Capítulo 1: Mundo dos Ranks
Ano 560. 5ª Camada – Jotunheim.
O ar era tão frio que parecia rachar.
A neve não caía em flocos gentis; era uma cortina pesada, branca e implacável, que descia de um céu igualmente branco. Em Jotunheim, o silêncio tinha peso, e naquele dia, ele pressionava o mundo, sufocando todos os sons, exceto o uivo baixo do vento.
Nossa casa era uma mancha escura de teimosia naquele mar de brancura.
Era uma construção extensa, de madeira escura e pedra bruta, assentada como se tivesse crescido ali. Das duas chaminés, colunas gêmeas de fumaça cinzenta subiam retas, numa batalha perdida contra a gravidade e o frio. Era uma pequena fazenda, se é que se podia chamar assim. Os animais — vacas de pelo grosso, porcos teimosos e os poucos cavalos — estavam encolhidos em seus cercados, parecendo mais esculturas de gelo do que seres vivos. Os cavalos usavam armaduras improvisadas de couro grosso, uma proteção patética contra o frio cortante.
Poucas casas pontilhavam a paisagem ao longe. Em Jotunheim, vizinhos eram uma ideia distante.
Foi então que um vulto se materializou na nevasca.
Passos pesados, afundando na neve fresca, o ritmo lento e exausto de quem conhece o caminho de cor. Um machado de lenhador, não de batalha, estava preso às suas costas.
Era Fernandes. Meu pai adotivo.
Ele parou na porta, sacudindo a neve do grosso casaco de pele. A porta se abriu com um gemido longo, queixoso, e uma lufada de ar gelado me atingiu mesmo do outro lado da sala, antes de ser engolida pelo calor.
Fernandes entrou. Um homem alto, de ombros largos, mas com uma força contida, a força de quem quebra madeira e não ossos. Ele deixou o machado ao lado da porta; o som metálico da lâmina tocando a pedra do piso foi seco e final. Sua marca registrada estava lá, visível sob a barba rala: a cicatriz em formato de caracol na bochecha. Uma tolice de infância, ele dizia, feita para “mostrar que era homem de verdade”. O que ela realmente mostrava era uma dureza que o mundo havia lhe ensinado cedo demais.
Ele caminhou para dentro, as tábuas do assoalho rangendo sob seu peso. A casa era nosso refúgio. Madeira e pedra por dentro, aquecida por um fogo que nunca se apagava. Quadros pintados a óleo, escuros e sérios, dividiam espaço com retratos de família desbotados. Runas decorativas, compradas no mercado da cidade e sem nenhum efeito real, pendiam das vigas. A luz amarela e trêmula da lareira e das lamparinas fazia tudo parecer mais quente, mais seguro.
E lá estava eu.
Jogado no sofá perto do fogo, adormecido sobre os livros. Meus cabelos, longos demais, caíam sobre o rosto, e um tomo pesado de história repousava sobre meu peito. Eu suspirei no sono; uma pequena nuvem de vapor gelado escapou da minha boca, um breve contraste com o calor que me envolvia.
Fernandes parou e um raro sorriso amoleceu seu rosto cansado.
E então, ela veio.
Katarina. Minha mãe adotiva. Ou melhor, para mim, minha mãe de verdade.
Se Fernandes era a pedra sólida da casa, Katarina era o fogo que a aquecia. Os cabelos dela eram de um laranja vivo, caótico, como fogo queimando sob a neve. Os olhos, verdes como folhas de primavera, pareciam sempre analisar o mundo com a ferocidade de uma fera acuada. Bruta. Sim, essa era a palavra. Bruta como um trovão prestes a estourar.
Mas seu coração… ela não precisava de palavras para mostrá-lo.
O Rank dela, 236.901, estava marcado em seu antebraço, muitas vezes visível quando ela arregaçava as mangas para o trabalho. Um número que, naquele sistema injusto, significava quase nada, um peão na vasta hierarquia. Mas Katarina? Ela nunca foi “quase” nada. Ela era tudo.
Ela se aproximou de mim, adormecido, e puxou o cobertor de lã grossa, cobrindo-me direito, ajeitando o livro para que não caísse. Só então ela olhou para Fernandes.
— Mas já voltou, amor… — A voz dela era baixa, com uma rouquidão que o frio não explicava.
Fernandes se deixou cair na poltrona perto da lareira, o couro velho rangendo em protesto. Ele estendeu as mãos para o fogo, absorvendo o calor.
— Foi pouca lenha. — Ele suspirou, o som pesado. — Os Jhons vivem só eles, não tem problema. Eles conseguem viver com pouca lenha.
Ele não precisava dizer mais. Em Jotunheim, solidão era uma sentença de morte lenta, e “pouca lenha” era apenas mais um prego no caixão.
Ele ficou em silêncio, olhando o fogo dançar, mas seus olhos se desviaram para mim.
— Amanhã, né… — O sussurro dele mal foi ouvido. — Ele vai partir amanhã, não é?
Katarina se sentou na beirada do sofá, ao meu lado. Sua mão, áspera e quente, afastou o cabelo do meu rosto. Um sorriso triste tocou seus lábios.
— Espero que ele se saia bem…
Fernandes assentiu, os olhos fixos nas chamas. — Se despeça dele por mim. Vou estar trabalhando antes que o sol apareça, infelizmente. Mas já contratei um cocheiro para levar ele até a Torre de Luz.
Katarina se levantou. Ela me olhou por mais um longo momento, uma mistura de orgulho e um medo profundo em seus olhos verdes.
— Me ajude a levar ele até o quarto…
Eles me levantaram. Fernandes pegou meus pés, Katarina me segurou pelos ombros. Eu estava no limbo do sono, consciente o suficiente para sentir o movimento, mas pesado demais para acordar. O rangido das tábuas do corredor, o cheiro de pinho do quarto, o peso dos cobertores extras que eles colocaram sobre mim.
De fato, nesse dia, eu nem me lembro deles terem feito isso.
Não tinha sido a primeira vez que me levaram para a cama como uma criança.
Mas eu nem sabia que seria a última.
E no outro dia, antes mesmo que o sol cinzento de Jotunheim pintasse o céu, eu estava de pé.
Naquela manhã… aquela manhã silenciosa, com cheiro de gelo e fumaça de chaminé… eu achei que a minha vida ia, finalmente, começar.
Academia Fjorheim. O primeiro passo rumo ao que eu achava ser “o meu destino”.
Mas o que eu não sabia… é que, naquele mesmo passo, eu estava pisando direto no tabuleiro de algo muito maior. Um jogo que já estava em andamento — e onde eu era só mais uma peça sendo empurrada para o abate.
Ainda era cedo. Cedo demais.
A escuridão gelada da madrugada ainda dominava o mundo, pesada e absoluta. Lá fora, a neve caía lenta, abafando o universo, cobrindo tudo com aquele branco limpo que só dura até o primeiro passo.
Mas, estranhamente, estava bom.
O frio mordia minha pele, mas não era um incômodo. Era… familiar. Como o toque áspero de uma memória antiga, um conforto que eu sentia sem nem perceber. Era minha última manhã aqui, antes de partir para a Academia Fjorheim. Minha última manhã na Camada 5. Jotunheim.
Eu estava acordado, mas você sabe como é… aquele estado limbo, o “acordado ainda dormindo”, onde sua mente flutua, mas seu corpo pesa uma tonelada.
PÁ!
Um som seco estalou no silêncio, seguido por uma dor aguda e latejante na minha nuca.
— AÍ! — reclamei, a voz saindo rouca, cravando a mão na cabeça. O sono sumiu como se nunca tivesse existido.
— Hoje é seu primeiro dia lá, então acorde direito. — A voz dela. Grave, forte, parecia ressoar nos meus ossos. — Tô falando com você e você aí com essa cara de morto.
Katarina estava parada ao lado da minha cama, já vestida, com os braços cruzados. A luz fraca da lamparina fazia seus cabelos laranja parecerem chamas vivas na penumbra.
— Não arruma briga, ouviu? — ela continuou, seu tom uma mistura de ordem e súplica. — Nem encrenca. Arruma uns amigos decentes, talvez uma namorada, sei lá. Eu tô feliz por você ter passado. De verdade. — Ela descruzou os braços, e seu olhar suavizou por uma fração de segundo. — Então vê se se dá bem, tá?
— Tá, tá… — resmunguei, sentando-me e esfregando o local do golpe. — Podia ter falado isso sem me agredir, né? Mas beleza. Tô indo.
Eu me arrastei para fora das peles quentes. O frio do quarto me atingiu de verdade agora. No cabideiro, esperando por mim, estava o uniforme da academia. Tinha chegado há uma semana e eu mal o havia tocado.
Era uma roupa formal, quase arrogante. Três cores: uma jaqueta azul-escura que parecia cara demais, calças brancas impecáveis e botas que pareciam mais tênis de luxo. E o símbolo, bordado no peito e nas costas: o slogan de Fjorheim. Uma Hydra de três cabeças, cada boca cuspindo um elemento diferente — fogo, gelo e vento.
Era bonito, não vou negar. Mas também era… estranho. Pesado. Como vestir a pele de outra pessoa.
Finalmente pronto, com minha mala de couro velha em uma mão e a mochila nos ombros, fui até a porta da frente. O cheiro de café forte e pão de centeio vinha da cozinha, onde Fernandes provavelmente já tinha comido antes de sair para o trabalho no escuro.
Katarina estava lá, encostada no batente da porta, me esperando. Ela cruzou os braços novamente e me encarou com aquele sorrisinho que era uma mistura perfeita de orgulho e ameaça.
— Volta pra visitar de vez em quando, hein? — ela disse, a voz mais baixa agora. — Não fica só naquele lugar se achando importante demais. Eu vou cobrar, ouviu?
— Pode deixar, mãe. — Um pequeno sorriso escapou de mim.
Ela deu um suspiro, o tipo de suspiro suave que ela raramente soltava, quebrando sua postura de rocha.
— Vai, anda logo. Hoje tem aquela cerimônia de recepção lá, e você… — ela estreitou os olhos, dando um passo à frente e cravando os dedos no meu ombro com uma força que me fez encolher. — É melhor não se atrasar, entendeu?
— T-Tranquilo, mãe… — respondi, rindo nervoso.
Era assim que ela era. Eu tinha um certo medo dela, sim. Mas, ao mesmo tempo, um carinho que era absurdo, que transbordava. Era impossível não amar aquela mulher.
Eu me virei para abrir a porta pesada, sentindo o ar gelado entrar pela fresta. E então, parei.
Senti seu movimento antes de sentir o toque.
Os braços de Katarina me envolveram por trás, num abraço apertado, possessivo. Sua cabeça se apoiou nas minhas costas, entre minhas omoplatas, escondendo o rosto.
— Eu te amo, Ken — ela sussurrou, a voz subitamente embargada, abafada pelo uniforme novo. — Amo muito…
Todo o ar saiu dos meus pulmões. O soco, a bronca, a ameaça… tudo isso era armadura. Isso, isso era ela. Meu peito se apertou com uma felicidade tão pura que quase doeu. Quem não ficaria feliz? Era o combustível que eu precisava.
Eu apenas coloquei minha mão sobre a dela, que estava agarrada à minha jaqueta.
Quando saí pela porta, o mundo tinha mudado. A neve havia parado de cair. O céu, antes um breu opaco, começava a se tingir de um roxo pálido no horizonte. E, rompendo as nuvens pesadas de Jotunheim, um sol raro ameaçava aparecer.
Ali na frente, na trilha que Fernandes havia limpado mais cedo, estava a carruagem. Não uma charrete velha; uma carruagem de viagem, fechada, com quatro cavalos robustos que batiam os cascos, impacientes. Suas patas usavam sapatas especiais de ferro, com garras para quebrar o gelo e a neve acumulada, e o vapor saía de suas narinas em grandes nuvens. O cocheiro, um homem todo encoberto em peles, apenas acenou com a cabeça.
Eu subi, guardei minha bagagem e olhei para trás pela última vez.
Katarina estava na varanda, os braços agora agarrados a si mesma, o cabelo laranja um ponto de cor vibrante contra o branco e o cinza da manhã.
Eu acenei. Ela acenou de volta.
A carruagem deu um solavanco e começou a se mover.
“Mãe”. É uma palavra forte.
Para mim, nessa época, ela tinha um rosto, e era o de Katarina. Minha mãe biológica? Era um mistério. Tudo o que eu sabia era que ela fora amiga de Katarina no passado. Quando eu nasci, por razões que ninguém nunca me explicou direito, fui entregue aos cuidados dela. Já meu pai biológico… eu não fazia a mínima ideia.
Mas quem se fez presente, quem limpou minhas feridas, quem me deu um soco na nuca e um abraço apertado cinco minutos depois… quem me criou e me deu tudo, foram Katarina e Fernandes. Eles eram meus pais. O resto era só história.
A carruagem ganhou velocidade, e logo estávamos passando pela borda da capital de Jotunheim. Cada camada tem sua capital, e a nossa era um mar de casas de madeira escura e pedra, algumas com dois ou três andares, chaminés soltando fumaça sem parar. O comércio matinal começava, feiras abrindo com produtos cobertos de lona, pessoas andando rápido, encolhidas em roupas pesadas de lã e pele.
Eram vidas tranquilas, dentro do possível. Pessoas trabalhando, sobrevivendo, vivendo.
E eu… eu estava deixando tudo isso para trás.
Bem no centro das camadas, erguendo-se como uma agulha de desafio contra os céus, existe a tal Torre de Luz.
É a obra-prima do Clã da Luz, os engenheiros obcecados do nosso mundo. Não é apenas um prédio; é a artéria que liga as camadas, o único caminho para subir ou descer. E aquela seria a minha primeira vez. Da janela da carruagem, eu a via perfurar o céu branco de Jotunheim. Era tão grande que parecia irreal, mais um pilar que segurava o mundo do que algo construído por mãos humanas.
O sistema é simples e brutal, como todo o resto. Para subir, você precisa mostrar seu Rank. Se o seu número não for baixo o suficiente para a camada de destino, você é barrado. A menos, claro, que tenha uma autorização. Um passe especial, normalmente usado para equipes de trabalho manual, mercadores… ou garotos como eu, com um convite para uma academia de elite.
A carruagem parou. Ao redor da base da torre, se estendia uma enorme sede que me lembrava um pedágio glorificado. Um complexo vasto, de pedra clara e metal brilhante, onde dezenas de pessoas com uniformes formais e impecáveis do Clã da Luz auxiliavam o fluxo.
Peguei minha mala e a mochila. O couro velho da mala parecia deslocado nesse ambiente de limpeza e precisão. Respirei fundo, o ar aqui parecia mais rarefeito, ou talvez fosse só eu.
Subi os degraus de pedra polida.
Lá dentro, o som de Jotunheim desapareceu, substituído pelo murmúrio de centenas de vozes e pelo zumbido baixo e constante da própria torre. Avistei uma mulher de cabelos pretos impecáveis, num balcão de informações.
— Com licença, pra onde eu vou para…
Ela levantou a cabeça, um sorriso profissional no rosto. E então, o sorriso vacilou. Os olhos dela se fixaram nos meus, e a surpresa foi óbvia.
Eu já esperava. Faz parte.
É que, por parte de sangue, eu sou do Clã da Escuridão. Um dos quatro grandes clãs, os mais influentes do mundo. Minha mãe biológica era de lá. E, como todo clã, o da Escuridão é dividido por famílias. Acredito que sou de uma dessas bem distantes, mas ainda assim, carrego a herança no visual.
Membros do clã têm olhos roxos e cabelos pretos intensos. Eu tenho o cabelo escuro, sim. Mas o meu olho direito… é rosa.
Isso mesmo. Rosa-choque. E não é lente. Nasci assim. É um farol que grita “diferente”. E neste mundo, “diferente” raramente é bom. Causa sempre esse exato momento: o incômodo, a hesitação, a curiosidade mórbida.
A mulher se recompôs rapidamente, o treinamento dela era bom. O sorriso profissional voltou, embora um pouco mais tenso.
— A sua subida seria para qual ocasião, senhor?
— Para a Academia Fjorheim.
Os olhos dela se arregalaram ligeiramente. — Entendo. Então, por favor, me siga. Você deve ter recebido o convite, certo? É só apresentá-lo ao supervisor no ponto de acesso, e sua subida será auxiliada. Muito obrigada. E boa viagem.
Eu sorri de volta, meu sorriso de “eu sei que meu olho é estranho, podemos ignorar”. Agradeci apenas com um aceno de cabeça.
Chegando ao ponto de acesso, um homem de aspecto severo analisou meus documentos. Mostrei a ele meu Rank: 224.343. Um número decente para a Camada 5, mas nada de especial. Depois, mostrei o convite selado de Fjorheim. Os olhos dele percorreram o selo da Hydra, e sua expressão mudou de tédio para respeito.
Ele me devolveu os papéis. — Pode passar.
Passei pela catraca de metal frio. Do outro lado, a atmosfera mudava. Era uma caótica zona de espera. Eu via o portal de chegadas e, lá, pessoas vendiam peles grossas, botas de neve e carne seca aos recém-chegados de camadas mais quentes. Um lembrete de que Jotunheim não perdoa.
Uma outra mulher, esta com cabelo curto e ar eficiente, me fez sinal.
— Por aqui, por favor.
A segui por corredores que pareciam feitos de luz solidificada. O zumbido ficava mais alto. E então, entramos num lugar enorme.
Um átrio gigantesco. Dezenas de escadas rolantes e plataformas se moviam em todas as direções, e havia gente. Muita, mas muita gente, indo e voltando. Parecia o interior de uma colmeia de vidro.
E lá, no centro de tudo, através de uma parede de vidro maciço, eu a vi. A verdadeira torre.
De tão perto, era esmagador. Não era um prédio, era uma força da natureza. Um pilar de luz pura que rasgava o teto do átrio e subia até se perder de vista. Era tão gigantesca que me deu vertigem só de olhar para cima. Engoli em seco, um receio súbito e primitivo tomando conta de mim.
A mulher me guiou até uma plataforma de embarque. Várias pessoas já esperavam.
“Elevador 2B, subida para Midgard em 2 minutos.” Uma voz sintética, sem emoção, ecoou de alto-falantes invisíveis.
A mulher se virou para mim, seus olhos parando no meu por um segundo antes de desviar o olhar para o meu nariz. Pelo menos ela tentou.
— É sua primeira vez subindo?
Respondi que sim com a cabeça.
Ela sorriu, um sorriso genuíno desta vez. — É completamente tranquilo, não se preocupe. Talvez sinta um leve enjoo, ele é muito rápido, mas você quase não vai perceber a velocidade. E se tiver medo de altura… — ela deu de ombros — …não olhe para o lado de fora. Durante a viagem, se tiver coragem, pode ver Jotunheim inteira. Lá de cima, até dizem que dá pra ver a borda da camada.
“Iremos partir em 10 segundos.”
— Muito obrigado — eu disse, me apressando. — E até… sua volta.
Subi na plataforma de luz. Era um disco de material estranho que vibrava levemente sob meus pés. Havia bastante gente ali, de todos os tipos: comerciantes ricos, guerreiros com armaduras leves, outros estudantes como eu, todos evitando contato visual.
Engoli em seco. De repente, por onde eu tinha entrado, uma parede de vidro transparente se materializou, nos fechando.
E então, subiu.
Não houve solavanco. Não houve aviso. O chão simplesmente… sumiu. A velocidade era absurda. Meu estômago ficou para trás.
Me agarrei a um corrimão, e foi quando olhei para fora.
A sede da torre virou uma miniatura em segundos. E abaixo de mim, eu via Jotunheim. A minha camada. A neve, as montanhas irregulares, o mar de branco sem fim.
Aquela visão foi surreal. Era lindo. A vastidão branca e impiedosa, agora silenciosa e inofensiva, se estendia até onde a vista alcançava.
Então, passamos pelas nuvens. A luz branca encheu o elevador por um segundo, me cegando. E quando passou, já não havia horizonte.
“Ver a borda, é?”, pensei comigo. “Que piada.”
Mas quando olhei para cima, para onde estávamos indo, minha respiração falhou. Não havia teto. Era como se estivéssemos sendo disparados diretamente para o céu, para o espaço.
No horizonte, eu via o sol. E então, subitamente, a terra desapareceu. Ficou tudo preto lá fora, um vazio absoluto, iluminado apenas pelas luzes distantes de outras torres e pela luz da nossa própria plataforma.
“Chegada em Midgard em 3 minutos.”
A voz sintética me trouxe de volta.
Fechei meus olhos. Deixei a vibração da plataforma ser a única coisa real. Mãe. Fernandes. A fazenda. Tudo isso estava agora uma camada abaixo de mim.
Eu só pensava… O que diabos iria acontecer comigo a partir daquele dia?

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