Capítulo 9 – Do Outro Lado da Ruína
10:00, cerca de 30 minutos antes de todos começarem a serem infectados.
Bairro Paulo VI, rua 43, Edmundo Rodrigues, quase no final da rua, perto da esquina do morro. Lá moravam Anael e Raziel, dois irmãos e primos de Bruno. Anael, o mais velho, tinha 13 anos, enquanto Raziel, bem novinho, tinha apenas 8. Os dois eram tão parecidos que poderiam ser confundidos com gêmeos, com apenas algumas características que os diferenciavam. Anael, obviamente, era duas vezes mais alto do que seu irmão mais novo e tinha uma aparência mais madura para a sua idade. Já Raziel, com seus olhos grandes e redondos, tinha um olhar mais infantil. Ambos eram bem magros e de pele muito escura, pouco herdando da mãe, que tinha um rosto mais fino e uma pele mais clara, num tom pardo. Fabio, o pai deles, era afrodescendente, embora não fosse muito alto, com 1,74 — o que o colocava na média brasileira. Seus filhos, no entanto, eram tão parecidos com ele que parecia que eram versões miniatura de seu pai, só que mais jovens.
Anael estava em casa, deitado, quando tudo ainda estava prestes a começar. Seu pai, Fabio, havia brigado com ele no dia anterior. Já fazia dias que Anael estava faltando à escola, e Fabio, revoltado com a falta de compromisso do filho, tentava fazer de tudo para incentivá-lo a estudar. Mesmo quando ele chegava exausto do trabalho, após virar massa e assentar tijolos o dia inteiro sob o sol quente, ainda tentava conversar e ensinar Anael a ser mais responsável.
Nesse dia, Fabio havia recebido uma folga devido a uma torção no pé no dia anterior. Estava extremamente nervoso com Anael por não ter ido à escola, e já saturado de toda a situação. Suando frio de tanta raiva, não conseguia mais se controlar. Quando ouviu o som do jogo de celular vindo do quarto de Anael, não conseguiu se acalmar. Com o rosto fechado e a pressão subindo, ele se levantou e caminhou até o quarto. Ao entrar, com o ódio estampado nos olhos, disparou:
— Já tá na bosta desse jogo de novo, Anael!
Anael, olhando para a tela do celular, não perdeu a oportunidade de tirar sarro e enfrentar o pai. Com um sorriso desafiador, ele diz:
— É claro… O pai não pode parar de jogar, uai… se não for assim, como é que nós vai ser o melhor do mundo?
Fabio já estava perdendo a paciência com a situação, especialmente com o jogo em que Anael estava viciado. Quando o filho respondeu daquela forma, ele precisou se segurar para não atacar o garoto, como Homer Simpson faria. Seu tom de voz ficou grave e severo, e ele o repreendeu com firmeza:
— Anael, você acha que vou deixar você faltar à aula e ficar nessa merda de jogo de Free Fire? Larga esse celular agora! Vai lavar a louça e depois chama seu irmão, que ele tem que comer antes de ir para a escola…
Anael, ignorando completamente a ordem do pai, apenas continuou mexendo no celular, fazendo com que Fabio, irritado, puxasse o dispositivo das suas mãos e o desligasse antes de colocá-lo no bolso. Em um impulso, ele deu um tapa na cabeça de Anael, o que fez o garoto se levantar rapidamente, agora ainda mais irritado com o pai, e responder:
— Tô indo!
***
Mais para cima no morro, ainda perto da casa onde morava Anael e sua família, ficava a casa de Arthur Vinicius, seu primo de segundo grau. Lá, Raziel estava jogando Free Fire com Rafael, seu primo mais novo, que tinha apenas 9 anos e era aleijado das pernas.
Raziel, querendo provocar o primo devido ao seu mau desempenho na partida, tenta desestabilizar a concentração de Rafael, dizendo:
— Cê é ruim demais, Rafa… olha só, eu vou te subir capa, hein! Tá vacilando aí!
Rafael começa a se sentir tenso e nervoso durante a partida. Tentando arranjar uma desculpa, ele responde:
— O… o… Meu jogo tá bugado, Zé!
10:30, hora do surto.
Vanessa, a mãe de Arthur e Rafael, desce as escadas e vai até o portão buscar seu filho. Ela se aproxima de Rafael, coloca as mãos sobre a cadeira de rodas e, antes de cumprimentar Raziel, observa os dois em silêncio, com um leve sorriso simpático. No jogo, Raziel acaba morrendo quando seu celular fecha o aplicativo sozinho. Ele então olha para a tia e, sorrindo, a cumprimenta:
— Oi, tia. Bença!
Vanessa olha para a rua e depois para Rafael, dizendo:
— Deus te abençoe, filho. Aqui, Rafa, tá na hora da gente subir. Vamos…
Rafael, não gostando da ideia de ir para casa tão cedo, faz manha, pedindo à mãe para ficar mais um pouco com o primo:
— Ah, mãe, deixa eu só terminar aqui?
Vanessa olha com um sorriso gentil para o filho e responde:
— Não, Rafa, acho que você já ficou tempo demais aqui fora. E tem que se arrumar para a escola…
Rafael faz mais manha, reclamando:
— Ah, não, mãe, eu quero ficar aqui!
Raziel, por sua vez, se despede de seu primo e da tia:
— Tchau, tia! Tchau, Rafa! Mais tarde volto aqui, tá bom?
Vanessa olha para Raziel e responde com um sorriso cansado:
— Tchau, fí… manda um oi pro seu pai pra mim!
Ela começa a caminhar na direção da escada de sua casa, empurrando a cadeira de rodas de Rafael. Quando começa a subir, nota que o rosto de Vanessa está avermelhado, suado, e ela está muito ofegante, mais do que o normal. A pele dela parece quente, como se estivesse com febre alta. No meio da escada, Vanessa faz uma expressão como se estivesse sentindo uma dor intensa de cabeça. Preocupado, Rafael pergunta:
— O… o… mãe, ocê tá bem?
Vanessa começa a bufar, como se fosse ter um ataque de pânico, e então grita o nome de seu filho mais velho:
— Ô, Arthur! Arthur!
Arthur, que estava jogando Naruto Storm Ninja 3 no Xbox 360, percebe o desespero na voz de sua mãe e se levanta rapidamente. Ele corre para a porta da escada que dava para o quintal. Vanessa, já sem forças, grita novamente e sente que está perdendo a consciência, mas antes de desmaiar, ainda clama por ajuda:
— Me ajuda aqui, Arthur, eu tô passando mal!
Sua visão se escurece completamente. Ela perde a consciência enquanto ainda está de pé, no meio da escada. Quando seu corpo começa a se entortar para trás, quase caindo, ela se segura no corrimão com a mão esquerda, tentando evitar a queda. Seu braço direito permanece firme, mantendo Rafael ainda seguro em seu colo.
Rafael, assustado, grita:
— Não, mãe, paraaaaa!
Arthur acaba de abrir a porta e, ao vê-la, se choca com a cena: Vanessa, agora completamente descontrolada, morde o pescoço de Rafael, enquanto ele engasga com seu próprio sangue, tentando desesperadamente respirar. Sua mãe, com força, puxa a carne do pequeno pescoço de Rafael.
Arthur, paralisado, observa enquanto o sangue de Rafael escorre e esguicha de uma artéria exposta. Vanessa, com os olhos distorcidos e as veias dilatadas pela agressão, olha para Arthur com um olhar vazio. Ela solta o corpo de Rafael no chão, deixando-o ainda lutar pela vida enquanto tenta respirar.
Ao cair na escada, a cabeça de Rafael bate contra a perna de sua mãe, e o peso de seu corpo faz com que Vanessa perca o equilíbrio, tropeçando no degrau de baixo. Ela cai, rolando desajeitadamente para baixo, e, no penúltimo degrau, onde havia uma ponta saliente de um piso mal colocado, ela atinge a região lateral de sua cabeça, conhecida como ptérion. Esse ponto é uma das áreas mais fracas do crânio e muito suscetível a fraturas.
Rafael, no final da queda, acaba quebrando o pescoço, seu corpo ficando imóvel.
***
Fabio, que em silêncio segurava todo o mal-estar que sentia, começa a perceber os sintomas do avanço do vírus em seu corpo. Ele estava zonzo, com uma sensação estranha de torpor, e decidiu que precisava deitar para ver se a tontura passaria.
Deitado na cama, ele fecha os olhos e começa a orar baixinho, buscando algum conforto nas palavras.
Pouco depois de terminar sua oração, seus olhos se fecham e ele perde a consciência. Alguns momentos depois, ele se levanta, agora completamente transformado e infectado, com os olhos vermelhos e sem vida, um puro reflexo daquilo que se tornara.
Caminha silenciosamente, sem fazer nenhum som com os passos, em direção a Anael. Este, por sua vez, não precisa olhar para trás para perceber a presença de seu pai. Anael ainda estava na cozinha, terminando de enxaguar a louça que havia se recusado a lavar no dia anterior. Ele respira fundo, irritado, e diz com desdém:
— Oh, cê não me enche o saco não, zé, que eu já tô acabando aqui!
Fabio, em um movimento rápido, tenta agarrá-lo pelo pescoço. No susto, Anael consegue se soltar, recuando assustado. Ele olha para o pai, confuso e preocupado com seu comportamento, e pergunta:
— Ô pai… que isso… cê tá viajando… O que aconteceu com seus olhos?
Anael nota que os olhos de Fabio estão vermelhos e irritados, com um tipo de muco branco, semelhante a pus, escorrendo deles.
Fabio, já completamente infectado, começa a persegui-lo pela casa. Anael corre de um lado para o outro, ainda sem entender o que estava acontecendo. Seu instinto grita para ele fugir, e ele decide que a única opção é sair de casa. Desesperado, ele corre para a escada que desce para a casa de sua avó. Quando está no início da escada, ele para por um instante e olha para trás.
É então que ele vê seu pai tropeçar, pisando errado logo no começo da escada. Fabio perde o equilíbrio e cai de forma descontrolada, mas não parece sentir dor — ele se levanta rapidamente e continua sua busca, mais determinado do que nunca.
Anael, desesperado, pula pela lateral da escada, esquivando-se do pai, que se levantava ainda com os movimentos erráticos e ameaçadores. O coração batendo forte no peito, ele não tem tempo de verificar se Fabio está bem ou se já foi derrubado. O único pensamento na sua cabeça é escapar.
Ele corre na direção da casa da sua avó, suas pernas se movendo mais rápido do que jamais imaginou ser possível. Quando chega à porta, ele a abre com um empurrão brusco, mas ao fazer isso, é recebido por uma visão aterradora. Sua tia, irmã de sua mãe, e sua avó avançam em sua direção, seus olhos agora vermelhos e vidrados, como os de seu pai. A boca de ambas está manchada de sangue, um sinal claro de que já haviam caçado e provavelmente atacado alguém.
Anael congela por um segundo, a mente rodando enquanto ele processa o que está acontecendo. Ele vê o pai atrás dele, ainda se levantando, com a mesma fúria nos olhos. Ele se vira e corre, seus pés cortando o chão do grande quintal cheio de mato e lama, uma fuga desesperada de algo impossível de entender.
Enquanto corre, suas mãos tremem, e sua mente tenta achar sentido naquele pesadelo que agora é sua realidade. Ele sussurra para si mesmo, sua voz baixa e tensa:
— Elas estão iguais ao meu pai… estão com a boca suja de sangue. Será que mataram o Nicolas e a Brenda? É isso? Eles querem fazer isso comigo também?
O medo aumenta, um nó apertado na garganta. Ele precisa correr. Ele precisa sair dali, mas as lembranças dos rostos de sua mãe, seu pai, e agora sua avó e tia, todas tomadas pela mesma loucura, o fazem questionar até onde ele pode ir. E, mais importante, se conseguirá escapar dessa realidade infernal.
***
Arthur sai correndo para fora de casa. Quando sai, vê Raziel chegando no portão de sua casa enquanto ainda jogava no celular. Arthur o chama, desesperado, pedindo ajuda para sua mãe e seu irmão.
Raziel, ao ouvir o chamado, para e grita para ele:
— O que foi, Arthur?
Anael abre o portão, sai e o fecha desesperado. Quando vê seu irmão Raziel, assustado, ele pega na mão do mais novo e sobe o morro correndo na direção de Arthur, gritando para ambos:
— Corre, menor! Corre, caralho!
Fabio e os outros começam a bater com força no portão, fazendo muito barulho. Gritos de jovens e várias crianças começam a ecoar pelas ruas do bairro. No momento em que ele alcança Arthur, vários infectados começam a sair de suas casas, e algumas crianças também surgem, correndo e gritando de medo por suas vidas.
Anael olha para Arthur, bem assustado, e diz:
— Temos que fugir para casa da tia Nádia agora!
Arthur, Anael e Raziel ainda não perceberam, mas já há uma multidão de infectados correndo atrás deles. Raziel olha para trás e, ao ver os infectados se aproximando, grita para Anael:
— Acelera, carai! Tá cheio de gente atrás da gente!
Anael e Arthur avistam a casa de sua tia Cecília à distância e, ao ver João entrando correndo nela, eles se esforçam ao máximo, dando tudo o que têm para ganhar uma vantagem sobre os infectados. Eles correm com tudo, seus corpos exaustos, mas a visão da casa da tia Cecília lhes dá um novo fôlego.
A adrenalina toma conta dos três jovens enquanto eles correm com todas as suas forças. O som dos portões sendo quebrados, as crianças gritando e o caos se espalhando pelo bairro parecem não ter fim. O bairro que antes parecia tranquilo agora é um cenário de terror, e a única coisa que importa é fugir, sobreviver.
Arthur, suado e ofegante, olha para trás ao ouvir o barulho de passos pesados e gritos se aproximando. Ele não precisa se virar completamente para entender: os infectados estão perto. Muito perto. Eles estão se espalhando pelas ruas e os portões são apenas uma barreira temporária.
Anael puxa Raziel com força, seu coração batendo descompassado, mas ele sabe que não pode parar. Ele olha para o seu irmão mais novo, que está visivelmente apavorado, e grita:
— Corre menor… corre caralho!
Raziel, ainda segurando o celular, agora sem se importar com o jogo que havia deixado para trás, acelera o passo, mas a cada segundo, mais infectados se aproximam. O som dos gritos se mistura ao barulho dos pés batendo contra o chão, e eles sabem que precisam alcançar um lugar seguro.
Quando Anael, Arthur e Raziel finalmente alcançam a casa de sua tia Nádia, o desespero aumenta. Eles param por um segundo para respirar, mas logo se dão conta de que não estão sozinhos. O número de infectados que os segue é cada vez maior. A visão de uma multidão correndo atrás deles, com algumas crianças também agora se unindo ao caos, os deixa paralisados por um instante. Raziel, olhando para trás, começa a gritar com uma mistura de medo e urgência:
— Acelera, carai! Tá cheio de gente atrás da gente!
Arthur, suando, apavorado, encara Anael, e o pânico em seus olhos é evidente. Eles não podem parar, não podem vacilar, ou tudo vai ser perdido. De repente, ao longe, Anael avista a casa da sua tia Cecília, e com uma explosão de esforço, ele grita para os outros:
— Vamos! A casa da tia Cecília!
Os três correm com tudo, suas respirações pesadas e seus corpos exaustos, mas a visão da casa de sua tia lhes dá um último fôlego. À medida que se aproximam, eles veem João correndo para dentro da casa, uma última esperança, talvez.
Eles conseguem uma vantagem temporária sobre os infectados, a distância entre eles e os perseguidores aumentando lentamente. Mas a sensação de alívio é breve, já que eles sabem que não estão longe o suficiente.
Chegando na esquina, próximo à casa da tia, eles veem João e Guilherme saindo pelo portão. Guilherme, ao notar os três, percebe imediatamente a horda de infectados correndo em direção a eles.
— Fodeu de vez! Oh PH, tira o dedo do cu e sai fora daí, carai!
Guilherme grita para o irmão, enquanto os infectados se aproximam rapidamente, e ele vê sua mãe morrendo diante de seus olhos, caída na parte de trás da Fiorino.
João Paulo, em pânico, se joga no banco do passageiro da Fiorino, vendo Bruno e Pedro correndo em sua direção. Ao sair pelo portão, Arthur e os outros o alcançam, enquanto Bruno e Pedro observam, espantados, como a situação só piorava. Anael e os outros também entram correndo no carro, trancando a porta atrás deles. Bruno entra no carro, já tentando dar a partida.
— Santa puta que pariu… fodeu, caralho! – exclamou Pedro, alta voz, na parte de trás do carro.
João, olhando para os infectados que os alcançavam, diz, em desespero:
— Que desgraça é essa?
Bruno, com dificuldades para dar a partida, xinga e grita, furioso:
— Mas que carro filha de uma puta, arrombada do caralho, pega logo, porra, desgraça…!
Finalmente, o carro pega. Bruno dá um suspiro de alívio e comemora:
— Finalmente, porra, lata velha, desgraçada!
João, já extremamente assustado e agitado, reclama, irritado:
— Viado, para de xingar essa porra e racha fora, caralho!
Bruno acelera o carro, passando por cima dos infectados que tentam entrar na sua frente, sem hesitar.
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