Capítulo 2: Academia Fjorheim
O baque surdo da plataforma se encaixando foi seguido por um silêncio momentâneo, e então um chiado suave.
“Chegada em Midgard,” a voz sintética anunciou, desnecessariamente.
Eu abri meus olhos. A parede de vidro à minha frente se dissolveu, desaparecendo na plataforma como se nunca tivesse existido. O zumbido da torre de luz cessou.
Dei um passo para fora. E o mundo mudou.
O ar. Foi a primeira coisa que notei. Não era o ar frio e cortante de Jotunheim, que parecia morder seus pulmões. Era… bom. Quente. Vivo. Tinha cheiro de poeira, de pedra aquecida pelo sol e algo metálico. O céu não era uma tela branca e opaca; era de um azul profundo, com nuvens brancas e preguiçosas. O sol brilhava de verdade, banhando tudo numa luz dourada que fazia meus olhos doerem um pouco.
A sede da torre aqui era completamente diferente. Nada daquele metal frio e vidro. Eram estruturas antigas, arcos de pedra maciça, colunas grossas e tapeçarias penduradas. Parecia um castelo.
Antes que eu pudesse me localizar, um homem de uniforme se aproximou.
— Você é o garoto da Fjorheim, não é? Por favor, me siga.
Eu o segui, minha mala batendo contra minha perna. Por um instante, quis saber como ele sabia. Mas era óbvio. A tecnologia. A tal “Rede de Comunicação” que estava começando a aflorar. Alguns chamavam de internet. A ideia de que você podia pesquisar sobre coisas do nosso mundo em qualquer lugar… Em Jotunheim, isso era quase um mito. Aqui, parecia ser rotina.
Ao segui-lo para fora da sede principal da torre, saindo para uma plataforma aberta, eu vi.
Parei de andar por um segundo.
Eu só tinha visto em livros. Em Jotunheim, não existem trens. A neve entope os trilhos antes mesmo de serem construídos. Lá, a locomoção é a cavalo ou em trenós puxados por lobos-da-neve.
Mas ali, parado na minha frente, estava um. Um monstro de metal preto e latão, soltando vapor por fendas que eu nem entendia. Era enorme, barulhento e cheirava a carvão e óleo.
O homem me deu um tapinha nas costas. — É por aqui.
Dentro do vagão, o ar estava abafado. Havia várias pessoas: homens de ternos caros, mulheres com roupas comuns, e vários outros jovens usando o mesmo uniforme que eu, com o símbolo da Hydra. Embarquei no trem, o homem me desejou boa viagem e se foi.
O vagão estava cheio. Fiquei em pé, segurando no apoio de couro que balançava no teto. Eu me sentia desconfortável ali, espremido entre estranhos.
Algumas pessoas me olhavam.
Eu sempre achava que era por causa do olho. Meu olho direito, rosa. A anomalia. Mas eu negava para mim mesmo. Eu tinha a herança do Clã da Escuridão; cabelos escuros, traços definidos. Para os padrões de beleza do mundo, eu era considerado muito alto e atraente. Talvez estivessem olhando por isso. Era mais fácil de acreditar.
Com um solavanco violento que quase me jogou no chão, o trem começou a se locomover. Lentamente a princípio, com um rangido ensurdecedor de metal contra metal. A fumaça da chaminé passou pela janela, e o apito do trem soou, alto e longo.
Deixamos a estação, que era integrada à sede da torre, para trás.
Após alguns minutos viajando pela capital de Midgard — que era vibrante, barulhenta e cheia de vida, tão diferente da minha casa silenciosa —, eu vi nosso destino.
As grandes muralhas e as construções da Academia Fjorheim apareceram no horizonte.
Era um espetáculo. Era menos uma escola e mais uma cidade-fortaleza, ocupando um vale inteiro. Torres se erguiam, e a própria arquitetura parecia desafiar a gravidade.
Mas o que mais chamava a atenção, flutuando preguiçosamente ao vento em mastros gigantescos que ladeavam a entrada principal, além dos brasões da academia… eram os quatro brasões das famílias mais importantes do mundo.
O trem foi desacelerando, me dando tempo para vê-los.
O brasão do Clã da Luz era uma das coisas mais lindas que se podia ver. Na bandeira, uma torre de luz se erguia no centro. Ajoelhado diante dela, um cavaleiro de armadura dourada, segurando uma espada feita de pura luz com ambas as mãos. Sobre sua cabeça, uma coroa de espinhos sangrava, e o sangue escorria por sua testa, sobre seus olhos fechados. Era de tirar o fôlego.
Então, meus olhos encontraram o próximo, e meu estômago gelou.
A bandeira do meu clã. A do Clã da Escuridão. Vê-la ali, hasteada oficialmente, foi uma surpresa. Era uma mão pálida, quase cadavérica, com unhas longas e pintadas de um roxo profundo, segurando uma pedra de obsidiana negra e irregular. Atrás da mão, duas espadas quebradas formavam um “X”.
Ao lado, o brasão do Clã Místicia era lindo de um jeito perigoso. Tinha formato oval, com bordas douradas trabalhadas como pequenas pétalas. No centro, abria-se um leque, cujas hastes eram prateadas e adornadas com flores carmesim. Cada pétala era esculpida com uma textura tão real que parecia exalar um perfume doce. Atrás do leque, duas flores maiores se cruzavam — uma de pétalas assimétricas, outra perfeitamente circular — representando a mistura, o contraste. Havia pequenas pérolas rosadas incrustadas ao longo da moldura, tornando o brasão quase vivo.
E por último, o do Clã Enola. O símbolo era uma mulher de cabelo trançado, perfeitamente simétrica. Ela segurava na mão esquerda uma espada, e na outra, uma pena. Serpentes vivas se enrolavam em seu braço esquerdo, subindo pela lâmina, enquanto em seu braço direito, um falcão estava pousado, pronto para voar.
O trem parou com um chiado final de vapor. As portas se abriram.
Eu tinha chegado.
Eu desci com o resto do rebanho, meus pés batendo no que parecia ser mármore. Agarrei a alça da minha mala, respirei fundo o ar de Midgard — ainda quente, ainda estranho — e segui o fluxo de uniformes azuis em direção a um arco de pedra gigantesco.
No instante em que atravessei aquele arco, foi como se o mundo mudasse de frequência.
O barulho da capital de Midgard sumiu, substituído por um zumbido baixo de energia.
Eu parei, e tenho certeza que minha boca ficou aberta.
Isso não era uma academia. Era uma coleção de castelos roubados de livros de contos de fadas e pesadelos. Eu estava impressionado. Muito.
Só os prédios residenciais, onde os alunos ficavam, já eram cinco. E cada um era uma aberração arquitetônica por si só. Um parecia uma fortaleza gótica, outro lembrava um palácio de verão, todos com estilos e identidades próprias.
Mas o que me fez engolir em seco foi o prédio principal.
Não era só “grande”. Era estranhamente grande. Desproporcional. Como se um gigante o tivesse colocado ali. No centro de tudo, havia um círculo pulsante feito de vidro puro, com partículas de luz flutuando dentro como se estivessem vivas, dançando num ritmo que só elas entendiam. O resto da estrutura era um labirinto de pilastras colossais, janelas que iam do chão ao teto e torres que pareciam tentar arranhar o céu.
Os prédios e torres aqui não seguiam o padrão monótono de uma cidade. Não. Aqui, as cores explodiam: telhados de um azul vibrante, paredes de um vermelho intenso, detalhes em laranja flamejante… e um roxo profundo que parecia sugar a luz. Tudo feito de pedra antiga, na forma de mansões e casarões que deveriam ter desmoronado há séculos.
E em cada canto, brasões.
Dezenas deles. Famílias menores, mas ainda importantes, marcando seu território.
Havia dois, no entanto, que estavam em toda parte, hasteados nos mastros mais altos, esculpidos acima das portas principais.
O brasão da família real. A família Asgard. Ele era um espetáculo por si só. Um sol dourado, e cada raio que saía dele era uma flor diferente. Dez flores no total, representando cada camada. No meio do sol, uma montanha com o topo plano, a tão conhecida planície de Or’sea. Podia parecer simples, mas era o símbolo mais respeitado e temido nas Dez Camadas.
E logo abaixo dele, o brasão da igreja. Um sol com uma cruz atravessada. Estava presente, como um lembrete silencioso: “Não se esqueçam, nós também mandamos aqui.”
Sacudi a cabeça, tentando reiniciar meu cérebro, e continuei andando. Segui o fluxo de alunos por uma ponte de pedra esculpida à mão, tão detalhada que parecia trabalho de um artista louco. Abaixo dela, um rio cristalino cortava a área da academia. A água refletia as luzes artificiais dos postes, que, estranhamente, estavam ligados mesmo com o sol forte acima de nós.
Eles tinham tanta energia que nem se davam ao trabalho de desligar as luzes. Aquele pensamento me deu um arrepio.
Finalmente, cheguei ao pátio central, onde a cerimônia aconteceria.
O lugar estava lotado. Era um mar de alunos. Veteranos tentando parecer entediados, novatos como eu, tentando parecer que não estávamos prestes a ter um colapso, e os que fingiam ser descolados. Quase todos já estavam sentados em fileiras de cadeiras ou agrupados em rodas, esperando.
Olhei em volta, tentando captar detalhes, e foi aí que meus olhos focaram nos professores, agrupados perto do palco.
E um deles… bom, um deles se destacou como um raio numa tempestade de neve.
Ren Tianyū.
Alto. Cabelos negros e bagunçados que pareciam ter vida própria, desafiando a gravidade. E os olhos. Olhos vermelhos como brasas vivas. Não eram só vermelhos — eram intensos, como se estivessem sempre prestes a incendiar o ar ao redor.
O sorriso dele… era o tipo de sorriso que fazia a espinha gelar. Não porque parecia gentil, mas porque ele parecia se divertir muito com algo que só ele sabia. Algo perigoso.
Ele vestia um quimono preto estiloso, aberto no peito, com símbolos de pássaros bordados em linha vermelha e uma arte detalhada nas costas — uma montanha solitária e um falcão em pleno voo. O jeito como ele carregava aquilo, relaxado, com as mãos nos bolsos do quimono, era como se dissesse: “Eu não preciso te provar nada. Você já sabe que eu sou forte.”
Fiquei encarando por alguns segundos, meio hipnotizado.
Esse cara vai dar trabalho… ou vai ser meu professor favorito, pensei naquele dia.
De repente, a movimentação aumentou. Os alunos ao meu redor começaram a cochichar e virar os olhos para a entrada do palco.
Quatro figuras surgiram, caminhando com uma presença que cortou o barulho da multidão. Eram veteranos. Entre elas, duas garotas: uma usava óculos, tinha cabelos soltos de um preto forte e olhos castanhos analíticos; a segunda tinha cabelos castanhos e usava brincos grandes que balançavam a cada passo. O terceiro era um garoto alto, cabelo tigelinha e olhos cinzentos com uma cara de peixe morto tão entediada que chegava a ser engraçado.
Mas foi a quarta figura que fez o ar parar.
Ouvi o nome sussurrado ao meu redor como se fosse uma oração.
— Olha… é ela…
— É a presidente do conselho estudantil… a Solara Whitmore.
No começo, eu nem liguei. Só mais uma aluna veterana com um cargo chique, né?
Mas aí… eu olhei diretamente nos olhos dela.
E meu sangue gelou.
No olho esquerdo dela… estavam lá. Três estrelas negras. Perfeitas, pequenas, pairando dentro de sua íris azul. Brilhando com uma intensidade absurda, como buracos na realidade.
Três estrelas negras.
Naquela época, eu não sabia exatamente o que aquilo significava. Mas, instintivamente, todo mundo ali sabia. Não era só status. Era poder. Influência. Reconhecimento. Pessoas com aquele símbolo… eram os monstros da academia. Os que você quer evitar a todo custo ou… desafiar, se for louco o bastante.
Eu engoli em seco, o som parecendo alto demais no meu ouvido.
Acho que meu ano vai ser mais agitado do que eu esperava.
Solara Whitmore subiu ao centro do palco com a calma de quem já carregava o peso do mundo nos ombros — e ainda assim, fazia isso parecer fácil.
Mesmo sob a luz artificial intensa, seus olhos brilhavam. Cada passo era guiado, elegante, quase ensaiado, mas natural demais para ser falso. O uniforme dela? Impecável. Ajustado como se tivesse sido moldado no corpo. Seus cabelos eram de um loiro vivo, quase dourado, e sua pele era branca como a neve de Jotunheim.
E ali, no olho esquerdo, as três estrelas. Elas pareciam pulsar levemente, como se a própria academia as reconhecesse.
Ela pegou o microfone com uma delicadeza que não condizia com o poder que emanava dela. E então, ela sorriu para a multidão.
Aquele sorriso…
Suave. Gentil. Completamente desarmante. Como uma brisa fresca num campo em chamas.
Na hora, até os alunos mais inquietos se calaram. O silêncio caiu como uma cortina pesada, e por um segundo, todo mundo só… respirou.
— “Sejam muito bem-vindos… à Academia Fjorheim!”

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