras, João Paulo, que estava acompanhando tudo em silêncio, se levantou. Ele sabia o que estava prestes a acontecer e, com lágrimas nos próprios olhos, disse:

    — O meu mano… já chega, deixa isso pra lá… você não vai aguentar, vai doer demais em você, irmão…

    Bruno, com as mãos apertando seu peito como se quisesse segurar seu próprio coração, falou:

    — Eu não vou deixá-la assim! Ela é minha irmãzinha, cara! Eu não pude protegê-la… é minha responsabilidade…

    A dor de Bruno era palpável, e, ao ouvi-lo, João Paulo sentiu a pressão de algo muito maior do que qualquer palavra poderia conter. Foi como se a última força de Bruno tivesse se esgotado. Eu via ele se levantar, soltando um grito de dor que certamente vai me assombrar para sempre. Vi meu melhor amigo gritando e chorando enquanto estourava a cabeça de sua irmã caçula com as marretadas. Eu não queria acreditar, mas as lembranças de minha própria irmã começaram a me invadir. Eu não sabia se ela estava contaminada ou não, e se, naqueles segundos, eu teria tido coragem de acabar com a vida dela como Bruno estava fazendo. Coitado, ele estava tão desesperado que não percebia que ela já estava morta. Ele estava preso a uma dor tão insuportável que não via mais a realidade.

    Eu sabia que parar Bruno era a única coisa que eu poderia fazer por ele agora.

    João Paulo caminhou até Bruno e, quando ele levantou a marreta novamente, eu segurei sua mão com firmeza e disse:

    — Já deu, mano. Ela já morreu…

    Bruno parou. Ele largou a marreta no chão, os olhos embaçados pela dor, misturados com o sangue de sua mãe e irmã. Ele a pegou no colo, o corpo dela frágil, com a cabeça quebrada, e começou a chorar e gritar sem parar. Ele a apertava com força, sentindo a leveza de seu corpinho pequeno como se fosse um bebê. As lembranças das brincadeiras que faziam juntos durante os 6 anos de vida dela, os risos, os traços delicados de sua irmã — a pele branquinha, o cabelo castanho claro cacheado bem enrolado, o sorriso radiante que ela sempre lhe dava — tudo isso agora se transformava na lembrança mais dolorosa de sua vida.

    Bruno sabia que, a partir daquele momento, aquelas memórias não seriam mais aquelas que ele gostaria de guardar. Elas seriam as piores de todas, marcadas pela dor e pela perda irreparável.

    E pela primeira vez em 13 anos, chorei como nunca havia chorado na vida. E o mais irônico de tudo é que sempre desejei ver com meus próprios olhos um apocalipse zumbi, como nos filmes de Resident Evil. Eu me via matando zumbis, me divertindo com isso, como se fosse a melhor coisa do mundo, o grande paraíso de um psicopata nerd… Só que essa dor, essa dor foi diferente… essa foi a dor que eu jamais havia imaginado.

    Eu nunca pensei que sentiria isso de verdade. Não, não foi nada do que eu imaginava. Não havia diversão, não havia glória. Só havia a perda… a perda que me dilacerava por dentro. Não era um jogo. Era real. E agora, a dor que eu sentia estava em cada parte do meu corpo, em cada pedaço da minha alma.

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